Alkatiri diz que se demitiu para evitar vazio institucional
Mari Alkatiri, afirmou à Visão que se demitiu do cargo de primeiro-ministro para evitar um "vazio institucional" em Timor-Leste, face a informações de que Xanana Gusmão iria resignar ou dissolver o Parlamento.
"Havia a informação de que o Presidente poderia resignar a todo momento ou dissolver o Parlamento. Qualquer uma dessas hipóteses seria pior do que a minha demissão", disse Alkatiri, entrevistado em Díli pela Visão terça-feira passa da, um dia depois de ter cedido à exigência de Xanana Gusmão para deixar a chefia do governo.
"Foi o dia mais difícil da minha vida", admitiu Alkatiri, frisando que decidiu demitir-se por entender que "não devia atiçar ainda mais os ânimos".
A demissão de Mari Alkatiri, 56 anos, ocorreu um dia depois de o comité central da FRETILIN ter renovado a confiança no seu líder para que continuasse a chefiar o governo.
"Não tive a aprovação de todos, mas todos procuram compreender a minha posição", disse Alkatiri.
Sobre a posição de Xanana Gusmão de considerar ilegítima a liderança do partido maioritário por ter sido eleita por braço no ar no congresso de Maio, Alkatiri começou por dizer que não prevê uma repetição do escrutínio, mas depois admitiu essa possibilidade, "se isso ajudar a resolver algum problema".
"Mas não se organiza um congresso em poucos dias", frisou.
Alkatiri disse querer ver esclarecidas as acusações sobre o seu envolvimento numa alegada distribuição de armas a civis para eliminar adversários políticos, mas admitiu que a sua audição pelo Ministério Público, prevista para sexta-feira, possa ser adiada.
"Fui eu que pedi que se acelerasse essa audiência. Quanto mais se demorasse, pior ficava a minha imagem. No entanto, estou ainda à espera de um advogado de fora e ela pode ser adiada", disse, sublinhando estar de "consciência tranquila".
Alkatiri disse preferir "não falar mais, agora", sobre as suas denúncias anteriores de que foi vítima de um golpe de Estado constitucional e recusou pronunciar-se sobre se se referia à Austrália quando implicou interesses externos a Timor-Leste na actual crise no país.
"Não retiro uma vírgula, mas não vou insistir mais. Não porque tenha medo. É tempo de reflectir sobre o que se passou", respondeu.
Mais adiante, ao referir-se às futuras negociações com as companhias petrolíferas, sublinhou que "onde há petróleo, há problemas".
Na entrevista à Visão, Mari Alkatiri admitiu que "houve erros" por parte do seu governo nos conflitos institucionais e que a crise o fez conhecer "melhor muitas pessoas", incluindo alguns dos seus ministros.
Sobre José Ramos-Horta, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, que em várias ocasiões fez declarações contraditórias em relação às do primeiro -ministro, comentou: "Num governo normal, em qualquer parte do mundo, [isso] seria inadmissível".
"Mas ele teve um papel de diálogo positivo. Prefiro, neste fase, destacar só os melhores aspectos", acrescentou.
Mari Alkatiri recusou pronunciar-se sobre qualquer nome para o substituir na chefia do governo, mas garantiu que "quem for", terá o seu apoio.
A eleição de Rogério Lobato para vice-presidente da FRETILIN depois de se ter demitido do cargo de ministro do Interior foi considerada por Alkatiri como "mais uma prova de que o partido e o governo são órgãos diferentes".
"Quero que fique claro que não foi o secretário-geral da FRETILIN que designou Rogério Lobato para o cargo [vice-presidente do partido]. Ele foi proposto pelo presidente [Francisco Guterres "Lu-Olo"]. Mas já sei que, neste país, a culpa é sempre minha", afirmou.
Alkatiri disse ainda concordar com a presença em Timor-Leste de uma força da ONU "com uma componente policial mais substancial do que a militar", pelo menos durante um ano, em que defende um envolvimento de Portugal.
"Não tenho dúvidas de que Portugal terá um papel importante nas duas [componentes militar e policial da força da ONU]", frisou.
O líder da FRETILIN e primeiro-ministro demissionário disse igualmente confiar no envolvimento de Portugal na discussão diplomática sobre a futura missão das Nações Unidas em Timor-Leste.
"Já se provou, no passado, a importância da diplomacia portuguesa, ao criar uma dinâmica institucional própria em conjunto com a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de que Timor-Leste faz parte] e assim afirmar uma outra influência", sublinhou.
Mari Alkatiri negou "terminantemente" que a FRETILIN utilize o Estado para os seus interesses partidários e garantiu que o seu partido vai ganhar de novo as eleições.
"Esta crise foi criada para não permitir a vitória do partido. Mas não tenho dúvidas de que vamos ganhar, mesmo com os prejuízos que nos causou", afirmou.
Na sequência da crise que afecta o país desde o final de Abril, e que já provocou três dezenas de mortos e mais de 145 mil deslocados, as autoridades timorenses solicitaram a intervenção de uma força policial e militar de Portugal, Austrália, Nova Zelândia e Malásia.