Amazónia. Comunidade rural atacada para desocupar terras

Quando em Glasgow se decidia um acordo para travar a desflorestação, em que o Brasil era um dos 120 signatários, uma comunidade rural foi atacada. A comunidade de cerca de 80 famílias ocupa há uma década a fazenda Tinelli, em Nova Ipixuna, no sudoeste do Estado brasileiro do Pará, na Amazónia. Cerca de 30 carrinhas cercaram o local, espancaram os homens e incendiaram as tendas. Há ainda registo de tiroteio. A política de Marabá está a investigar.

RTP /
DR

O ataque foi exposto por Claudice Silva dos Santos, uma ativista dos direitos humanos, já nomeada pelo seu trabalho para o prémio Sakharov em 2019, que estava em Glasgow como delegada da COP26 e onde recebeu um telefonema alarmante.

Na noite de quarta-feira, cerca de 30 carrinhas chegaram ao acampamento de São Vinícius e atacaram os homens das 80 famílias que ali vivem com base na agricultura de subsistência.

Nas redes sociais e na imprensa brasileira é referido que houve disparos para o ar, mas nem o número de baleados, nem dos restantes feridos, alguma vez foi avançado. Contudo, os sindicatos garantem que alguns trabalhadores foram receber assistência hospitalar.

De acordo com testemunhas citadas pelo jornal The Guardian, as tendas foram cercadas e ateado fogo. Os moradores que não fugiram foram encapuzados e empurrados para um camião, onde foram espancados. Algumas destas pessoas foram abandonadas junto à estrada, longe do acampamento. Outros fugiram para a floresta amazónica e o seu paradeiro continua desconhecido. Entre os feridos estão idosos, que foram deixados atados, e crianças.

Ouvi tiros e toda a gente começou a correr em todas as direções. Vi que estavam a atear fogo ao acampamento. Vi seis motos a arder… havia muitas crianças e idosos que foram atirados para a floresta”, descreve outra testemunha, citada pelo jornal britânico.

Este não é o primeiro ataque à comunidade de São Vinícius mas os moradores poderão ter sido apanhados de surpresa. No dia anterior, a polícia de Marabá comunicou à comunidade que os conflitos que se têm repetido não deveriam voltar a acontecer antes da decisão da justiça sobre a disputa pelos 17 quilómetros quadrados dentro da fazenda de 49 quilómetros quadrados da família Tinelli.

Este caso já se arrasta há décadas. A disputa estava para ser resolvida e as terras devolvidas [à comunidade]. Este não é o primeiro ataque, mas as pessoas receberam garantias de que não haveria mais violência”, conta Claudice Silva dos Santos, que lutou contra a extração ilegal de madeira com o seu irmão e a cunhada antes de estes serem mortos nesta zona em 2011.

Há mais de 10 anos, esses trabalhadores estão lá, resistindo pelos seus direitos à terra e... os fazendeiros simplesmente chegam aqui e querem matar todos”, acusou.

De acordo com Claudice Silva dos Santos, o ataque ocorreu após uma campanha de perseguição da parte de fazendeiros locais contra a comunidade de São Vinicius. “A polícia e as autoridades locais sabem das ameaças, mas não fizeram nada para proteger a comunidade”, acrescentou.

A semana passada, em Glasgow, mais de 120 países, que têm em conjunto mais de 90 por cento das florestas do mundo, prometeram conter a desflorestação e a degradação da terra até 2030.

Floresta fonte de conflitos

Os moradores da área em disputa aguardam uma decisão que declare o local formalmente como o acampamento da comunidade.

O Ministério Público Federal e a Comissão Pastoral da Terra notam que a área em que a fazenda está localizada pertence à União, sendo que, em 2002, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária publicou a portaria com a criação de um assentamento na área, local onde atualmente fica o Acampamento São Vinícius, mas que não foi destinado à reforma agrária. No entanto, não foi tomada qualquer outra medida prática.

"É uma área que está em situação de conflito há aproximadamente 10 anos. As famílias estão lá, é uma área pública federal e eles reivindicam a criação de um projeto de assentamento. Existe também uma ação de reintegração de posse na Vara Agrária de Marabá que não tem decisão definitiva, mas o juiz concedeu uma liminar de reintegração de posse, que é uma liminar bastante questionável porque se trata de uma área pública, mas ele reconheceu um chamado 'direito de detenção da área' para o fazendeiro. Assim, o fazendeiro faz uso da reintegração de posse para promover essas ações", explica Andreia Silvério, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra.

Além de ocupar uma terra da União, o que é crime previsto em lei, a fazenda Tinelli vendeu, também ilegalmente, 810 hectares da área,

A Comissão Pastoral da Terra e o Ministério Público Federal contestam a decisão liminar (urgente e provisória) favorável à fazenda Tinelli. Além disso, duas fiscalizações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária referiram que o fazendeiro utiliza a terra pública para especulação.

A coordenadora da Comissão Pastoral da Terra desmente ainda que o acampamento pertença ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). "O acampamento é acompanhado pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Nova Ipixuna. As informações que dizem que a área é do MST são enganosas", garantiu Andreia Silvério.

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