A eurodeputada Ana Gomes pediu esclarecimentos sobre o interrogatório feito em Portugal pela Procuradoria-Geral angolana a Adalberto Neto, proprietário da casa onde foram detidos os jovens acusados de golpe de Estado.
De acordo com o ativista angolano Rafael Marques, o vice-procurador-geral da República de Angola, Luciano Chackra, e "o indivíduo responsável pela detenção dos 15 jovens" acusados de tentativa de golpe de Estado vieram a Portugal interrogar o advogado Adalberto Neto, proprietário da casa onde foram efetuadas as detenções no mês de junho.
"Vieram interrogar porque foi em casa do Adalberto Neto que se realizaram esses encontros e no fim dos dois interrogatórios, na Culturgest, (Lisboa) pediram a Adalberto Neto para assinar o auto de interrogatório mas explicando-lhe que não lhe podiam dar uma cópia porque era ilegal a justiça angolana fazer interrogatórios a um cidadão nacional em território português", disse hoje Rafael Marques durante um colóquio sobre direitos humanos em Angola organizado pela Amnistia Internacional, em Lisboa.
Na sequência da revelação, a eurodeputada socialista Ana Gomes anunciou que já pediu esclarecimentos ao Governo de Lisboa enviando cartas à ministra da Justiça, Administração Interna e à procuradora-geral da República portuguesa:
"A perguntar se Portugal sabe do que se passa e, sabendo agora -- se não sabia antes -- de que forma agiu? Exigiu pedidos de desculpas? Vai atuar contra estes agentes do Estado angolano que obviamente violaram a soberania portuguesa? Vou ficar à espera da resposta. A carta só seguiu ontem", afirmou Ana Gomes durante o debate sobre direitos humanos em Angola que decorreu em Lisboa.
Os 15 jovens angolanos foram detidos em Luanda, acusados de tentativa de Golpe de Estado, estando há três meses presos sem culpa formada.
Para Ana Gomes, autora da resolução sobre abusos aos direitos humanos em Angola aprovada na semana passada - por maioria - no Parlamento Europeu e que visitou Luanda em julho disse também que é preciso investigar com "urgência" o massacre do Monte Sumi, no Huambo, em cujas responsabilidades têm de ser apuradas.
"O governo (de Angola) admitiu que houve 13 mortos civis (membros da seita religiosa liderada por Kalupeteka) e nove das forças policiais. Tenho os relatórios que o próprio governo me deu. Há relatos da igreja católica que diz que o número de mortos é da ordem das dezenas ou das centenas. Eu não sei se o número de mortos são 13, são 130 ou 1.300", acrescentou Ana Gomes.
"É preciso investigar e apurar quem foram os autores e não se podem encolher os ombros e deixar morrer as pessoas que nem uns cães", afirmou.
Por outro lado, Ana Gomes disse que há uma "interação em matéria de corrupção" entre Portugal e Angola.
"Eu não sou contra os negócios. Sou contra os negócios sujos. Sejam em Angola ou em Portugal e é exatamente contra esquemas corruptos que são danosos para o povo angolano, tal como são danosos para o povo português que nós temos de exigir transparência pelos direitos humanos", disse referindo-se, nomeadamente, ao caso do Banco Espírito Santo.
A eurodeputada disse que não aceita o investimento que resulta "da roubalheira do povo angolano" e que uma boa parte do buraco do BES é o buraco do BESA (Banco Espírito Santo de Angola).
"Há aquele senhor, Álvaro Sobrinho que diz que o dinheiro nunca saiu de cá para lá. De qualquer maneira foi roubado, e se não foi roubado cá foi roubado ao povo angolano. É preciso prestar contas mas ninguém fala da transparência do caso do BESA e sobretudo quando existe legislação europeia sobre branqueamento de capitais", disse Ana Gomes.
A conversa aberta sobre direitos humanos em Angola contou ainda com a presença do escritor José Eduardo Agualusa, uma iniciativa organizada pela Amnistia Internacional e encheu o auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.