Ano 2020 marcado por record de catástrofes naturais

por RTP
Mike Blake - Reuters

Ao longo de 2020, o mundo tem estado a enfrentar uma crise de saúde devido à pandemia da Covid-19 e uma crise económica global. Mas este ano fica na história como um ano sem precedentes também pela crise climática e as inúmeras catástrofes naturais que têm devastado o planeta nos últimos meses.

Desde uma pandemia, que para além de ter provocado milhões de infetados e mortos parou as sociedades e a economia, às catástrofes naturais, como incêndios florestais, o degelo do Ártico ou inundações, 2020 foi um ano marcado por perturbações no ciclo da natureza.

Para começar, as concentrações dos principais gases de efeito estufa continuaram a aumentar em 2020, segundo indica o relatório da Organização Meteorológica Mundial da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional. Além disso, a temperatura média deste ano é uma das três mais elevadas já registadas.

Enumeram-se algumas das consequências sentidas este ano, como as tempestades no Atlântico, os incêndios florestais que queimaram a maior área de sempre na Califórnia, as inundações que mataram milhares de pessoas na Ásia e em África e um Pólo Norte quente e a derreter. Foi um ano de catástrofes, como avança a Associated Press, potenciadas pelas alterações climáticas causadas, principalmente, pela queima de carvão, petróleo e gás natural.

Os Estados Unidos foram dos países mais afetados, tendo sido afetados pelos incêndios florestais no oeste, uma temporada de furacões com números recorde e um tufão a meio do verão.

Com 30 tempestades nomeadas, a temporada de furacões no Atlântico ultrapassou o recorde estabelecida em 2005, ficou sem nomes para as tempestades e teve de se inspirar no alfabeto grego, fazendo os meteorologistas reconsiderarem como vão nomear próximas tempestades.

Segundo a CBS, o Centro Nacional de Informações Ambientais (NCEI) confirma que os EUA foram afetados, até agora, por 16 catástrofes naturais e ambientais diferentes, provocando danos acima dos mil milhões de dólares - valor semelhante ao máximo atingido em 2011 e 2017. No entanto, os eventos climáticos só foram contabilizados até ao fim de setembro, podendo por isso os números divulgados em janeiro de 2021 ultrapassar qualquer recorde.

Entre incêndios e furacões, a Cruz Vermelha norte-americana acolheu em abrigos um recorde de 1,3 milhões de pessoas - quatro vezes mais do que a média anual da década anterior.

"Desde abril, sabemos que ocorre um grande desastre em alguma zona do país a cada cinco dias"
, disse à AP Trevor Riggen, vice-presidente da Cruz Vermelha. "Tem sido realmente um ritmo ininterrupto, e nem todos esses desastres foram noticiados".

Todas estas catástrofes nos EUA "contribuíram para criar um ano catastrófico", concluiu Adam Smith, especialista na área do clima da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional. "As alterações climáticas têm as impressões digitais em muitos desses diferentes e extremos desastres".
Alterações climáticas deixaram mais marcas do que pandemia

O relatório sobre o clima em 2020, revela que o nível do mar aumentou ao longo do ano "a uma taxa mais alta, em parte devido ao aumento do degelo na Gronelândia e na Antártida".

"No Ártico, a extensão mínima anual de gelo marinho foi a segunda mais baixa registada"
, lê-se no documento da Organização Meteorológica Mundial. Já "o manto de gelo da Gronelândia continuou a perder massa".

O aquecimento e o degelo das calotes polares aumentou o nível do mar, mas não foram o principal fator que potenciou as grandes inundações este ano, tendo ocorrido "chuvas fortes e inundações" em grandes áreas dos continentes africano e asiático.

"A natureza está a enviar-nos uma mensagem. É melhor ouvirmos"
, disse à AP o diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen.

"Onde quer que vamos, em qualquer continente, vemos a Natureza a atacar-nos. Foi o período de três anos mais quente que já vimos", continuou.

Em todo o mundo, registaram-se mais de 220 catástrofes associadas ao clima e às alterações climáticas, tendo afetado mais 70 milhões de pessoas e causado danos superiores a 69 mil milhões de dólares.

Mais de 7.500 pessoas morreram, de acordo com dados preliminares do banco de dados internacional de catástrofes mantido no Centro de Investigação sobre Epidemiologia de Desastres da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Destas ocorrências, incluindo terramotos, erupções vulcânicas e deslizamentos de terra, entre 85 a 90 por cento deveram-se a condições meteorológicas, segundo informou o diretor do instituto, Debarati Guha-Sapir.

Segundo este investigador, "as inundações em todo o mundo são o maior problema e é um grande erro subestimar" estes desastres que vitimaram milhares de pessoas este ano.

Mas a natureza manda-nos alertas contrastantes: se algumas regiões foram afetadas por inundações e chuvas fortes, outras foram atingidas por temperaturas extremas e secas severas.

A Sibéria, por exemplo, chegou a atingir os 38 graus Celsius este verão. E grande parte do Ártico teve temperaturas cinco graus acima da média, provocando até incêndios florestais.

Também a região árida do Vale da Morte, habitualmente das zonas mais quentes e secas do planeta, atingiu novos recordes: superou os 54,4 graus Celsius.

Os cientistas alertam que as catástrofes naturais têm aumentado no últimos anos e começam a tornar-se, cada vez mais, frequentes.
Acordo de Paris e Greve Climática

As consequências das alterações climáticas são cada vez mais visíveis mas, embora grande parte dos governos se tenha comprometido num esforço conjunto para manter a tempertura global abaixo dos dois graus Celsius, a verdade é que alguns países do G20 voltaram a investir na indústria de combustíveis fósseis para reavivar a economia.

O 'Emission Gap Report 2020', recentemente divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, conclui que as nações do G20, que respondem por 80 por cento das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), coletivamente não estão no caminho certo para cumprir os seus modestos compromissos do Acordo de Paris. Além disso, países como a Austrália, os EUA e o Canadá estão muito aquém das suas metas.

O Acordo de Paris, uma concertação global em torno do combate às alterações climáticas, faz cinco anos no sábado, 12 de dezembro, mas os compromissos insuficientes resultam na continuação do aumento do aquecimento global.

Apesar das manifestações de intenções, até agora as emissões de GEE têm aumentado todos os anos, fazendo também subir o aquecimento global.

No contexto dos cinco anos do acordo climático, a Greve Climática Estudantil organiza esta sexta-feira um novo protesto em Portugal, para alertar que o acordo é já "insuficiente", denunciando "inação, falsas promessas e vazios políticos" e admitindo "evoluir para ações mais fortes".

Muitas das notícias sobre as catástrofes naturais este ano passaram ao lado da maioria ou foram ofuscadas pela pandemia, pelas questões políticas, sociais e económicas que dominaram os media. Mas o ano 2020 mostrou ao ser humano quão vulnerável se pode tornar perante a crescente ferocidade dos desastres naturais, que se estima que vão continuar a aumentar neste planeta cada vez mais quente.
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