Ariane 5. O foguetão europeu de sucesso

Depois do sucessos da missão Rosetta, ou o do mais recente envio para órbita terrestre da sonda Éolo que vai estudar os ventos terrestres, a ESA – Agência Espacial Europeia prepara-se para escrever mais um momento histórico na indústria espacial. Previsto para esta terça-feira, o lançador Ariane 5 vai voar pela centésima vez rumo ao espaço.

Tirar os pés do chão, ascender às nuvens e alcançar as estrelas foi sempre uma ambição da humanidade. Mas a corrida espacial só começou verdadeiramente quando o Presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower, no dia 30 de julho de 1955, afirmou que iriam lançar satélites artificiais para o Ano Geofísico Internacional. Quatro dias após este anúncio os soviéticos entravam no jogo, anunciando também eles a intenção de lançar um satélite "num futuro próximo".


Nesta grelha de partida, a União Soviética ganhou dianteira com o lançamento, no dia 4 de outubro de 1957, de um satélite de nome Sputnik 1. Desde então e até aos dias de hoje, a órbita terreste e mais além recebeu milhares de satélites artificiais enviados por lançadores russos, americanos, chineses, indianos e europeus.

Uma corrida que no dia 7 de setembro, registará mais um marco na história dos lançamentos espaciais com o centésimo lançamento do foguetão Ariane 5 da Agência Espacial Europeia.

Projeto Ariane
O foguetão Ariane nasceu após o fracasso do modelo Europa (1966–1971). Este primeiro modelo europeu com parceria britânica, alemã e francesa ainda realizou sete lançamentos, mas apenas os dois primeiros tiveram êxito.

Com o terminus do programa Europa, o projeto Ariane foi apresentado pela França logo após o lançamento, sem êxito, do foguetão Europa 2, a 5 de novembro de 1971. O acordo final só foi obtido em 31 de julho de 1973 depois de delicadas discussões entre França, Alemanha e o Reino Unido. O projeto Ariane é a segunda tentativa da Europa ocidental no desenvolvimento de um veículo para enviar satélites para o espaço, em concorrência com os russos e americanos.

Com o nome de código L3S (lançador substituto de terceira geração), a ESA atribuiu à EADS Astrium, subsidiária da EADS, o desenvolvimento de todos os lançadores Ariane e das instalações de teste, enquanto a Arianespace, uma subsidiária do CNES criada em 1980, cuidava da produção, operação e marketing do projeto.

A Arianespace ficava ainda com responsabilidade de lançar os foguetões a partir do Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, onde a proximidade com a linha do equador dá uma vantagem significativa aos lançamentos.


Como surgiu o nome Ariane

O primeiro projeto do foguetão de transporte ficou conhecido como Lanceur à Trois Étages de Substitution (LIIIS). Mas o nome não foi consensual e em 1977, foi pedido aos delegados da ESA um novo nome.

Surgiram nomes como Edelweiss e William Tell devido ao facto de a reunião se ter realizado no dia nacional da Suíça (1 agosto). Surgiram também nomes inspirados na mitologia grega ou romana como Patience, Prometheus, Penelope, Phoenix e Ariane. A escolha final recaiu no nome francês Ariane, deusa grega que deu a Theseus o fio para ajudá-lo a sair do labirinto do Minotauro.

O primeiro Ariane
Só em dezembro 1979, e à terceira tentativa, é que o novo foguetão europeu sob a sigla Ariane conseguiu levantar voo.

Recuemos ao ano em que tudo começou: 1974, o trabalho no primeiro lançador contava já com a nova tecnologia de combinação de oxigénio líquido e hidrogénio líquido. O primeiro voo foi agendado para 15 de dezembro de 1979. Um dia de forte agitação, perante uma grande audiência, com enorme expectativa. A contagem regressiva começou e o motor principal do lançador acendeu e depois apagou-se.

Uma falha considerada de pouca gravidade visto não se ter registado nenhum estrago no foguetão. Nova remarcação, desta vez para 23 de dezembro, mas o mau tempo e alguns contratempos levaram a outro atraso.

Só à terceira tentativa, a 24 de dezembro, é que o novo foguetão europeu levantava do Porto Espacial Europeu em Kourou, na Guiana Francesa, em direção ao espaço. A aventura independente da Europa no espaço tinha começado.

Desde então, a família de foguetões Ariane cresceu prevendo-se para breve um novo membro da geração de lançadores: Ariane 6



O quinto da geração Ariane
Construído pela Airbus Defence and Space sob a supervisão da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Centre National d'Études Spatiales (CNES), o Ariane 5 é o quinto modelo da geração de foguetes europeus operados e comercializados pela Arianespace, a operar na base de Kourou, Guiana Francesa.

Na senda dos foguetões da família Ariane, o foguetão Ariane 5 é também este um lançador descartável designado a colocar satélites artificiais em órbitas geoestacionárias e a enviar cargas para órbitas de baixa altitude.

Colocado no mercado aeroespacial em 1996, o quinto modelo Ariane ainda esteve lado a lado com o seu antecessor Ariane 4 (1990-2003), modelo que foi descontinuado devido à introdução de novos satélites, mais poderosos e mais pesados.

Passados 22 anos a série cinco da família Ariane efetuou 95 missões com sucesso das 99 programadas. Mas o início da vida deste lançador não foi feliz.

4 de junho de 1996, Guiana Franscesa. O Ariane 5 apresentava-se pela primeira vez ao público. O super lançador europeu vinha desta forma concorrer com os mais diretos adversários russos (Soyus e Proton) e americanos (Space Shuttle e Delta II). A luz verde para o lançamento do voo espacial 88 foi dado pouco depois das 12h30 EST.

Tudo parecia estar a correr bem quando o novo Ariane, 37 segundos após a descolagem, a cerca de quatro quilómetros de altitude, se desintegrou e explodiu.

Reportagem RTP - 4 de junho de 1996

De acordo com as fontes oficiais, este acidente deveu-se à falha do sistema de referência inercial secundário, seguido imediatamente de falha do sistema de referência inercial em operação.

Como consequência, o foguetão guinou abruptamente causando a autodestruição do lançador, disparada corretamente como consequência da rutura das juntas entre os boosters sólidos e o primeiro estágio.

A origem da falha foi, dessa forma, rapidamente confinada ao sistema de controlo, mais especificamente, aos dois sistemas referenciais inerciais (SRI), que deixaram de funcionar quase em simultâneo, 36,7 segundos após a decolagem.

Um erro que serviu de aprendizagem. Passados 22 anos, a ESA - Agência Espacial Europeia - prepara-se agora para a marca histórica do super transportador espacial europeu. O centésimo lançamento.


Ariane 5 – O foguetão europeu de cargas elevadas
O Ariane 5 é modelável. Isto significa que este foguete adapta-se às necessidades de transporte.

Desde 1996, a configuração do quinto modelo Ariane integra várias versões:

• Ariane 5 G (genérico): Com uma massa de lançamento de 737 toneladas, a capacidade de carga útil desta versão à órbita de transferência geoestacionária (GTO) era de 6900 kg, para um único satélite, ou 6100 kg para lançamentos duplos. Este modelo voou 17 vezes com uma falha e duas falhas parciais.

• Ariane 5 G+: Esta versão é uma melhoria na segunda etapa EPS, com uma capacidade de GTO de 7100 kg (carga única útil), ou 6300 kg (carga dupla). Três voos em 2004, sem falhas.

• Ariane 5 GS: Esta versão é uma adaptação do modelo ECA introduzida após a falha do primeiro voo Ariane 5 ECA. Em 2002, todos os Ariane 5 em produção eram versões ECA. Devido à falha os núcleos ECA os foguetões foram modificados para usar os volumes originais do motor e do tanque Vulcain, e renomeados como Ariane 5 GS. O sistema GS utilizava boosters EAP aprimorados da variante ECA e EPS melhoradas da variante G +, mas o aumento da massa do núcleo ECA modificado em relação ao núcleo G+ e G resultaram numa rápida redução de capacidade de carga útil. O Ariane 5 GS podia carregar uma única carga de 6600 kg, ou uma dupla carga até 5800 kg GTO. O Ariane 5 GS voou seis vezes entre 2005 e 2009, sem falhas.

• O Ariane 5 ECA (Evolution Cryotechnique type A): voou pela primeira vez em 2005. Equipado com um motor Vulcain 2 no primeiro estágio, e com um bico mais longo, mais eficiente e uma melhor relação em massa de propelente, esta nova versão exigiu modificações no comprimento dos tanques de primeiro estágio. O segundo estágio EPS foi substituído pelo ESC-A (Etage Supérieur cryogénique-A), com um peso seco de 2100 kg, alimentado por um motor HM-7B capaz de queimar 14 toneladas de propelente criogénico. O ESC-A usa um tanque de oxigénio líquido com a mesma estrutura reduzida do H10, terceiro estágio do Ariane 4, acoplado a um novo tanque de hidrogênio líquido. O Ariane 5 ECA tem uma capacidade de lançamento GTO de 9100 kg, para cargas duplas ou 9600 kg para cargas simples.

• Ariane 5 ES (Evolution Storable): com uma capacidade de lançamento até 21 toneladas, esta versão inclui as melhorias do núcleo ECA, bem como dos ‘boosters’, mas substitui o segundo-estágio ESC-A pelos EPS reinicializáveis utilizados pela Ariane 5 de variante GS. Esta versão foi usada para colocar em órbita o Veículo de Transferência Automatizado (ATV) numa órbita circular a 260km de altitude, e será também esta versão que vai lançar quatro satélites de navegação Galileo (GPS) de uma só vez diretamente em sua órbita operacional.

• Ariane 5 ME (Mid-life Evolution): esta versão esteve em desenvolvimento até o fim de 2014, mas dezembro de 2014, o concelho da ESA decidiu cortar o financiamentos para esta plataforma, em detrimento do desenvolvimento do novo foguete Ariane 6, previsto para 2021/22.



Desde o início do programa Ariane 5, o transportador espacial já transportou para órbita terrestre 191 satélites com sucesso.

O foguetão da ESA com capacidade de transporte até três satélites em cada voo (modulo Sylda), tem ainda a possibilidade de recurso de transporte até oito sondas espaciais, de pequenas dimensões, que podem ser lançadas caso seja utilizada a plataforma ASAP (Ariane Structure for Auxiliary Payloads).

O Ariane 5 realizou o seu primeiro lançamento com sucesso em Dezembro de 1999, quando lançou o MaqSat3 (Satélite teste) e o ARD (comunicações) numa órbita estável. Desde que se tornou operacional, o Ariane 5 foi usado para lançar satélites para comunicações, observação da Terra e pesquisa científica.

À semelhança do que atualmente se passa com o Ariane 6, a ESA teve de criar uma infraestrutura de lançamento no Porto Espacial Europeu em Kourou, para o Ariane 5.

Quanto a custos, cada lançamento do Ariane 5 varia entre os 141 milhões de euros e os 189 milhões de euros.

O que leva o Ariane 5 no centésimo lançamento

O programado inicialmente para dia 7 de setembro, e reagendado para 25 do mesmo mês, o voo 100 do Ariane 5 ECA, tem como missão a colocação em órbita dos satélites Horizons 3e, Azerspace 2 / Intelsat 38.

O Azerspace 2 / Intelsat 38 irá partilhar uma viagem com a Horizons 3e, um novo satélite da Intelsat e da joint-venture Horizons Satellite da Sky Perfect JSAT.

Construído pela SSL, o satélite Azerspace 2 / Intelsat 38 é o segundo satélite da órbita geoestacionária do Azerbaijão (GEO) e será colocado em órbita a 45 graus leste para fornecer cobertura sobre a Europa, Ásia Central e do Sul, Oriente Médio e África.

Já o Horizons-3e, construído pela Boeing, é o sexto satélite do serviço Intelsat Epic NG. Uma vez lançado, ele fornecerá cobertura sobre a região do oceano Pacífico a partir do orbital de 169 graus leste. Horizons-3e é equipado com uma carga mista de banda C e Ku, fornecendo serviços de High-Throughput Satellite (HTS) via pequenos spotbeams.


Cargas mais relevantes transportadas pelo Ariane 5

Entre as várias cargas já transportadas pelo Ariane 5 destacam-se os lançamentos da sondas XMM-Newton (dezembro 1999), sonda espacial Rosetta (2 março 2004); Herschel Space Observatory (14 maio de 2009), satélites da constelação Galileo (2016), entre as várias dezenhas de satélites de comunicação.

Participação portuguesa no modelo Ariane 5
Na construção e sucesso do lançador europeu estão países como Alemanha, Áustria, Bélgica Dinamarca, Espanha, França, Luxemburgo, Itália, Irlanda, Noruega, Suécia e Suíça.

Já a participação portuguesa se resume à presença de uma equipa permanente do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ), no centro Espacial Europeu da Guiana Francesa, que desenvolveu procedimentos para os sistemas de lançamento da Ariane 5, Soyus e Vega.

Segundo Paulo Chaves, responsável no ISQ, "os especialistas em engenharia espacial de diferentes países estão em Kourou durante períodos médios de três a seis meses, porque as condições meteorológicas são difíceis de suportar naquela zona equatorial, mas os portugueses têm uma melhor capacidade de adaptação àquele tipo de clima e são provavelmente o grupo de engenheiros que tem tido uma permanência mais prolongada no centro espacial”, refere.

Atualmente esta equipa especializada, de 30 engenheiros nacionais, participa nos ensaios de um escudo térmico de um novo veículo espacial da ESA. Um projeto em que o ISQ tem dedicado cerca de 15 mil horas e mais de dois milhões de euros investidos.

Mas não é só o ISQ  colaborar dentro desta área aeroespacial evolvida em projetos como o Ariane da ESA. A Edisoft, empresa portuguesa que desenvolve e integra sistemas críticos para os sectores Aeroespacial e da Defesa, é a responsavel pelo rastreio e seguimento dos lançadores da ESA quando estes tem uma rota polar. Um trabalho coordenado por Ricardo Condes feito a partir da base de Santa Maria, nos Açores.

Saiba mais sobre a participação portuguesa neste projeto na reportagem "Portugueses na rota do projeto Ariane".

Ariane 6 e Vega: a próxima geração de lançadores europeus
Apesar do sucesso e da funcionalidade do Ariane 5, a Agência Espacial Europeia tem já em funcionamento um novo lançador (Veja) e está já a trabalhar num novo membro da família Ariane (6), previsto para 2021/22.