As "paisagens florescentes" de Kohl na antiga RDA

por Texto: António Louçã. Imagem: Carlos Oliveira. Edição: Nuno Patrício, Pedro Pina
Christian Charisius, Reuters

O falecido Helmut Kohl, cognominado "chanceler da unificação", prometeu em tempos "paisagens florescentes" no leste alemão. Num momento de boom económico, não faltam pequenos empresários tentados a acreditar nessa promessa. Mas o volume de emprego criado pelas novas empresas não preencheu o vazio deixado pelas antigas.

Ao anunciar a unificação monetária, num discurso televisionado de 1 de Julho de 1990, Helmut Kohl lançou a flamante promessa: "Com o nosso  esforço comum, havemos de conseguir muito em breve transformar novamente [os Länder da antiga RDA] Mecklenburg-Vorpommern e Sachsen-Anhalt, Brandenburg, Sachsen e Thüringen em paisagens florescentes, em que valha a pena viver e trabalhar".

Nos anos seguintes, foram encerradas empresas estatais de milhares de trabalhadores. Deu-se uma massiva desindustrialização no território da antigo RDA, que em parte foi acompanhada por uma desertificação de algumas das suas regiões. Os críticos mais severos da política de Helmut Kohl não perderam a ocasião para sublinhar que, em vez de "paisagens florescentes", a antiga RDA estava a tornar-se na "Sicília da Alemanha".

Pequenas empresas que nasceram sobre as ruínas dos grandes conglomerados da RDA lutaram durante algum tempo para sobreviver. As que sobreviveram para contar a história declaram a sua confiança no futuro - como seria expectável. 

Thomas Diestel conta como iniciou a sua carreira nos estaleiros Warnow, em Warnemünde, nas margens do Báltico, e, depois da unificação alemã, perante o descalabro da indústria naval leste-alemã, criou a sua própria empresa.

Passou, como recorda, das instalações de frio em navios para instalações em terra firme. Diestel também conta a história da sua empresa com números: desde as pequenas encomendas dos primeiros tempos às instalações no valor de milhões de euros que hoje lhe são confiadas - terra firme em que assentam os seus negócios actuais.

Comparativamente, a "Dr. Diestel GmbH" é das pequenas empresas mais bem sucedidas em termos de criação de emprego, com a sua mais de uma centena de assalariados actuais.

Ronald Klinger estudou e trabalhou na RDA. Sentia-se bem na RDA, mas foi apanhado pela onda de manifestações que levaram à queda do Muro. E, apesar de tudo, decidiu manifestar-se também.

Klinger começou depois a sua carreira profissional propriamente dita numa grande empresa da Alemanha já unificada - a Deutsche Telekom. Não saíu da empresa por uma crise histórica comparável à dos estaleiros Warnow, e sim pela encruzilhada das suas próprias decisões pessoais. Seguiu-se-lhe o estabelecimento por conta própria, ainda no ramo das telecomunicações. Um dos produtos que vendia, inicialmente com muita facilidade, eram os telemóveis.

A história de Klinger e da sua pequena empresa é uma de altos e baixos, de travessia do deserto, finalmente com alguma luz no horizonte. No momento de ser entrevistado pela RTP, ele manifesta confiança no futuro mais imediato até porque, diz, os consumidores entretanto se habituaram à ideia de que é preciso pagar para ter um telemóvel.

Siegfried Wittenburg adaptou-se aos primeiros tempos da unificação alemã trabalhando para uma multinacional, a Cannon, como vendedor. E também ele recorda uma carreira prometedora, mas frustrante para alguém que tinha descoberto ainda na RDA uma vocação de fotógrafo. Wittenburg ganhara um nome a imortalizar algumas imagens das manifestações prévias à queda do Muro e queria voltar ao trabalho de fotógrafo.

Decidiu portanto abrir em Warnemünde, próximo de Rostock, um estabelecimento nesse ramo e inicialmente teve sucesso. Mas o colapso da economia leste-alemã, nos anos consecutivos à unificação, destruiu o mercado para o qual trabalhava. E também ele teve de realizar uma travessia do deserto, para agora voltar a encarar o futuro com algum optimismo.

Como nativo de Warnemünde e fotógrafo, Wittenburg é uma fonte inesgotável para a arqueologia industrial e um repositório vivo de histórias locais. Uma das que conta é a dos estaleiros navais Warnow, onde o seu pai trabalhou e onde Diestel começou a sua carreira profissional. Criados em 1947, os estaleiros eram o centro da vida da cidade e da região.

Nos tempos da RDA, os estaleiros ocupavam cerca de 6.000 trabalhadores. Com a crise decorrente da unificação alemã, mudaram de mãos três vezes e encontram-se agora reduzidos a menos de um décimo dos trabalhadores que tinham, com uma perspectiva incerta até para esses poucos que ficaram.

Uma outra história que conta Wittenburg é a da empresa Shandy, criada na RDA para fabricar jeans com matéria-prima fornecida, segundo recorda, pela Levis. As calças de ganga eram costuradas por 1.200 mulheres e depois exportadas para o ocidente. A exportação destinava-se a obter divisas, de que havia grande penúria na RDA - tão grande ou maior do que a ansiosa procura de jeans que sempre se fazia sentir no mercado negro em todos os países do Leste europeu.

Hoje, as instalações da antiga fábrica de jeans foram ocupadas pela sucursal de uma firma alemã ocidental, Lippold, que vende acessórios para oficinas. As 25 pessoas que agora emprega são apenas uma ínfima amostra das 1.200 do tempo da fabricação de jeans.

Pequenas e grandes empresas têm-se implantado, com graus de sucesso desiguais, no território da antiga RDA. Para além da gama de destinos variada, e dos êxitos e fracassos económicos conforme os casos, o denominador comum é a drástica redução do volume de emprego. Com as unidades de medida da economia, algumas paisagens são "florescentes", como prometeu Helmut Kohl. Com os padrões sociais, são muito mais frequentes as paisagens áridas e desoladas.
pub