Bielorrússia. Regime perde apoios em todo o país apesar de recuo

por Graça Andrade Ramos - RTP
Milhares de manifestantes enfrentam a tropa de choque bielorrussa junto ao Ministério da Administração Interna em Minsk, no sexto dia de protestos contra os resultados eleitorais de domingo 09 de agosto e contra o regime do Presidente Alexander Lukachenko Reuters

Ao sexto dia de protestos, milhares de funcionários estatais e das principais indústrias e empresas bielorrussas abandonaram os postos de trabalho e saíram à rua em todo o país, em marchas contra a repressão do regime do Presidente Alexander Lukachenko e os resultados oficiais das eleições de domingo passado.

Nas últimas horas, as redes sociais encheram-se de curtos vídeos, mostrando marchas e manifestações daqueles que, até há poucos dias, eram considerados os maiores apoiantes do poder: os funcionários públicos.



Desde trabalhadores do Metro de Minsk, a capital da Bielorrússia, das todo-poderosas indústrias estatais, como a Minsk Tractor Works, MTW, e a Grodno Azot, ou das empresas de IT do Parque Tecnológico da Bielorrússia, o Silicon Valley do país e joia da coroa de Lukachenko, as ruas em todo o pais encheram-se de manifestantes que se saudavam uns aos outros.

"Há gente por todo o lado, literalmente", rejubilava uma dos autoras das publicações.


A última vez que os trabalhadores das indústrias marcharam nas ruas da Bielorrússia, então contra o Governo apoiado pelo regime soviético, foi em 1990.
Escudos em baixo
Em Minsk, a Avenida da Liberdade encheu-se a abarrotar de pessoas de flores na mão a exigir "mudanças", nome da música que foi um hino da Perestroika e que a oposição bielorrussa recuperou.




E nem vislumbre de uniformes policiais ou militares, excepto junto a edifícios públicos, cercados por veículos militares e tropas de choque chamados a intervir, ao fim da tarde.


Mas, junto ao Ministério da Administração Interna, os agentes que formavam um cordão protetor, baixaram os escudos. Os manifestantes correram a abraca-los.


A leitura quase unânime é que, desta vez, o ambiente dos protestos é diferente do de anos anteriores. Os bielorrussos das mais diversas proveniências uniram-se, determinados, contra o regime.
Regime recua
A balança pende agora para a oposição a Lukachenko. O impulso fulcral terá sido o extremo grau de violência usada pelas forças de segurança para reprimir as manifestações, patente em vídeos, imagens e testemunhos, numa profusão impossível de controlar ou de desvalorizar.


O regime percebeu demasiado tarde que tinha de arrepiar caminho, depois dos trabalhadores das indústrias começarem a falar em greve e se multiplicarem os vídeos de membros das forças policiais a renunciarem aos uniformes, atirando-os ao lixo ou queimando-os. E depois de jornalistas populares da televisão estatal começarem a demitir-se.

Na noite de quinta-feira retirou a maioria das forças de segurança das ruas e, esta sexta-feira, anunciou como uma benesse a libertação de duas mil pessoas detidas nos últimos dias. A presidente da Câmara Alta do Parlamento, Natalya Kocha Nova, referiu mesmo que este foi um sinal de boa vontade do Presidente Lukachenko.

O ministro da Administração Interna, Yuri Karayev, veio oferecer o corpo às balas e assumir responsabilidade pelos excessos cometidos, pedindo desculpa a "quem foi espancado de forma aleatória" por não ter conseguido "fugir a tempo", enquanto culpava os bielorrussos por terem violado em massa a ordem pública, provocando a repressão.
O comportamento civilizado dos manifestantes evidenciou ainda mais a violência policial. Nas primeiras noites de protestos, as cargas policiais foram enfrentadas de mãos nuas, mas não houve notícia de motins.

Desde o início que surgiram flores nas barricadas dos manifestantes e nas grades colocadas pelas forças de segurança. Quarta e quinta-feira, milhares de pessoas, sobretudo mulheres, formaram filas ao longo das estradas e das ruas, de mãos dadas segurando flores, que ofereciam aos polícias e militares que passavam. E muitos destes aceitavam.

A cantar, a marchar pacificamente, a colocar sacos de lixo pendurados nas árvores para evitar sujar as ruas, ou a marcar presença no protesto mesmo a jogar xadrez para passar as horas. Os bielorrussos em massa recusaram o confronto violento. Como reparou uma testemunha, tiravam mesmo os sapatos quando subiam para os bancos públicos.


Estudantes em várias escolas e universidades penduraram nas grades dos estabelecimentos de ensino os seus diplomas e exames, denunciando professores que, dizem, foram cúmplices na contagem de votos fraudelenta a favor do regime.


À margem de um protesto dos membros da Filarmonia bielorrussa, que pelo segundo dia consecutivo se reuniram para cantar contra a violência, uma mulher segurava um cartaz com a frase "sou professora e quero voltar a ter orgulho disso".

Sanções de Bruxelas 

Algumas vozes tentaram agitar a velha bandeira das ameaças de uma invasão militar russa, em caso de queda de Lukachenko.

Eventualidade pouco provável, pelo menos no imediato, quando os olhos de Washington, de Bruxelas e da ONU se viraram para Minsk e contra o Presidente.

Esta sexta-feira, reunidos de emergência em video-conferência para avaliar a situação na Bielorrússia, os 27 ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia decidiram unanimemente mandatar a diplomacia europeia com a missão de elaborar uma lista de nomes bielorrusos a sancionar.

Alguns diplomatas admitem que a aplicação destas sanções poderá ser decidida em poucas semanas - o que é considerado rápido. Num sinal inequívoco, o representante da UE no país e os embaixadores dos principais países europeus em Minsk, participaram numa homenagem a um dos dois mortos contabilizados oficialmente nas manifestações.

Polónia, Estónia, Letónia e Lituânia, assim como a Dinamarca, em carta aberta apelaram a "medidas restritivas" contra os responsáveis pelos resultados oficiais das eleições de domingo e pelo espancamento de manifestantes por parte das forças de segurança, que detiveram em cinco dias 6700 pessoas.

"Precisaríamos de encontrar um equilíbrio entre pressão contra e compromissos com o Presidente da Bielorrússia Lukachenko. Acreditamos que a UE deveria assumir o papel de mediador o mais depressa possível", referem os signatários.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tweetou "necessitamos de sanções adicionais contra aqueles que violaram os valores democráticos ou abusaram direitos humanos na Bielorrússia", acrescentando confiar no apoio dos paises europeu aos "direitos do povo na Bielorrússia a liberdades fundamentais e à democracia".

Pressão sobre Lukachenko
A líder da oposição e candidata presidencial Svetlana Tsikhanouskaya, num vídeo gravado na Lituânia, onde se refugiou terça-feira, apelou à continuação dos protestos e da pressão sobre Lukachenko, durante o fim de semana, exigindo ainda a recontagem dos votos das eleições presidenciais de domingo, 09 de agosto e uma investigação à alegada fraude eleitoral do regime

A contagem oficial deu a Alexander Lukachenko 80 por cento da votação e a Tsikhanouskaya cerca de dez por cento.

"Os bielorrussos nunca mais quererão viver com as velhas autoridades", afirmou a candidata, que muitos acreditam ter vencido as eleições com pelo menos 70 por cento dos votos, contra 13 por cento de Lukachenko. "Vamos defender a nossa escolha. Não fiquem à margem. Temos de fazer ouvir as nossas vozes!", acrescentou.

Esta é a maior batalha de Lukachenko em 26 anos de poder. Aos 65 anos, este antigo gerente agrícola dos tempos soviéticos, enfrenta a contestação acumulada de uma economia lenta, liberdades civis amordaçadas e uma fraca resposta à pandemia - que o Presidente considerou uma "psicose".

Para calar rumores quanto ao seu paradeiro, Alexander Lukachenko deixou-se filmar pela televisão estatal durante uma reunião. "Ainda estou vivo e não no estrangeiro", afirmou.

A questão é, agora, saber por quanto mais tempo.
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