Bolsonaro toma posse. O início de uma nova era política no Brasil

O grande colosso da América Latina, o país com o maior número de falantes de língua portuguesa, começa 2019 com uma nova liderança. Jair Bolsonaro, de 63 anos, capitão do exército na reserva e deputado federal durante 27 anos, toma posse esta terça-feira como 38.º Presidente do Brasil. Polémico, fraturante e sempre controverso, o novo chefe de Governo irá governar, sem uma maioria no Congresso, um país dividido onde a insegurança e as dificuldades económicas imperam. A cerimónia de tomada de posse decorre hoje sob fortes medidas de segurança e com a presença de várias personalidades, incluindo o Presidente português Marcelo Rebelo de Sousa.

Na Esplanada dos Ministérios, situada no Eixo Monumental, centro nevrálgico de Brasília onde irá decorrer a tomada de posse de Jair Bolsonaro, as medidas de segurança assumem contornos inéditos. Os primeiros ensaios da cerimónia decorridos na semana passada e as várias interdições que começaram no último sábado pretendem assegurar que tudo irá correr como previsto.

Segundo o portal de notícias da Globo, G1, este é o maior esquema de segurança montado para um evento deste tipo naquela cidade. A secretaria de Segurança Pública do distrito federal adianta que estão destacados mais de 3,2 mil polícias militares, civis, federais, bombeiros, e ainda membros do Exército, Marinha e Força Aérea.

De acordo com o gabinete de Segurança Institucional, ligado à defesa da Presidência do Brasil, cerca de 500 mil pessoas vão participar na tomada de posse. Ao redor da avenida por onde Bolsonaro vai passar será colocado arame farpado, de forma a impedir a livre circulação do público durante a cerimónia.

Os próprios jornalistas nacionais e estrangeiros acreditados para a cerimónia terão circulação restrita. Repórteres, equipas de filmagem e fotógrafos estarão limitados a um único local de cobertura de todo o percurso que será feito por Jair Bolsonaro durante a tomada de posse.

O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal já veio criticar as medidas impostas ao setor da comunicação social e pede "o direito ao livre exercício da imprensa e a segurança dos jornalistas e radialistas envolvidos na cobertura".

De resto, quem quiser marcar presença junto do público será revistado e não poderá transportar mochilas, bolsas, carrinhos de bebé ou guarda-chuvas. Drones, armas de fogo, objetos cortantes, produtos inflamáveis, máscaras, fogo-de-artifício, bebidas alcoólicas e animais são mais algumas das proibições naquele recinto.

Mesmo com todas estas preocupações, ainda não se sabe se Jair Bolsonaro fará ou não parte do percurso no tradicional Rolls-Royce e em que condições, uma vez que é hábito para o Presidente brasileiro empossado desfilar num carro aberto, a partir do qual acena ao público. Há a possibilidade de Bolsonaro fazer este caminho num carro blindado.

Cerimónia em vários atos

A cerimónia terá início às 14h30 locais (16h30 em Lisboa) junto à Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Aparecida, de onde deverão partir Jair Bolsonaro e o vice-presidente eleito, Hamilton Mourão. Ambos são recebidos, de seguida, às 15h00 locais, no Congresso Nacional, peloos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, respetivamente Rodrigo Maia e Eunício Oliveira.

É a este último que caberá declarar a posse do novo Presidente brasileiro. A partir deste momento, Jair Bolsonaro fará o primeiro discurso como chefe de Estado perante os parlamentares. Já se sabe que nem o Partido dos Trabalhadores nem o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) vão marcar presença nesta cerimónia.


Já como Presidente, Bolsonaro segue para o Palácio do Planalto onde será recebido por Michel Temer. É nesta altura que o antecessor entrega a faixa presidencial ao novo Presidente, que fará um segundo discurso à nação depois de mais um momento simbólico. 

No Palácio do Planalto, os restantes membros do Governo escolhidos por Jair Bolsonaro também tomam posse neste momento. O cortejo termina com um jantar no Palácio do Itamaraty, sede do Ministério brasileiro das Relações Exteriores, onde estarão altas figuras internacionais e da política brasileira.
Quem são os convidados?

Até ao momento, Brasília confirma a presença de vários chefes de Estados internacionais, a grande maioria vinda da América Latina, incluindo os presidentes da Bolívia, Paraguai, Colômbia, Chile, Uruguai, Peru e Honduras. A Argentina marca presença na cerimónia com o ministro dos Negócios Estrangeiros.Marcelo Rebelo de Sousa reúne-se com Jair Bolsonaro na quarta-feira em Brasília. O encontro entre os dois chefes de Estado acontece logo no dia seguinte à tomada de posse, às 10h45 locais (12h45 em Lisboa).

Para além dos Estados mais próximos ao nível regional, vão também estar presentes o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em representação do Estado português, Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde e presidente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e ainda o secretário-executivo da mesma organização, Francisco Ribeiro Teles.

A representar a diplomacia norte-americana estará presente o secretário de Estado Mike Pompeo. Por sua vez, a China envia a esta cerimónia o vice-presidente do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, braço direito de Xi Jinping.

Outras presenças assinaláveis incluem o Presidente da Hungia, Viktor Órban, e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Também a Itália vai estar na cerimónia, representada pelo ministro das Políticas Agrícolas, Gian Marco Centinaio, membro do Governo que integra o partido ultranacionalista Liga.
Segurança reforçada
Para assegurar a proteção das várias personalidades, incluindo do próprio Presidente brasileiro, o atual Chefe de Estado, Michel Temer, deu autorização para o abate de aeronaves que violem o espaço aéreo de Brasília durante a tomada de posse.

O decreto publicado na última sexta-feira prevê que esta medida dure durante 24 horas e garante que a solução só será aplicada como último recurso e caso um aparelho considerado suspeito e que viole os regulamentos.  

O recinto onde decorre a cerimónia estará protegido por dois misseis antiaéreos. Todos os aviões estarão proibidos de voar num raio de 7,4 quilómetros.  



Certo é que as preocupações acrescidas com a segurança desta cerimónia não serão alheias a todas estas presenças internacionais, nem à história recente deste candidato eleito Presidente, nem ao ambiente de enorme crispação e divisão que se extremou no país nos últimos meses. Com um reforço policial sem precedentes, as autoridades brasileiras querem evitar que Jair Bolsonaro sofra um segundo atentado.   

Ataque em setembro foi “oportunidade”

A 28 de outubro de 2018, no discurso de vitória na segunda volta das eleições presidenciais, Jair Bolsonaro mencionou o “momento mais difícil da caminhada eleitoral” em que afirma ter ganho “uma nova certidão de nascimento”. O candidato do PSL (Partido Social Liberal) referia-se em concreto ao ataque de que foi alvo em Juiz de Fora, situado no Estado de Minas Gerais, a 6 de setembro de 2018, numa fase inicial da campanha eleitoral, quando foi esfaqueado durante uma ação de campanha.   

Na disputa com o candidato do PT, Fernando Haddad, Jair Bolsonaro arrecadou uma vitória com mais de 55 por cento dos votos, conquista que o leva esta terça-feira, no primeiro dia de 2019, a assumir a presidência do Brasil para os próximos quatro anos.   
“A facada, do ponto de vista meramente estratégico, deu uma oportunidade para o candidato ficar recluso, como é de se esperar de qualquer pessoa que sofre um atentado como esse. Ao ficar no seu ambiente particular, ele pôde controlar quando e de que forma falaria, por que veiculo falaria, algo que é novo no cenário brasileiro, que é uma seleção de veículos de comunicação através dos quais ele se manifestaria”, destacou o cientista político Michel Freitas, em entrevista ao correspondente da RTP no Brasil, Luís Baila.  

Na visão do especialista, o ataque de setembro que quase tirou a vida ao então candidato presidencial, foi decisivo para a vitória nas urnas, até porque Jair Bolsonaro saiu do hospital ao fim de três semanas de internamento e de duas cirurgias, mas viria a passar o mês seguinte em repouso sem qualquer participação em debates presidenciais.  

Com efeito, a comunicação eleitoral foi pensada de forma primordial para as redes sociais, onde o candidato soube dominar, quer pela crítica cerrada a Fernando Haddad - o ‘plano B’ do Partido dos Trabalhadores após a prisão do ex-Presidente Lula da Silva - quer pela disseminação de notícias falsas pelo WhatsApp, como alertou na altura uma investigação do diário Folha de São Paulo.  
Jair Bolsonaro foi escolhido como figura internacional do ano de 2018 para a redação da RTP.  

“Jair Bolsonaro é o primeiro Presidente eleito com uma base forte na internet. (…) As fake news circularam em volume e números assustadores no Brasil. Tiveram um potencial de convencer ou reforçar certos pontos de vista de muitos eleitores”, assinala Michel Freitas, da Universidade de Brasília.  
Quo vadis, Brasil? 

“Faço de vocês minhas testemunhas de que esse Governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa não de um partido, não é a palavra de homem, é um juramento a Deus. A verdade vai liberar esse grande país e vai nos transformar em uma grande nação. A verdade foi o farol que nos guiou até aqui e vai seguir iluminando nosso caminho”.

A frase é de Jair Bolsonaro, também proferida na noite da vitória. O Presidente eleito estaria à procura de acalmar os ânimos de todos os que não o escolheram, mas também das várias nações do mundo que olham com atenção para o percurso de um dos maiores países a nível global.  

O novo Presidente brasileiro não é, de todo, um estranho para a opinião pública brasileira. É um capitão do exército na reserva e foi deputado federal durante 27 anos. Há muito que faz parte da vida política e soube destacar-se quase sempre por via de afirmações polémicas.  

Há menos de três anos, o mesmo Jair Bolsonaro participava em abril de 2016 no afastamento da então Presidente brasileira, Dilma Rousseff. No momento de justificar o seu voto perante a Câmara dos Deputados, o Presidente eleito prestou homenagem ao coronel Brilhante Ustra, o primeiro militar a ser reconhecido pela justiça brasileira como torturador durante a ditadura.   

Em entrevista à RTP há precisamente um ano, quando ocupava o segundo lugar das sondagens – atrás de Lula da Silva - Bolsonaro negava as linhas com que se escreve a história brasileira do século XX. “Não houve ditadura militar aqui. (…) O Brasil cresceu assustadoramente, você tinha segurança. A família era respeitada”, assinalava.  

Acusado de defender visões xenófobas, homofóbicas, machistas e de louvar as principais figuras da ditadura militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985, Jair Bolsonaro poderia ser incluído na onda populista de extrema-direita que tem assolado vários países dentro e fora da América Latina nos últimos anos.

O investigador Omar G. Encarnación, da Universidade de Bard, em Nova Iorque, olhava em abril para este fenómeno crescente como uma “Trumpificação” daquela região do globo, citando os casos de vários países.   

De facto, é difícil não estabelecer alguns pontos de contacto entre os dois líderes. Destaque, por exemplo, para a aversão aos imigrantes que é partilhada por Trump e Bolsonaro ou mesmo pelos meios de comunicação escolhidos.  

No último sábado, por exemplo, o Presidente eleito do Brasil anunciava, através do Twitter, que pretende garantir a posse de arma aos cidadãos sem antecedentes criminais. Esta será a primeira medida para fazer face aos problemas de insegurança e fortes índices de criminalidade no país.   
 
"Temos que abandonar o politicamente correto de achar que com todo mundo desarmado o Brasil vai ser melhor. Não vai ser melhor (...) A arma de fogo, mais do que garantir a vida de uma pessoa, garante a liberdade de um povo”, defendeu o Presidente eleito na primeira entrevista após a segunda volta das eleições, concedida às cinco principais televisões do país. 

Segundo a Folha de São Paulo, o futuro ministro da Justiça do Governo de Bolsonaro, Sérgio Moro, pretende ver esta medida implementada nos primeiros 100 dias da nova Presidência brasileira.  
#FicaTemer e a montanha russa de 2018

Um dos efeitos inesperados da eleição de Jair Bolsonaro foi a diminuição súbita das taxas de rejeição do atual Presidente brasileiro. Segundo uma pesquisa divulgada pelo Datafolha na semana passada, a taxa de reprovação desceu de 82 por cento em junho para 62 por cento, em dezembro.  


No Twitter, a hashtag #FicaTemer foi um dos assuntos mais comentados nos últimos dias. Temer, que é até hoje o Presidente brasileiro mais impopular da história desde o fim da ditadura militar, apresenta-se a alguns brasileiros como um mal menor, mesmo que se tenha em conta a forma atribulada como chegou ao poder e os vários processos de que será alvo assim que abandone o poder.  
Sérgio Moro, juiz que ditou a prisão do ex-Presidente Lula da Silva no ano de 2018, entra na política no próximo ano, após ter aceitado o lugar de ministro da Justiça no executivo de Jair Bolsonaro  

De recordar que Michel Temer, vice-presidente eleito em 2014, chegou à cadeira principal do Palácio do Planalto em agosto de 2016, após o processo de destituição de Dilma Rousseff, no âmbito de um processo em que a Presidente foi acusada de promover “pedaladas fiscais”.  

Os últimos anos da política brasileira têm sido tudo menos pacíficos. Para isso contribuiu não só o afastamento da Presidente, mas também a prisão de Lula da Silva, consumada em abril de 2018. Desde então que o antigo chefe de Estado do Brasil (entre 2003 e 2011) está preso em Curitiba.

O mandado de detenção de Lula da Silva foi emitido por Sérgio Moro, o juiz responsável pelo processo Operação Lava Jato em primeira instância, que agora chega a ministro da Justiça no Governo de Bolsonaro.  Lula foi condenado no chamado caso do Triplex de Guarajá por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.


Foi neste contexto altamente polarizado que decorreu toda a campanha eleitoral de 2018. Só na reta final é que o Partido dos Trabalhadores escolheu um substituto de Lula da Silva. Mas Fernando Haddad não conseguiu conter o movimento de ascensão de Bolsonaro.
22 ministros e um Congresso fragmentado

O movimento #EleNão deu lugar ao #EleSim. O candidato de todas as polémicas põe fim a quase duas décadas de poder do PT. Com ele chegam esta terça-feira ao poder 22 novos ministros que vão fazer parte da equipa do Governo.  

Para além de Sérgio Moro, destaque para outros nomes como Paulo Guedes, que vai ficar com a pasta da Economia. Na Esplanada dos Ministérios ficará também Tereza Cristina, com a pasta da Agricultura, e Ernesto Araújo, um admirador de Donald Trump, que foi escolhido para chefe da diplomacia brasileira.  

O Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos ficará a cargo da pastora evangélica, Damares Alves, forte opositora do aborto mesmo em casos de violação. O vice-presidente será Hamilton Mourão, antigo general do Exército brasileiro.  

Mas nem tudo será fácil na governação da equipa de Bolsonaro. O novo Congresso Nacional, que só toma posse a 1 de fevereiro, ficou ainda mais fragmentado depois das eleições de outubro. Na Câmara dos Deputados, o Partido dos Trabalhadores viu a sua bancada parlamentar descer de 61 para 56 deputados, mas continua a ser a força política com maior representação.  

Segue-se o Partido Social Liberal (PSL), de Bolsonaro, que passou de oito para 52 deputados eleitos. O Partido Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) vão ter, respetivamente, 49 e 33 deputados. A Câmara dos Representantes passou de 25 partidos com representação política para 30 partidos.

No Senado, a câmara alta, a maior bancada continuará a ser o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), com 11 parlamentares, seguida do PSDB, com oito senadores. O PT passa a contar com seis senadores na próxima legislatura, sendo que a ex-Presidente Dilma Rousseff não conseguiu ser eleita para um dos lugares. O PSL, força política do Presidente que agora toma posse, terá quatro senadores e é representado pela primeira vez no Senado. 


Para aprovar legislação, o novo Presidente terá de formar coligações nas duas câmaras. Por outro lado, a campanha que levou Bolsonaro ao poder está a ser investigada pelo poder judiciário pela alegada operação ilegal com várias empresas que terá espalhado notícias falsas sobre Fernando Haddad e o PT na internet.

Outra grande dificuldade do novo Presidente poderá ainda ser a economia: o desemprego atinge atualmente mais de 12 milhões de pessoas e a pobreza atinge 54,8 milhões de brasileiros, segundo os números do Banco Mundial. Apesar do forte apoio da igreja evangélica à campanha de Bolsonaro, esse suporte poderá ser posto em causa se as políticas sociais não corresponderem às expetativas do povo.   

“Jair Bolsonaro representa um salto de fé no desconhecido para o Brasil” e as tensões que afetam o país “sugerem que o mandato será extremamente imprevisível”, escrevia em novembro o investigador Ryan Lloyd, da Universidade de São Paulo.  

Fotografias: Reuters