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Brasil em choque com espancamento até à morte de jovem refugiado congolês
A polícia brasileira deteve terça-feira três suspeitos de espancar até à morte um refugiado da República Democrática do Congo, junto a um bar de praia junto ao areal na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Um quarto homem é procurado pelas autoridades em relação com o assassínio, ocorrido a 24 de janeiro. Imagens captadas por câmaras de segurança foram vitais na identificação dos responsáveis pelo crime, que chocou os cariocas e levou a apelos por justiça e ao planeamento de manifestações de protesto noutras cidades.
Moïse Mugenyi Kabagambe foi agredido com enorme violência mesmo depois de cair ao chão e de estar inanimado, de acordo com o vídeo publicado pela polícia na terça-feira.
O delegado Leandro Costa, responsável pela investigação, referiu que “as imagens são nítidas”. Mostram quatro homens a agredir o congolês a soco e pontapé e com um pau durante cerca de 15 minutos, sem parar mesmo depois de a vítima perder os sentidos.
A morte de Kabagambe só foi descoberta mais de 12 horas após o crime, na terça-feira de manhã. A polícia encontrou o corpo numa escada do estabelecimento, já sem vida e
com os pés e as mãos atados. Recuperou ainda no local um taco de
madeira usado no crime.
Testemunhos familiares afirmaram que Kabagambe era contratado diariamente pelo Tropicália para servir as bebidas em mesas no areal e que teria sido assassinado segunda-feira à noite depois de ter exigido o pagamento atrasado por dois dias de trabalho.
O que mostram as imagens
Um primo de Moïse, Yannick Iluanga Kamanda, de 33 anos, viu o vídeo. Afirmou que mostra o rapaz a exigir o pagamento.
“Em determinado momento, os ânimos se acirraram e um dos homens pegou um pedaço de madeira. O meu primo correu para se defender com uma cadeira. Esse homem foi-se embora e, em seguida, voltou com cinco pessoas, que pegaram o meu primo na covardia. Um rapaz deu um mata-leão (golpe no pescoço), e os outros se revezaram em bater", relatou Yannick citado pela revista brasileira Exame. O primo ficou ainda em choque porque, apesar da morte de Moïse, o trabalho prosseguiu no quiosque como se nada fosse. "Eles foram embora e ficou só o gerente do bar. E ele deitado no chão, como se nada estivesse acontecendo. Trabalhando, atendendo cliente. E o corpo lá” afirmou, de acordo com a Exame.
A revista referiu ainda o depoimento de dois agentes do 31º batalhão que responderam à ocorrência, os quais citam testemunhas que viram “dois homens a perseguir a vítima que fugia pela areia”. O rapaz foi alcançado “na subida do quisque Tropicália, onde apanhou com um porrete, e a vítima gritava, pedindo para não o matarem" referiram os polícias.
Moïse tinha várias “áreas hemorrágicas de contusão” e vestígios de “broncoaspiração de sangue”, de acordo com o atestado de óbito, o qual atribui a morte a “traumatismo do tórax, com contusão pulmonar causada por ação contundente”.
O chefe da polícia do Rio de Janeiro, Henrique Damasceno, revelou que o dono do local ajudou a identificar os assaltantes ao providenciar a gravação das câmaras de segurança e confirmou a tese da defesa dele, de que não tomou parte nas agressões.
No interrogatório das autoridades policiais, o dono do Tropicália afirmou ainda não conhecer os homens filmados a espancar o congolês. Na altura estaria somente um funcionário do quiosque no local. Os advogados do proprietário desmentiram ainda a existência de quaisquer dívidas do Tropicália para com Kabagambe.
Refugiado e estudante
A vítima, de 24 anos, chegou ao Brasil em 2014 como refugiado dos conflitos na RDC e era estudante de arquitetura, de acordo com a família que tem liderado os pedidos por justiça. “Não acredito que isto aconteceu”, afirmou a Mãe, Ivana, aos jornalistas. “Ele cresceu aqui no Brasil. Estudou aqui, todos os seus amigos são brasileiros. Mas hoje é vergonha. Exijo justiça”.
A comunidade congolesa e grupos de defesa dos direitos dos negros apelaram a protestos sábado, junto ao bar de praia na Barra da Tijuca, assim como a manifestações em simultâneo em São Paulo.
A ONG Human Rights Watch considerou que o assassínio violento de Kabagambe “merece o mais absoluto repúdio da sociedade brasileira” ao coincidir com uma vaga de violência crescente no país contra pessoas de pele negra.
A embaixada da República Democrática do Congo exigiu uma investigação rigorosa e lembrou que este foi o quinto emigrante congolês a ser assassinado no Brasil desde 2019.
O Ministério brasileiro dos Negócios Estrangeiros, com sede no palácio de Itamaraty, juntou-se ao coro de repúdio e solidariedade. “Itamaraty expressa a sua indignação quanto ao brutal assassínio e espera que os responsáveis sejam levados à justiça o mais breve possível”, referiu em comunicado.
O Brasil acolheu desde 2016, cerca de 900 refugiados congoleses, a maioria dos quais reside no Rio de Janeiro e em São Paulo, segundo dados do Ministério da Justiça, que tem a alçada da imigração.
O Tropicália manteve-se encerrado durante o fim de semana e as redes sociais do estabelecimento foram apagadas ou estão inacessíveis desde que o caso chegou ao grande público.