Cameron assombrado pelos Panama Papers nega benefícios de offshore

por Ana Sanlez - RTP
Reuters

David Cameron não poderá tirar proveitos financeiros de nenhuma conta ou fundo de investimento offshore no futuro. A garantia foi dada esta quarta-feira pelo porta-voz do primeiro-ministro britânico. O governante conservador está debaixo de fogo no Reino Unido por causa dos Panama Papers: a investigação contém documentos que provam a existência de um fundo de investimentos com sede nas Bahamas em nome do pai de Cameron, ex-cliente da Mossack Fonseca.

Sigmundur Gunnlaugsson foi o primeiro a cair. A desastrosa entrevista dada pelo agora ex-primeiro-ministro da Islândia a um canal sueco de televisão precipitou a aparatosa queda, fazendo de Gunnlaugsson a primeira “vítima” dos Panama Papers.

Fátima Marques Faria, Manuel Oliveira - RTP

À medida que o longo novelo da maior fuga de informação de sempre se vai desenrolando, a questão que o mundo agora coloca é: quem será o próximo a tombar?

O primeiro-ministro britânico ocupa para já a pole position das apostas. David Cameron está sob a intensa pressão da imprensa e do povo britânico, que exige que o governante preste contas sobre o fundo de investimentos criado pelo seu pai, a Blairmore Holding, que tinha sede fiscal nas Bahamas e durante 30 anos escapou ao fisco do Reino Unido.

Desde que o escândalo rebentou, no passado domingo à noite, David Cameron e o seu gabinete já emitiram quatro esclarecimentos parciais sobre o caso. Logo na segunda-feira, Downing Street redigiuum comunicado considerando o caso como uma “questão privada”.

Não satisfeitos com a resposta, os jornalistas britânicos aproveitaram uma visita do primeiro-ministro a Birmingham, esta terça-feira, para abordar a questão. “No que diz respeito à minha situação financeira, não sou dono de ações nem de fundos offshore. Tenho o salário de primeiro-ministro e algumas poupanças, das quais retiro alguns juros, e tenho uma casa, na qual costumávamos viver. É tudo o que tenho”, replicou David Cameron ao repórter da Sky News.

Mesmo que mais dúvidas houvesse, não poderiam ser desfeitas. Cameron foi a Birmingham participar numa ação da consultora PwC (PricewaterhouseCoopers) sobre a União Europeia. Além da Sky News, o primeiro-ministro respondeu a outra questão colocada pela imprensa local, sendo que todas as outras perguntas foram feitas pelos funcionários da PwC e centraram-se nos assuntos europeus e no Brexit.

Longe de ver o assunto encerrado, o gabinete de Downing Street foi obrigado a emitir um novo comunicado, algumas horas depois, uma vez que o líder britânico ainda não tinha esclarecido o cerne da questão: poderão Cameron e a sua família ainda vir a tirar proveitos no futuro do fundo de investimentos colocado por Ian Cameron num paraíso fiscal? Mais uma vez, a resposta ficou aquém do esperado.

“Para que fique claro, o primeiro-ministro, a sua mulher e os seus filhos não beneficiam de nenhum fundo offshore. O primeiro-ministro não tem ações”, lê-se na missiva.

Esta quarta-feira o gabinete de David Cameron esclareceu, por fim, a questão dos possíveis “benefícios futuros”, garantindo que nem o primeiro-ministro nem a sua família poderão vir a retirar algum proveito das contas offshore.
Oposição exige respostas
A questão tornou-se, como seria de esperar, em arma de arremesso política no Reino Unido, com o líder do partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, a encabeçar o coro de protestos e a exigir respostas.

“Acho que o primeiro-ministro, em nome do seu próprio interesse, deveria dizer-nos exatamente o que se está a passar”, instou Corbyn. “A questão é privada na medida em que os interesses são privados, mas não será privada se os impostos não foram pagos. Deve haver uma investigação independente”, concluiu o líder britânico da oposição.
O vaivém da Blairmore
Os documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação mostram que Ian Cameron, que morreu em 2010, era um dos cinco diretores da Blairmore Holdings, um fundo de investimentos constituído nas Bahamas nos anos 80.

Os ficheiros revelam que o pai de David Cameron se deslocava com frequência à Bahamas e à Suíça para participar em reuniões do conselho de administração da empresa.

Os documentos evidenciam ainda que o fundo recorria a ações ao portador, ou seja, sem a identificação do proprietário, para assegurar que a identidade dos donos das ações permanecia em segredo.

A Blairmore abandonou essa prática em 2006. Em 2015 o Governo de David Cameron proibiu as ações ao portador no Reino Unido.

O jornal britânico Daily Telegraph revelou que a sede fiscal da Blairmore Holding foi transferida para a Irlanda em 2010, ano em que David Cameron se tornou primeiro-ministro do Reino Unido. Fonte citada pelo jornal revela que a decisão de transferir a empresa para solo irlandês, que também oferece um regime fiscal favorável para empresas que retirem proveitos fora do país, foi tomada porque “estava na altura de se submeter a um escrutínio mais apertado”.

O mesmo diário revela que a firma controla atualmente ativos no valor de 35 milhões de libras, cerca de 43 milhões de euros.
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