Candidato anti-imigração perto de vencer eleições presidenciais na Áustria

por Andreia Martins - RTP
Norbert Hofer, o candidato do Partido da Liberdade da Áustria, é o favorito à vitória no domingo. Leonhard Foeger - Reuters

Realiza-se este domingo a segunda volta das eleições presidenciais austríacas. Na corrida ao Palácio Imperial de Hofburg, em Viena, onde o presidente do país ocupa as suas funções, estão dois candidatos completamente improváveis. As últimas sondagens indicam como provável a vitória de Norbert Hofer, candidato da extrema-direita com ideais xenófobas e anti-imigração.

No próximo domingo, os olhos da Europa vão estar postos na Áustria. O pequeno país, no centro do Velho Continente, é mais um destino turístico do que uma força política reconhecida e tem uma população inferior à de Portugal (em 2015, o número não chegava aos 9 milhões). Mas poderá tornar-se no próximo laboratório da extrema-direita europeia. 

Norbert Hofer, do Partido da Liberdade da Áustria, obteve 35 por cento dos votos na primeira volta das eleições, realizadas a 24 de abril. Se vencer a segunda volta, que se realiza no próximo domingo, dia 22 de maio, Hofer será o primeiro candidato do partido de extrema-direita a alcançar a Presidência da República. 

Para os mais moderados, a esperança é agora depositada em Alexander Van der Bellen, do partido austríaco Os Verdes, que alcançou 21 por cento dos votos na primeira volta. Em França, por exemplo, quando Jean-Marie Le Pen chegou à segunda volta das eleições presidenciais, em 2002, vários partidos do espetro político uniram-se contra o candidato da Frente Nacional e Jacques Chirac obteve 82 por cento dos votos. 


Alexander Van der Bellen foi líder dos Verdes entre 1997 e 2008. Foto: Heinz-Peter Bader - Reuters

Na Áustria, o apoio ao opositor de Hofer pelos restantes partidos parece não ser tão vigoroso. As últimas sondagens dão 53 por cento ao candidato de extrema-direita e 47 por cento a Van der Bellen. 
Ao centro, resultados desastrososPela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial, os candidatos dos dois principais partidos não conseguem chegar à segunda volta. 
Nas eleições da primeira volta, no mês passado, os dois principais partidos, coligados no poder há dez anos, obtiveram resultados desastrosos. Juntos, os candidatos dos partidos social-democrata e popular austríaco, que são as duas forças políticas do establishment austríaco, não ultrapassaram os 22 por cento dos votos na primeira volta, em abril.

Na Áustria, o presidente é eleito por voto popular. Geralmente resignado a funções mais simbólicas ou cerimoniais, é o mais alto representante do país e chefe máximo das Forças Armadas. Na política interna, e apesar do carácter habitualmente representativo associado ao cargo, o chefe de Estado dispõe de vários poderes que lhe permitem alterar por completo as mais importantes instituições de poder. 

Se assim entender, o presidente austríaco pode destituir o Governo, dissolver o Parlamento e ainda apontar o nome de um novo chanceler, que no regime austríaco ocupa o lugar de líder do Governo. 

Em declarações durante o período eleitoral para a primeira volta, Hofer admitiu a sua linhagem “oposta ao multiculturalismo, globalização e imigração em massa”. Entenda-se, nesta última designação, a referência direta ao acolhimento de refugiados vindos da rota dos Balcãs durante o ano de 2015, um tema que saiu muito caro aos principais atores da política austríaca. 
Novo chanceler
O candidato da extrema-direita ainda nem sequer foi eleito e já causou reboliço em Viena. A segunda volta das eleições presidenciais acontecerá depois de o chanceler austríaco ter anunciado a demissão do cargo, no passado dia 9 de maio.  Para além de ocupar o lugar de chanceler, Faymann era também o líder dos social-democratas austríacos. Desde a sua demissão do Governo, o presidente da Câmara de Viena, Michael Haüpl, assumiu o poder interino. 

Werner Faymann colocou um ponto final a sete anos e meio de governação depois dos resultados das presidenciais da primeira volta, que vieram expor a grande instabilidade dos partidos que dominaram ao longo das últimas décadas.

Faymann pertence ao Partido Social Democrata austríaco, um dos partidos da coligação governativa, que viu o seu candidato à Presidência ser eliminado na primeira volta. Para além dos resultados desoladores nas presidenciais, o antigo chanceler vinha a perder o apoio das bases do partido há já vários meses. 
Crise de refugiados é controversa
Se inicialmente o Governo austríaco se havia colocado ao lado de Angela Merkel na questão dos refugiados, de “portas abertas”, a contestação da direita e os bons resultados do Partido da Liberdade nas últimas eleições regionais levaram o antigo chanceler a assumir uma postura muito mais rígida, ao lado do partido de coligação de centro-direita, o Partido Popular.

De uma política de total acolhimento, a Áustria passou ao controlo das fronteiras e à negociação constante com Bruxelas sobre a quota de refugiados que o país seria obrigado a acolher. Mas o recente volte-face na política governativa não foi suficiente a Faymann para recuperar o terreno político perdido.  

Para o substituir, o partido social-democrata escolheu Christian Kern. Durante a tomada de posse, na passada terça-feira, o novo chanceler austríaco não excluiu à partida a possibilidade de “cooperar” com uma extrema-direita em ascensão, mediante determinadas garantias, mas avisou que essa disponibilidade expiraria ao menor sinal de ataque direto “às minorias”.
Xenofobia e muros
Em 2015, pelo menos 90 mil refugiados e migrantes pediram asilo à Áustria, o que tem ajudado ao crescendo do sentimento anti-Islão na sociedade. Numa sondagem publicada pelo jornal Der Standard em janeiro de 2015, ainda antes do pico da crise migratória e dos ataques à revista satírica francesa Charlie Hebdo, metade dos austríacos já considerava o Islão “uma ameaça para a sociedade”.

Já este ano, em finais de abril, o Parlamento aprovou um projeto-lei que se traduz em medidas mais restritivas nos pedidos de asilo e no total bloqueio à entrada de migrantes e consequente repatriação, caso seja declarado o estado de emergência. Para além das novas medidas de segurança, Viena pretende construir um muro de 400 metros na fronteira com a Itália, perto da zona de Brenner, zona que é um dos principais pontos de passagem entre o país e a Alemanha.

Caso Hofer vença mesmo as eleições, esta não será a primeira vez que o partido anti-imigração e eurocético consegue chegar aos corredores do poder. É atualmente a terceira força política com representação no Nationalrat, o Parlamento austríaco e nos centros de decisão federais. 

No passado, o Partido da Liberdade da Áustria, liderado por Jörg Haider, ficou em segundo lugar nas eleições legislativas de 2000, e chegou a integrar o executivo do chanceler Wolfgang Schüssel, numa coligação de pouca dura com o Partido Popular. Nesse ano, o Governo austríaco foi boicotado por vários países europeus, em especial pela França, que forçou a exclusão dos austríacos de encontros diplomáticos. Alguns Estados-membros da União Europeia chegaram mesmo a impor sanções económicas ao país dos Alpes.
 

Apoiantes de Hofer percorreram as ruas de Viena numa marcha de apoio, realizada esta sexta-feira. Foto: Leonhard Foeger - Reuters

Hoje, perante um candidato presidencial que adota ideais de isolacionismo e anti-imigração, são poucos os países europeus que lhe podem apontar o dedo, tendo em consideração o estado de graça dos vários movimentos de extrema-direita no Velho Continente. 

Para muitos, a vitória de Hofer seria mais um motivo de alarme, a juntar à delicada situação governativa em países como a Hungria, com o primeiro-ministro Viktor Órban a ser uma das faces mais visíveis da vaga anti-Islão e anti-imigração, ou a Polónia, onde o euroceticismo e o nacionalismo ameaçam as liberdades individuais.

E se dúvidas restassem quanto à família política a que responde Norbert Hofer, as mensagens de apoio e incentivo que chegam da Europa são esclarecedoras. A menos de um ano das presidenciais francesas, Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN) foi a primeira a felicitar o candidato, desde logo seguida pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que obteve resultados impressionantes em vários Estados germânicos nas eleições regionais de março. 

A jornalista francesa Sylvie Kauffmann avisava esta semana, numa coluna de opinião no New York Times, que a “estranha” situação política na Áustria não constitui “um fenómeno isolado”. É antes parte integrante de uma “tendência sólida” que afeta grande parte das democracias ocidentais.  
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