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Ciclo hidrológico cada vez mais irregular agrava fome, conflitos e migração, alerta ONU
O ciclo hidrológico tem-se tornado cada vez mais irregular, oscilando entre dilúvios e secas, de acordo com um novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). O relatório da agência da ONU, divulgado esta quinta-feira, revela que o desequilíbrio está a causar escassez de alimentos, aumento dos preços, conflitos e migração.
O relatório sobre o Estado dos Recursos Hídricos Globais, da Organização Meteorológica Mundial (OMM), afirma que apenas cerca de um terço das bacias hidrográficas globais apresentava condições "normais" em 2024, uma vez que as restantes estavam acima ou abaixo do normal pelo sexto ano consecutivo.
A crise climática provocou secas e inundações extremas, por vezes na mesma região, enquanto certas regiões sofreram secas severas, outras sofreram várias inundações.
Simultaneamente, o ano de 2024 foi o mais quente já registado, com a temperatura média da superfície a atingir 1,55 graus acima dos níveis pré-industriais, e começou com o fenómeno El Niño que afetou as principais bacias hidrográficas, contribuindo para as secas no norte da América do Sul, na Bacia Amazónica e no sul de África.

Foto: Rachel Mestre Mesquita - RTP
Moçambique foi um dos países africanos mais afetados pelo fenómeno El Niño. A situação humanitária agravou-se devido aos ciclones e chuvas fortes registadas no início do ano, tendo obrigado à deslocação de milhares de pessoas e destruído habitações e infraestruturas vitais na zona costeira. Em África, as inundações na zona tropical mataram
cerca de 2.500 pessoas e deixaram quatro milhões de pessoas deslocadas,
de acordo com o relatório.
Foto: Rachel Mestre Mesquita - RTP
No entanto, o clima também foi mais húmido do que a média na África Central e Ocidental, na bacia do Lago Vitória o maior lago africano, no Cazaquistão, na Europa Central, no Paquistão, no norte da Índia, no sul do Irão e no nordeste da China.
Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, afirma que "a água sustenta as nossas sociedades, alimenta as nossas economias e sustenta os nossos ecossistemas. No entanto, os recursos hídricos mundiais estão sob pressão crescente e, ao mesmo
tempo, riscos mais extremos relacionados com a água estão a ter um
impacto cada vez maior nas vidas e nos meios de subsistência".
De acordo com o relatório, o desequilíbrio dos ciclos hidrológicos naturais provocou escassez de alimentos, baixos rendimentos agrícolas e aumento dos preços, em algumas regiões já particularmente afetadas por conflitos ou migrações.
Na Europa, o verão de clima extremo causou perdas na ordem de 43 mil milhões de euros, segundo a análise da Organização Meteorológical Mundial e do Observatório Europeu.
Todas as regiões glaciares do mundo relatam perda de gelo
O relatório revela também que 2024 foi o terceiro ano consecutivo com perda generalizada de glaciares em todas as regiões glaciares de todo o mundo, com perdas recordes na Escandinávia, Svalbard e no norte da Ásia. As perdas em apenas um ano foram equivalentes a cerca de 1,2 mm de aumento do nível do mar, aumentando o risco de inundações para centenas de pessoas que vivem em zonas costeiras.
Segundo o documento, muitas regiões com pequenos glaciares já atingiram ou estão prestes a ultrapassar o chamado ponto máximo de água, que acontece quando o derretimento de um glaciar atinge o seu escoamento anual máximo, após o qual este diminui devido ao encolhimento do glaciar.
"A cobertura de neve está a desaparecer em algumas partes, com o
pico do derretimento da neve a chegar mais cedo. Isso tem um enorme
impacto na ecologia - a vida selvagem e a vegetação não estão a obter
água disponível quando precisam", afirmou Stefan Uhlenbrook, diretor da
divisão de hidrologia, água e criosfera da Organização Meteorológica
Mundial (OMM), segundo o Guardian.
Os autores do relatórios alertam para a necessidade de ação por parte dos líderes mundiais para fazer face à crise climática, nomeadamente de investimentos na monitorização global dos recursos hídricos e partilha de dados entre os países.
Para Stefan Uhlenbrook, "isto não está a receber atenção política suficiente. Os
investimentos em preparação trazem retorno para a sociedade. Os governos
devem ver isso como um investimento valioso".