Conferência de Copenhaga tem três dias para evitar fracasso

O financiamento de um pacto global para mitigar as alterações climáticas e a definição dos compromissos para reduzir as emissões de gases poluentes, assim como a criação de mecanismos de fiscalização, estão a alimentar, na recta final da Conferência de Copenhaga, divergências de fundo entre ricos e pobres. Perante o risco de fracasso, a ONU avisa que "o tempo está a esgotar-se".

RTP /
A ausência de um acordo em Copenhaga "seria um fracasso de potenciais consequências catastróficas", alerta Ban Ki-moon Stephen Morrison, EPA

A XV Conferência das Partes (COP15) da Convenção-Quadro da ONU sobre as Alterações Climáticas partiu para a segunda semana de trabalhos como começou - sem indícios de fumo branco e manietada pelos diferentes "interesses em jogo", nas palavras da presidente dinamarquesa da cimeira, Connie Hedegaard.

A última ilustração das dificuldades colocadas aos negociadores partiu das delegações dos 53 países africanos chamados a Copenhaga, que ontem decidiram interromper a sua participação nos grupos de trabalho, um gesto de protesto que se prolongou por cinco horas e que foi acompanhado pelas demais nações em desenvolvimento. Na base do descontentamento está a constatação de que os países mais ricos parecem estar pouco interessados em discutir compromissos para render o Protocolo de Quioto, em vigor até 2012.

"É o único instrumento que nos garante que uns e outros assumam compromissos mínimos", explicava nas últimas horas Etienne Massard Makaga, delegado do Gabão. Na óptica dos países africanos, resumia na noite de segunda-feira o emissário francês Brice Lalonde, um "bom" Protocolo de Quioto vale mais do que qualquer promessa. Por outro lado, países como o Japão e a Austrália descartam agitar quaisquer números para a redução das emissões enquanto os Estados Unidos e as economias emergentes não evidenciarem os seus próprios progressos. Ao mesmo tempo, a União Europeia hesita em defender metas que não são partilhadas por terceiros.

"Um fracasso de potenciais consequências catastróficas"

O destino a dar aos compromissos de Quioto é, assim, uma das maiores pedras na engrenagem da Conferência COP15, ainda que Connie Hedegaard tenha prometido promover conversações separadas sobre o Protocolo.

Em rota de colisão com as intenções da União Europeia e dos restantes países desenvolvidos, favoráveis a um acordo que substitua o Protocolo de Quioto, o bloco dos países mais vulneráveis às alterações do clima mantém a exigência de uma abordagem em duas vias: a primeira abrangeria todos os países com metas de redução de emissões definidas ao abrigo de Quioto, ou seja, todos os países industrializados com a excepção dos Estados Unidos; a segunda incluiria a maior economia do Mundo e as grandes economias emergentes, casos da China e do Brasil, que adoptariam os seus compromissos à luz de um novo pacto.

A poucas horas de partir para Copenhaga, o secretário-geral das Nações Unidas descreveu o momento das negociações. A três dias do desfecho da Conferência, o prazo para a obtenção de um pacto de alcance global que permita limitar a dois graus o aquecimento da Terra "está a esgotar-se".

"Já não é altura de gesticular. Cada país deve fazer a sua parte para selar um acordo em Copenhaga. Se deixarmos tudo para os líderes resolverem no último minuto, corremos o risco de ter um acordo fraco ou mesmo nenhum acordo. E isto seria um fracasso de potenciais consequências catastróficas", alertou Ban Ki-moon em Nova Iorque.

O gesto da China

Copenhaga conta receber, na próxima sexta-feira, mais de 110 chefes de Estado e de governo. Até lá, frisou o ministro britânico da Energia e das Alterações Climáticas, os negociadores estão obrigados a redobrar esforços para resolver "numerosas questões". Ed Miliband sublinha que "os dirigentes estão praticamente a caminho" da capital dinamarquesa: "O seu papel é importante, mas os negociadores e os ministros não podem deixar tudo para eles".

Até ao momento, o gesto mais significativo partiu da China, que já garantiu que não tenciona aceitar um único cêntimo do fundo a constituir pelos países mais desenvolvidos para ajudar as nações pobres no combate ao aquecimento global. A possibilidade de Pequim ser tributária daquelas verbas constituía um foco de preocupação em Washington. Por outro lado, alguns países subdesenvolvidos já expressaram o receio de que a China possa estar à procura de um entendimento isolado com os maiores actores internacionais, vinculando-se a um compromisso insuficiente para dar cobertura às nações mais vulneráveis.

Em entrevista ao jornal Financial Times, o vice-ministro chinês dos Negócios Estrangeiros garante que a responsabilidade por um eventual fracasso em Copenhaga não poderá ser assacada a Pequim.

"Eu sei que alguns dirão que é culpa da China, se não houver um acordo. É um ardil dos países desenvolvidos. Que considerem as suas próprias posições sem utilizarem a China como pretexto", enfatizou He Yafei a partir de Copenhaga.

Obama em contacto com chefes de Estado

Em Washington, a Casa Branca afiança que o Presidente dos Estados Unidos está empenhado em obter resultados palpáveis. Barack Obama, que tenciona juntar-se aos trabalhos da Conferência na manhã de sexta-feira, tem estado em contacto com vários homólogos para desbloquear as negociações.

Robert Gibbs, porta-voz da Presidência, deixava claro, na noite de segunda-feira, que países como a China - o maior emissor de gases poluentes, à frente dos Estados Unidos - teriam de assumir a dianteira nos esforços para a conclusão de um acordo. Em Copenhaga, o antigo vice-presidente norte-americano Al Gore sustentou, por seu turno, que também os Estados Unidos "devem fazer muito mais" na luta contra as alterações climáticas.

Numa tentativa de aplacar as objecções dos países pobres, os negociadores da COP15 chegaram a acordo para a nomeação de pares de ministros de nações industrializadas e subdesenvolvidas com a missão de gizar soluções para as divergências. Ao Gana e à Grã-Bretanha cabe a tarefa de angariar verbas para acudir aos países mais vulneráveis, enquanto que a Granada e a Espanha é pedida uma avaliação dos diferendos em torno da partilha do fardo dos cortes nas emissões até 2020. Singapura e Noruega têm por missão encontrar formas de adaptar as políticas energéticas à necessidade de financiar um novo pacto internacional.

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