Covid-19. EUA vão enfrentar "muita dor" no inverno, alerta Anthony Fauci

por Joana Raposo Santos - RTP
Até agora, foram registados mais de 9,1 milhões de casos de infeção nos Estados Unidos desde o início da pandemia. Alex Edelman - Pool via Reuters

A apenas dois dias das eleições presidenciais nos EUA, aquele que foi o principal especialista da task force da Casa Branca na luta contra a pandemia de Covid-19 lançou críticas à Administração Trump pelo modo como está a gerir a crise pandémica. Para Anthony Fauci, os Estados Unidos devem preparar-se para "muita dor", prevendo mais de 100 mil casos de infeção nesse país a cada dia durante o inverno que se aproxima.

“Não é uma situação boa. Todas as estrelas estão alinhadas nos lugares errados numa altura em que entramos nas estações do outono e inverno, com mais pessoas a juntarem-se em casas e outros espaços fechados devido ao frio. Não poderíamos estar pior posicionados”, lamentou o especialista em saúde pública em entrevista ao Washington Post, na noite de sábado.

Até agora, foram registados mais de 9,1 milhões de casos de infeção nos Estados Unidos desde o início da pandemia e contam-se quase 231 mil vítimas mortais. Anthony Fauci prevê que os números, já preocupantes, possam subir ainda mais, superando os 100 mil casos diários dentro de pouco tempo.

Apesar de os EUA estarem a “ser desafiados com mais casos”, o médico acredita que “o sistema de saúde está agora muito melhor preparado para lidar com casos graves”. “É por essa razão que penso que o aumento de casos poderá ser contrabalançado com a maior experiência”, disse.

Ainda assim, há maior preocupação com regiões do país que estão pior preparadas para um novo pico no inverno, até por terem um número limitado de camas em Unidades de Cuidados Intensivos. “[A preocupação] é mais com Estados como o Utah, Nevada, Dacota do Sul ou Dacota do Norte”, explicou. “Temos de nos preparar para muita dor”, lamentou o principal epidemiologista norte-americano. “O que podemos fazer é tentar passar a mensagem” de que todos os cuidados devem ser tomados para prevenir a propagação da doença.

“Neste momento, o aspeto de saúde pública da task force [da Casa Branca] diminuiu fortemente. Da última vez que falei com o Presidente não foi sobre qualquer política [de combate à pandemia]. Foi quando ele estava internado no [hospital] Walter Reed e me telefonou”, revelou Fauci.

O epidemiologista disse mesmo evitar a Casa Branca devido “a todas as infeções” que lá ocorreram.

“O único médico que vê o Presidente regularmente é Scott Atlas”, contou Anthony Fauci, dizendo ter “verdadeiros problemas” com esse profissional de saúde. “Ele é um tipo esperto que fala de coisas sobre as quais acredito que não tenha qualquer conhecimento ou experiência reais”, coisas essas que “não fazem qualquer sentido”, considerou.

“Ele insiste que não está a forçar a imunidade de grupo”, disse o especialista sobre Atlas. “Mas tudo o que ele diz (…) vai ao encontro do conceito de ‘não faz qualquer diferença se as pessoas são infetadas, é uma perda de tempo, as máscaras não funcionam’. Quando tudo o que precisamos é de proteger os mais vulneráveis, como os utentes dos lares”.

O especialista aproveitou ainda a entrevista ao Washington Post para comentar as atitudes dos dois candidatos às presidenciais de terça-feira. Enquanto Joe Biden tem “levado o problema a sério de uma perspetiva de saúde pública”, Donald Trump está “a olhar [para a pandemia] de uma perspetiva diferente… a economia e a reabertura do país”, considerou Fauci.

Apesar dos lamentáveis números da Covid-19 nos Estados Unidos e de ele próprio ter sido contagiado, Trump continua a participar em comícios para tentar garantir a vitória nas eleições. Já o candidato democrata tem sido mais contido, participando em menos eventos e cumprindo com todos os protocolos de segurança, como o uso de máscara.

Em reação à entrevista, Judd Deere, um porta-voz da Casa Branca, disse ser “inaceitável e contra todas as normas” que Anthony Fauci, antigo membro da task force do atual Presidente contra o novo coronavírus “e alguém que já elogiou as ações de Trump ao longo desta pandemia, escolha fazer jogadas políticas a três dias das eleições”.
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