Covid-19. Isolamento domiciliário faz disparar queixas por violência doméstica

por Joana Raposo Santos - RTP
Durante o estado de emergência em Portugal, é permitida a circulação de cidadãos que se desloquem para o "acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica". Foto: Yara Nardi - Reuters

Com a pandemia de Covid-19 a alastrar-se a um ritmo galopante, são vários os países que impuseram o isolamento domiciliário como medida de contenção. Se por um lado a quarentena é uma das ações mais eficazes no combate ao novo coronavírus, por outro está a tornar-se uma ameaça para quem é vítima de violência doméstica. Muitos países têm registado um aumento do número de pedidos de ajuda e, em Portugal, a APAV lançou uma nova campanha para pedir às vítimas que não fiquem em silêncio.

Na província de Hubei, onde o surto do novo coronavírus teve início, as queixas por violência doméstica mais do que triplicaram no mês de fevereiro, quando tinha já sido imposta a quarentena obrigatória. De acordo com ativistas, foram 162 as denúncias registadas pelas autoridades da região, quando no período homólogo tinham sido 47.

“A epidemia tem um enorme impacto na violência doméstica”, considerou Wan Fei, ex-polícia e fundador de uma campanha de solidariedade pelas vítimas. “De acordo com as nossas estatísticas, 90 por cento das causas da violência [neste período] estão relacionadas com a epidemia de Covid-19”, explicou, citado pelo The Guardian.

Também no Brasil se tem registado um aumento de pedidos de ajuda. “Pensamos que tenha havido uma subida de 40 ou 50 por cento, sendo que já antes havia uma elevada procura”, elucidou Adriana Mello, juíza do Rio de Janeiro especialista no tema da violência doméstica. “Precisamos de manter a calma de modo a conseguir atacar esta dificuldade que agora enfrentamos”. Na semana passada, Espanha registou a primeira vítima mortal por violência doméstica desde que o país ordenou a quarentena, cinco dias antes: uma mulher que foi assassinada pelo marido em Valência.

O governo regional da Catalunha avançou que as chamadas para a linha de apoio à vítima aumentaram em 20 por cento apenas nos primeiros dias de confinamento. No Chipre, o aumento foi de 30 por cento nos dias após ter sido confirmado o primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus e a população ter começado a permanecer mais tempo em casa.

Já em Itália, os ativistas têm notado uma diminuição do número de denúncias por chamada telefónica mas, por outro lado, um aumento do número de queixas via mensagem de texto ou e-mail. “Existe uma emergência assoladora neste momento. Há mais mulheres em desespero por não conseguirem sair de casa”, alertou Lella Palladino, presidente da rede italiana de abrigos para mulheres.
Em Portugal
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) já alertou para a possibilidade de, durante o período de isolamento devido à Covid-19, aumentar a violência doméstica. Por essa razão, a associação lançou uma nova campanha.

“Em tempos em que a contenção e isolamento sociais são imperativos, a APAV alerta para o possível aumento da violência doméstica, do cibercrime e de crimes contra o património”, avisou, pedindo às vítimas que prestem atenção aos sinais e que não fiquem em silêncio.


O Governo português anunciou, na semana passada, um aumento do número de camas disponíveis em abrigos para acolher vítimas de violência doméstica, assim como a criação de um endereço de e-mail (violência.covid@cig.gov.pt) específico para a receção de denúncias durante a pandemia.

Existe ainda a hipótese de as vítimas telefonarem ou enviarem uma mensagem gratuita para o número 3060, sendo que o registo desse contacto é confidencial e, portanto, não aparecerá nas faturas telefónicas.

O decreto do Governo português que especifica as medidas do estado de emergência devido à pandemia esclarece que é permitida a circulação de cidadãos que se desloquem para o “acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica ou tráfico de seres humanos, bem como de crianças e jovens em risco”.
Números podem ser ainda maiores
Os ativistas acreditam que os números da violência doméstica a nível global podem ser ainda maiores do que aqueles de que há registo, uma vez que muitas vítimas não denunciam o abuso de que são alvo.

O aumento da violência doméstica no período de quarentena devido ao novo coronavírus poderá dever-se, em grande parte, ao facto de os agressores ficarem em isolamento com as vítimas, passando mais tempo juntos. Além disso, de acordo com ativistas, os abusos seguem um padrão de aumento em situações de emergência, como crises económicas, conflitos armados ou epidemias.

“Acontece em todas as situações de crise”, argumentou Marcy Hersh, da organização global de defesa dos direitos das mulheres Women Deliver. “Preocupa-nos que, nesta fase de aumento da violência, haja mais dificuldade por parte das mulheres em aceder aos serviços de apoio. É um verdadeiro desafio”, declarou ao Guardian.

O novo coronavírus já chegou a mais de duas centenas de países. Existem, até ao momento, quase 600 mil pessoas infetadas, das quais 133 mil recuperaram e 27 mil não sobreviveram à doença.
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