Covid-19. O que dizem os estudos sobre o uso de hidroxicloroquina?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Yves Herman - Reuters

O antimalárico tem suscitado um misto de esperança e controvérsia enquanto potencial tratamento para a Covid-19, mas as evidências sobre a sua eficácia são ainda limitadas. Nenhum estudo comprova, por agora, cientificamente o benefício deste fármaco no contexto da pandemia e todos os ensaios clínicos publicados até ao momento são preliminares e apresentam sempre alguma falha.

Inicialmente utilizado como tratamento para a malária, o fármaco tem sido administrado em alguns doentes infetados com Covid-19, apesar de a sua eficácia ainda não estar cientificamente provada.

As opiniões sobre os benefícios deste medicamento são contraditórias e geraram discussões. A mais recente controvérsia envolve a Casa Branca, depois de Donald Trump ter admitido que está a ser medicado com hidroxicloroquina para prevenir a infeção por Covid-19. O presidente dos Estados Unidos anunciou que o país arrecadou grandes quantidades deste fármaco, defendendo que existem “sinais muito fortes” de que funciona como tratamento da Covid-19.

No entanto, o entusiasmo de Trump relativamente a este medicamento não é partilhado por muitos funcionários da Casa Branca, nomeadamente o conselheiro Anthony Fauci que considera que os relatos sobre os benefícios deste fármaco “podem ser verdadeiros, mas ainda não foram provados cientificamente”.

Para que o uso de um medicamento seja cientificamente aprovado, existem alguns padrões científicos a seguir que agora poderão estar a ser desrespeitados para responder à urgência na busca de um tratamento para o novo coronavírus. Estas normas científicas exigem que os resultados sejam revistos por especialistas independentes e os ensaios devem ter como base um número significativo de pacientes, bem como um grupo de controlo que determine a fiabilidade do estudo.

Se tivermos estes critérios como base, ainda não existem estudos que comprovem que a hidroxicloroquina traz benefícios no tratamento da Covid-19, mas estão atualmente em curso vários ensaios clínicos deste tipo
. Todos os estudos divulgados até agora sobre este assunto são ainda preliminares. O que dizem estes ensaios?
Estudo in vitro
Um dos primeiros estudos a ser divulgado foi publicado em fevereiro na revista científica Cell Research. Os cientistas testaram a eficácia de cinco antivirais in vitro, ou seja, através da análise de células em laboratório e não em humanos.

O estudo encontrou resultados promissores para dois destes medicamentos: o remdesivir, que também tem sido apontado como um potencial tratamento, e a cloroquina, semelhante à hidroxicloroquina que é considerada mais segura. Estes dois fármacos “potencialmente bloquearam a infeção pelo vírus”, revela o estudo.

No entanto, este estudo suscita algumas dúvidas, nomeadamente em relação à sua eficácia quando administrado em pacientes, dado que apenas foi testado em laboratório. Tal como sublinha The Guardian, estudos in vitro anteriores também obtiveram resultados promissores relativamente ao uso de hidroxicloroquina, nomeadamente no tratamento do SARS-CoV que provocou a epidemia de 2002. Porém, a sua eficácia clínica não foi comprovada em nenhum dos ensaios clínicos realizados.
O controverso estudo francês
No centro dos debates iniciais esteve um estudo francês que avaliou a eliminação da carga viral através da combinação de hidroxicloroquina e azitromicina, um antibiótico comum utilizado no tratamento de várias infeções bacterianas.

Ao contrário do estudo mencionado anteriormente, este foi um ensaio clínico, ou seja, envolveu a observação em pacientes infetados e foi submetido a uma revisão por especialistas independentes antes da sua publicação no International Journal of Antimicrobial Agents.

O ensaio clínico concluiu que “o tratamento com hidroxicloroquina está significativamente associado à redução/desaparecimento da carga viral em pacientes com Covid-19 e o seu efeito é reforçado pela azitromicina”. No entanto, existe algumas observações críticas a apontar, particularmente em relação à forma como os resultados foram descritos.

Os cientistas não mencionaram se o paciente melhorou ou piorou após a administração destes fármacos e as suas conclusões basearam-se apenas no cálculo do tempo que o paciente levou a eliminar o vírus. Para além disso, no estudo é referido que seis pacientes foram excluídos do ensaio, três deles porque foram transferidos para os cuidados intensivos depois de terem sido administrados com hidroxicloroquina e um deles acabou mesmo por falecer.
O estudo chinês
No início de abril, um outro estudo, desta vez desenvolvido na China, também se debruçou sobre o poder da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Ao contrário do estudo francês, a escolha dos 62 pacientes foi aleatória e existiu uma comparação entre a evolução do grupo que não foi administrado com qualquer fármaco e o que recebeu o potencial tratamento.

O ensaio clínico concluiu que “o uso de hidroxicloroquina pode diminuir significativamente o tempo de recuperação”, dado que os pacientes administrados com o antimalárico apresentaram um período mais curto de sintomas como febre e tosse.

As críticas apontadas a este estudo focam-se, principalmente, na amostra, argumentando que o número de doentes estudados foi muito pequeno e não foram incluídos pacientes gravemente infetados.

Para além disso, o próprio estudo afirma que a eficácia do antimalárico como tratamento para a Covid-19 foi “parcialmente confirmado” e sublinha que são ainda necessárias investigações em grande escala para esclarecer este ponto.
Análise retrospetiva
Enquanto se aguarda resultados de testes em grande escala, alguns cientistas avançam com análises retrospetivas em pacientes que pretendem simular ensaios clínicos.

Um estudo desenvolvido por cientistas franceses em meados de abril selecionou uma amostra de pacientes que recebeu o medicamento e outra de doentes que não foram administrados com qualquer fármaco, comparando os seus comportamentos.

O estudo não observou “nenhuma evidência de eficácia clínica da hidroxicloroquina em pacientes hospitalizados por infeção por Covid-19”.

No entanto, tal como ressalva o jornal britânico The Guardian, para além de estas análises retrospetivas não substituírem os ensaios clínicos aleatórios, o estudo não foi ainda revisto por especialistas independentes.
Arritmias cardíacas como efeitos secundários
Entre as críticas sobre o uso de hidroxicloroquina estão os seus efeitos secundários, nomeadamente problemas no ritmo cardíaco. O medicamento pode também provocar convulsões e danos no fígado e rins.

Em abril, um grupo de investigadores no Brasil revelou que foram obrigados a interromper um ensaio clínico sobre o uso de cloroquina em grandes doses depois de observarem elevadas taxas de arritmias e um número significativo de mortes.

O artigo foi publicado no Jama Network Open e sublinha que “altas doses de cloroquina não devem ser recomendadas para o tratamento da Covid-19 devido aos seus potenciais riscos à segurança”.

O estudo, no entanto, foi projetado para comparar a eficácia de duas doses diferentes de cloroquina e não incluiu um grupo de pacientes que recebeu apenas um placebo. Os investigadores deste estudo concluíram que a administração de uma dose mais alta não é recomendada, mas ainda está a ser testada a eficácia de uma dose mais baixa.
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