Covid-19. Trump e trumpistas infetados receberam medicamentos para doentes prioritários

por Joana Raposo Santos - RTP
Rudolph Giuliani admitiu que, apesar de o seu estado não ser grave, recebeu o tratamento com anticorpos. Kevin Lamarque - Reuters

Rudolph Giuliani, advogado do ainda presidente norte-americano, admitiu ter recebido pelo menos dois dos mesmos medicamentos para tratar a Covid-19 que Donald Trump recebeu quando foi infetado, à semelhança do que já aconteceu com outros aliados do líder dos EUA. O tratamento com anticorpos a que foram submetidos escasseia nos hospitais dos Estados Unidos e nem todos os pacientes conseguem recebê-lo, pelo que a situação está a alarmar especialistas em ética na medicina.

O advogado pessoal de Trump foi o mais recente membro do seu círculo próximo a ser diagnosticado com Covid-19 e, tal como o atual presidente, também ele é um paciente de risco por ter já 76 anos e excesso de peso.

Na quarta-feira, Rudolph Giuliani admitiu que, apesar de o seu estado não ser grave, foi transportado para o hospital e recebeu um tratamento com anticorpos que neste momento é demasiado escasso para chegar a todos os norte-americanos infetados com o novo coronavírus. O advogado justificou o facto de ter recebido tratamento privilegiado com o seu estatuto de “celebridade”.

“Se não fosse quem sou, nem teria sido colocado num hospital, honestamente”, confessou Giuliani em entrevista à estação de rádio WABC. “Por vezes, quando se é uma celebridade, [os profissionais] receiam que, se algo nos acontecer, o assunto seja examinado mais cuidadosamente, então fazem tudo bem”.

Na mesma entrevista, através de chamada telefónica desde a sua cama de hospital, o advogado disse especificamente ter recebido os medicamentos Remdesivir e Dexametasona, assim como o cocktail de anticorpos que também Trump recebeu.

“Foi exatamente o mesmo [cocktail], foi o médico dele que me mandou para aqui. Ele é que me convenceu”, revelou Giuliani. “A partir do minuto em que tomei o cocktail, senti-me cem por cento melhor. Funciona muito rápido”.
“Não devíamos ter permitido”
A administração destes medicamentos ao aliado de Donald Trump está a levantar preocupações por parte de especialistas em ética na medicina, numa altura em que responsáveis do sistema de saúde se veem forçados a escolher quais os pacientes que recebem anticorpos e quais ficam excluídos da lista.

“Não devíamos ter permitido que Chris Christie [conselheiro de Trump] e Ben Carson [secretário do Departamento de Habitação] tivessem acesso a este tratamento”, defendeu o especialista em ética na medicina Arthur Caplan, em declarações ao New York Times.

Caplan, que ajuda empresas a decidir como racionar fármacos que escasseiam, referiu que o próprio Donald Trump interveio para que fosse administrado a Ben Carson o tratamento com anticorpos. “Não é dessa forma que se assegura o apoio público a difíceis sistemas de racionamento”, lamentou.

Depois de receber o cocktail, Carson, de 69 anos, escreveu no Facebook que estava “desesperadamente doente” devido ao novo coronavírus até à intervenção do presidente.

“O presidente Trump estava a seguir a minha condição e autorizou que eu recebesse o tratamento com anticorpos monoclonais que também ele já tinha recebido, e estou convencido de que isso salvou a minha vida”, disse o membro do Governo.
Estados forçados a sortear quem recebe tratamento
A escassez destes tratamentos com anticorpos é tal que, no Estado do Utah, os profissionais estabeleceram um sistema de prioridade para quem os recebe, enquanto no Colorado é usado um sistema de “sorteio”.

Os tratamentos em questão são anticorpos monoclonais desenvolvidos pela farmacêutica Eli Lilly e cocktails de dois anticorpos monoclonais desenvolvidos pela empresa de biotecnologia Regeneron.

Ambos receberam, no mês passado, autorização da agência federal Food and Drug Administration (FDA) para uso de emergência em pacientes “ligeiros a moderados” que estejam em risco elevado de verem a doença progredir ou de serem hospitalizados.

Nos últimos meses, até membros da FDA se mostraram preocupados com o facto de membros da Casa Branca estarem a ter acesso a estes medicamentos sem que cumpram os requisitos. Mas não são apenas políticos quem tem conseguido receber indevidamente estes fármacos.

Na quarta-feira, um empresário de estatuto elevado falou em condição de anonimato com o New York Times e confessou os seus esforços para conseguir obter estes medicamentos, mesmo não se qualificando para ter esse acesso.

Depois de telefonar a amigos administradores de hospitais, acabou por ser encaminhado para as emergências do hospital da sua área de residência, onde o aguardavam para lhe administrarem os anticorpos. Agora disse sentir-se muito melhor.
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