"Cruel e devastador" ou "vitória histórica"? As reações à reversão do direito ao aborto nos EUA
O direito constitucional das mulheres ao aborto nos Estados Unidos foi revertido pelo Supremo Tribunal, passando a caber a cada Estado legislar sobre a matéria. O futuro da saúde reprodutiva das mulheres fica, a partir de agora, nas mãos dos governadores norte-americanos. O contraste nas reações espelha o quão fraturante é a decisão hoje tomada, que vem aprofundar o fosso entre democratas e republicanos e que tem o poder de originar protestos históricos nos EUA.
Para estes juízes, “seja qual for o resultado das leis que aí vêm, um resultado da decisão de hoje é certo: a redução dos direitos das mulheres e do seu estatuto enquanto cidadãs livres e iguais”.
“O [Supremo] Tribunal retirou expressamente um direito constitucional já reconhecidodo ao povo americano. Não o limitou: simplesmente retirou-o. Este é um dia sombrio para o Tribunal e também para o país”.
Para Biden, “existe um equilíbrio muito delicado entre o direito da mulher de decidir sobre a sua gravidez e a capacidade do Estado de regulamentar a interrupção da gravidez”, tendo sido alcançado um consenso com a Roe v. Wade.
Agora, “num culminar de esforços deliberados de décadas”, esta lei foi revogada, naquele que “é um erro trágico” resultante de “uma ideologia extremista”, lamentou o líder.
“Peço a todos, independentemente do quão afetados são por esta decisão, que mantenham pacíficos os protestos. Pacíficos, pacíficos, pacíficos. Sem intimidações. A violência nunca é aceitável”, alertou.
“Hoje, o Supremo Tribunal - controlado por republicanos - alcançou o objetivo obscuro e extremo do Partido Republicano de retirar às mulheres o direito de tomarem as suas próprias decisões de saúde reprodutiva. Por causa de Donald Trump, de Mitch McConnell, do Partido Republicano e da sua supermaioria no Supremo Tribunal, as mulheres americanas têm hoje menos liberdade do que tinham as suas mães”, lamentou Pelosi em comunicado.
A democrata referia-se ao facto de o Supremo Tribunal ter uma maioria republicana devido à decisão de 2020 de Donald Trump, então presidente, de nomear a conservadora Amy Coney Barrett para substituir a democrata Ruth Bader Ginsburg.
Republicanos aplaudem “segunda oportunidade para a vida”Across the country, states have already passed bills restricting choice. If you're looking for ways to respond, @PPFA, @USOWomen, and many other groups have been sounding the alarm on this issue for years—and will continue to be on the front lines of this fight. pic.twitter.com/PpXBEcbL2S
— Barack Obama (@BarackObama) June 24, 2022
Do lado republicano as reações foram, evidentemente, de contentamento. "Esta é uma vitória histórica para a Constituição e para os mais vulneráveis da nossa sociedade", considerou o líder republicano do Senado, Mitch McConnell, falando numa decisão "corajosa e correta".
O ex-vice-presidente Mike Pence disse por sua vez que, “hoje, a vida ganhou”. “Ao reverter a Roe v. Wade, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos deu ao povo americano um novo começo para a vida. Aplaudo a justiça da maioria [republicana], que teve a coragem de avançar com as suas convicções”.
Para o ex-vice de Donald Trump, “tendo sido dada esta segunda oportunidade à vida, agora não devemos descansar nem ceder até que a santidade da vida seja restaurada no seio da lei americana em todos os Estados do país”.
Com a nação ainda abalada pela decisão histórica, alguns Estados democratas começam já a dar garantias do acesso ao aborto às mulheres que o procurem. Nova Iorque é um deles, com a procuradora-geral Letitia James a garantir que este Estado “será sempre um porto seguro para quem procura um aborto”.
“A decisão cruel do Supremo Tribunal de derrubar a Roe v. Wade é um dos momentos mais sombrios da história desta nação. Mas não tenham dúvidas: enquanto outros Estados retiram o direito fundamental à escolha, Nova Iorque sempre será um porto seguro para quem procura um aborto”, assegurou James no Twitter.
The Supreme Court's vicious decision to overturn Roe v. Wade is one of the darkest moments in the history of this nation.
— NY AG James (@NewYorkStateAG) June 24, 2022
Make no mistake: While other states strip away the fundamental right to choose, New York will always be a safe haven for anyone seeking an abortion.
“Trabalharei incansavelmente para garantir que os mais vulneráveis e que as pessoas de Estados hostis tenham acesso a estes cuidados que salvam vidas. Todos nesta nação merecem o direito de tomar as suas próprias decisões sobre os seus corpos”, acrescentou.
No Michigan, a governadora Gretchen Whitmer considerou “devastadora” a situação e prometeu “continuar a lutar como os diabos para proteger o acesso ao aborto”.
O procurador-geral do Missouri, Eric Schmitt, anunciou esta tarde que o Estado se tornou “o primeiro do país a acabar efetivamente com o aborto”.
Esta rápida ação de Schmitt era já expectável e representa precisamente o maior receio dos defensores do aborto caso o Supremo Tribunal derrubasse a Roe v. Wade. Treze Estados norte-americanos tinham já preparadas leis anti-aborto que começam agora a entrar em vigor, proibindo quase totalmente o acesso à interrupção voluntária da gravidez.
“A Roe v. Wade não tem absolutamente nenhuma relação com a Constituição dos EUA”, considerou Paxton. “Hoje, a questão do aborto volta aos Estados. E, no Texas, essa questão já foi respondida: o aborto aqui é ilegal. Estou ansioso por defender as leis pró-vida do Texas e as vidas de todas as crianças daqui para a frente”.
A Academia para a Vida do Vaticano louvou esta sexta-feira a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos sobre o aborto, considerando que esta "desafia o mundo inteiro" em questões de vida.
O Vaticano acredita ainda que a defesa da vida humana "não pode limitar-se aos direitos individuais", uma vez que a vida é uma questão de "amplo significado social".
“Este é um poderoso convite à reflexão sobre os valores da sociedade ocidental em relação à vida”, considera a Igreja Católica.
Os ativistas pró-escolha também já começaram a reagir à decisão do Supremo. O presidente da organização Planned Parenthood Action Fund, Alexis McGill Johnson, garantiu que os defensores do acesso ao aborto não vão recuar e prometeu a “todas as pessoas que hoje estejam assustadas e zangadas” que “reconstruiremos e reivindicaremos a liberdade que é nossa”.
“Ao retirar os nossos direitos, o Supremo Tribunal e os políticos antiaborto também desencadearam um movimento. Somos um movimento que não comprometerá os nossos corpos, a nossa dignidade nem a nossa liberdade”, declarou o ativista em comunicado.
Por outro lado, os ativistas pró-vida vieram louvar a decisão. “Sentimo-nos empoderados por ir de Estado em Estado a lutar por aquilo em que acreditamos. Antes não podíamos sequer ter uma conversa nas legislaturas estaduais”, declarou Penny Nance, presidente do grupo anti-aborto Concerned Women for America.