Democracia no Brasil preservada graças à força das instituições

por Lusa

O juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Mendes disse hoje que a democracia no país foi preservada graças à força das instituições e defendeu a necessidade de se regular conteúdos na Internet para combater a desinformação.

"Tivemos quatro anos de um Governo [de Jair Bolsonaro] muito complexo e que decidiu pelo enfrentamento às instituições. O próprio Supremo Tribunal Federal [STF] foi alvo de muitos ataques diretamente do próprio Presidente Bolsonaro", afirmou Gilmar Mendes, que acrescentou "o negacionismo" do anterior executivo brasileiro em relação à pandemia de covid-19.

"E hoje nós vemos que, diferentemente do que aconteceu em outros países, a democracia foi preservada no Brasil graças à força das instituições, graças, inclusive, ao papel da Suprema Corte [STF] e do Tribunal Superior Eleitoral", disse o juiz à agência Lusa em Madrid, onde hoje participou no encontro Fórum Transformações - Revolução Digital e Democracia, organizado pelo Fórum de Integração Brasil Europa (FIBE).

Gilmar Mendes respondeu desta forma quando questionado sobre os ensinamentos para o resto do mundo, ou que referência pode ser o caso do Brasil no debate dos desafios e ameaças à democracia, sobretudo, no contexto da desinformação e das designadas `fake news`.

"Eu poderia estar aqui contando a história da derrocada de uma corte [tribunal]. Mas, ao contrário, nós apresentamos o resultado de um sucesso, de uma operação bem-sucedida. As instituições fortes impediram a debacle da democracia no Brasil", insistiu.

O STF continua hoje a ser alvo de ataques e críticas, por causa de decisões relacionadas com os conteúdos na Internet, a que dão voz Jair Bolsonaro (que deixou de ser Presidente no final de 2022) e organizações próximas do ex-chefe de Estado, e a que recentemente se juntou o empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter).

Estas vozes falam em censura do STF, "ditadura judicial" no Brasil ou ataques ao direito de expressão.

"Obviamente que isso é um total exagero", disse hoje Gilmar Mendes.

O juiz do STF desde 2002 realçou que aquilo que existe é um debate sobre a "eventual retirada de conteúdo [da Internet] quando há omissão dos provedores na própria moderação de conteúdos" relacionados, por exemplo, com pedofilia ou crimes contra a honra, ao abrigo daquilo que já está previsto em diversa legislação.

"Em geral é isso que tem ocorrido e isso tem sido muitas vezes massivamente divulgado como se fosse algo próximo a uma censura. Nada de censura, são cuidados, são deveres de cuidados que muitas vezes não são observados pelos provedores e que o judiciário [poder judicial] então determina que seja observado", explicou.

Para o juiz do STF, a tecnologia e o uso da Internet foram vistos, num primeiro momento, como "uma grande oportunidade para a ampliação da democracia", dando o exemplo do movimento que ficou conhecido como "primavera árabe".

"Mas depois também vimos que ela pode ser uma ameaça, essa criação das chamadas bolhas virtuais", acrescentou o juiz, que deu como exemplo o referendo do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), um dos primeiros casos que revelou a existência de "algum perigo" nos processos eleitorais.

Seguiram-se eleições em que "os sistemas tradicionais foram abandonados em favor das redes", com "uso massivo das `fake news`", e "por isso o debate sobre a regulação", defendeu.

"Eu acho que [a tecnologia e a Internet] é um dado da nossa realidade. Não podemos fugir, não temos como retroceder, mas é claro que precisamos ter algum tipo de disciplina", acrescentou.

O juiz realçou que a tecnologia e a Internet prestam um "grande serviço" e estão presentes no dia a dia da generalidade das sociedades, "mas é preciso ter cuidados para que não haja a própria manipulação da consciência das pessoas, que as pessoas não tomem decisões a partir dessa residência ou habitação em bolhas".

Gilmar Mendes explicou que foi neste contexto que o STF avançou recentemente com uma resolução que regula as `fake news` e a sua retirada da Internet, assim como "o mau uso da chamada propaganda por inteligência artificial", reconhecendo que a regulação destas temáticas é "um grande desafio".

O juiz congratulou-se por haver no Brasil, atualmente, um "consenso básico" entre diferentes forças políticas para avançar com legislação como a de combate às `fake news` e disse estar "bastante otimista em relação à paz política" no país, além de continuar a ter "muita confiança" na "força das instituições para a manutenção da normalidade".

 

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