Ditadura egípcia encena grande inauguração de "novo" Canal do Suez (actualizada com resposta da Embaixada do Egipto em Portugal)

por RTP
Mohamed Abd El Ghany, Reuters

O Egipto está a preparar-se para a grande festa de abertura do novo canal do Suez, esta quinta-feira, o alargamento da estrutura que há século e meio liga a Europa à Ásia – primeiro o Mediterrâneo ao Mar Vermelho e, logo depois, Mar Arábico e Oceano Índico. O empreendimento está contudo a ser criticado por aparentemente obedecer mais às necessidades de consolidação política dos novos líderes egípcios do que à contabilidade económica apresentada pelo regime, mas cujas contas saem furadas nas análises de vários especialistas.

(Este artigo escrito na quarta-feira, 5 de agosto de 2015, é agora (6 de agosto) reeditado ao abrigo do direito de resposta, por solicitação do Embaixador do Egipto em Portugal, incluindo no final o texto enviado à redação do online da RTP pela Embaixada da República Árabe do Egipto.)

Visto como mais um empreendimento faraónico dos egípcios, o alargamento do Canal do Suez estará por esta altura concluído, permitindo mais fluidez do tráfego de navios mercantes que atravessam o mundo com destino à Europa via Mediterrâneo.

Com quase 150 anos – foi inaugurado em 1869, dez anos após o início da construção –, o canal que permite aos navios pouparem os mais de 8.000 km extra que representa a viagem para a Europa contornando o continente africano beneficiou já de inúmeros melhoramentos ao longo dos anos.

Desta vez falamos de um face-lift estimado em 8,2 mil milhões de dólares, que abre 35 km de novas vias paralelas e reparação em outros 37 km do percurso entre Port Said, no Mediterrâneo, a Suz no Mar Vermelho: nomeadamente, o alargamento e o aprofundamento do leito, o que permitirá a circulação dos navios de maior porte sem condicionamento do tráfego.

Trata-se, contudo, de uma obra faraónica do regime do general Abdel Fatah al-Sisi, o novo presidente egípcio, vista por muitos sectores como uma forma de estabilizar a frágil estrutura sócio-política do país desde que foi deposto Hosni Mubarak.Estagnada nos 2 por cento

Desde 2011 que a administração do Canal do Suez tem manifestado dificuldades em acompanhar o crescimento anual do volume de transacções à volta de 2,9% a nível global.


O empreendimento agora terminado está a ser criticado, mormente face aos supostos cálculos económicos que determinaram a sua construção: estas contas foram feitas na perspectiva de um crescimento anual de 9% nas trocas comerciais a nível mundial até 2023. Trata-se de um crescimento nominal de 5,3 mil milhões de dólares em 2014 para os 13,13 mil milhões em 2023, com um aumento da circulação diária de navios de 49 para quase o dobro – 97.

São contudo expectativas demasiado optimistas na opinião dos especialistas ouvidos pela France Presse.

Ahmed Kamaly, economista e professor na Universidade Americana do Cairo, refere esta contabilidade como uma “ilusão”: “Não existe um estudo de viabilidade económica que se conheça no sentido de garantir a viabilidade deste projecto”.

Por outro lado, na equação económica entra ainda o Canal do Panamá, que disputa com o Suez o comércio do Oriente. Prevê-se que em 2016 esteja concluída a expansão do Canal do Panamá, o que deverá representar o roubo de uma fatia do comércio via Mediterrâneo.Maersk Line

O maior cliente do canal estima que não haverá grande alteração no número de navios a circular no Suez: “O ano passado pusemos 1400 navios no canal. Este ano andaremos à volta deste número”.


Entretanto, Kamaly não descarta que o melhoramento do Canal do Suez represente desde logo um melhoramento para a região.

Fala no entanto de benefícios políticos num país há quase meia década a viver distúrbios sociais, transições de poder e conflitos religiosos que minaram irremediavelmente uma estabilidade antes assegurada com mão de ferro por Mubarak.

“[O canal] vai unir o povo em torno de um grande projecto nacional para o qual pode voltar-se”, afirmou aquele economista, sublinhando contudo que o dinheiro talvez tivesse sido mais bem aplicado em educação, saúde ou infraestruturas.

Esta ideia de que o projecto tem por trás mais motivações políticas do que económicas pode ler-se na decisão do Governo do general Sisi, de tornar o 6 de agosto um dia de feriado nacional, com transportes gratuitos e um sermão escrito propositadamente para ser lido sexta-feira nas mesquitas e no qual se ouvirá: “Todos os egípcios, aqui e no estrangeiro, devem unir-se e apoiar este grandioso projecto”.

A embaixada contactou o online da RTP com pedido de direito de resposta, que publicamos abaixo:



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