Trump força Zelensky a aceitar proposta de Putin para conversações na Turquia
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou este domingo que está pronto a encontrar-se com o homólogo Vladimir Putin em Istambul, na próxima quinta-feira, depois de o presidente norte-americano, Donald Trump, lhe ter dito para aceitar imediatamente a proposta russa de conversações.
Numa publicação na rede X, Zelensky disse esperar pelo início de um cessar-fogo a partir desta segunda-feira, de forma a providenciar a base necessária para a diplomacia por fim à guerra.
"E estarei à espera de Putin na Turquia, quinta-feira", anunciou.
Foi o presidente russo a fazer a proposta de reunião para dia 15 de maio, numa alocução de madrugada na Rússia, uma hora após o fim de três dias de cessar-fogo unilateral de Moscovo, por ocasião das celebrações do Dia da Vitória, e em pleno prime time nos Estados Unidos. As reações imediatas foram de esperança. Volodymyr
Zelensky, presidente da Ucrânia, falou num "sinal positivo", Emmanuel
Macron, líder de França, num "primeiro passo" e Donald Trump, presidente
dos Estados Unidos, mostrou-se ansioso por "acabar com o banho de
sangue".
Apesar da pressão de Trump para que o encontro ocorra, não é claro o que poderá ser alcançado.
Putin afirmou que a reunião não carece de tréguas para se realizar, referindo que esse será um dos temas da agenda e sublinhando que quaisquer negociações terão de abordar "as causas profundas do conflito".
À conversa com repórteres, um dos altos responsáveis do Kremlin, Yuri Ushakov, aprofundou depois as reais intenções russas por trás da proposta. As conversações deverão ter em conta um esboço da proposta russa de paz descartada, de 2022, e a "situação no terreno", afirmou.
A primeira prevê que a Ucrânia aceite tornar-se neutral, em troca de promessas de segurança por parte de Moscovo, e a segunda quer o controlo russo de partes da Ucrânia, que sempre esteve em cima da mesa. Nas entrelinhas, percebe-se assim que nada de realmente novo se inclui na proposta russa para conversações.
De acordo com vários analistas, Putin não pretendeu na verdade qualquer avanço para a paz, ou recuo nas suas pretensões. A sua proposta foi apenas uma reação aborrecida do senhor do Kremlin ao ultimato feito horas antes pelos líderes da França, da Polónia, da Alemanha e do Reino Unido em Kiev, para levar a Rússia a aceitar um cessar-fogo de 30 dias a partir de 12 de maio, sob pena de sanções agravadas.
A resposta do presidente russo foi afirmar-se pronto para debater a paz mas nos seus termos e, naturalmente, sem qualquer cessar-fogo.A ter em conta a reação de Donald Trump, pressionando Zelensky para ir a Istambul, Putin poderá ter também de novo inquinado uma eventual reaproximação entre os líderes europeus e Washington nos esforços de resolução da guerra.
Trump quer acabar com o conflito e com a "perda de vidas humanas" e parece concordar com a narrativa do Kremlin, que acusa os europeus de só estarem interessados em alimentar a guerra.
Pelo contrário, o presidente russo quer apresentar-se como um "homem de paz", sobretudo depois de ter irritado Trump com as suas exigências para tréguas de 30 dias, inicialmente acordadas com Washington em finais de março.
Moscovo considera que não tem quaisquer vantagens em calar as armas, quando está a ganhar terreno e a consolidar conquistas.
A resposta de Zelensky a Putin tinha sido inicialmente muito mais cautelosa, sem qualquer compromisso e sublinhando a importância do cessar-fogo já esta segunda-feira como prelúdio para a reunião de Istambul. "É inútil prosseguir com a matança", declarou.
Depois de confirmar que irá encontrar-se com Putin, o presidente ucraniano declarou aos joranlistas que está ainda à espera da resposta do Kremlin à proposta de sábado para tréguas de 30 dias. E acrescentou que as forças ucranianas estariam prontas para responder simetricamente se as tropas russas violassem o cessar-fogo.
Também Emmanuel Macron, presidente de França, sublinhou no X que "não pode haver diálogo se, ao mesmo tempo, civis estão a ser bombardeados. Um cessar-fogo é necessário agora, para que as negociações possam começar. Pela paz".
Já depois da anuência de Zelensky em deslocar-se a Istambul, Macron insistiu "na necessidade de tréguas" para que o encontro possa ter lugar.
Antes da pressão de Donald Trump, a probabilidade da reunião em Istambul chegar a concretizar-se era escassa, até porque as exigências de Moscovo não mudaram e a possibilidade de um acordo nos termos propostos pelo Kremlin será, para a Ucrânia, difícil, senão mesmo impossível, de engolir.A Constituição da Ucrânia, emendada em 2019, impede por exemplo a declaração de neutralidade requerida pelos russos, já que inclui o objetivo do país se tornar "pleno membro da NATO".
Zelensky já admitiu que parte do território ucraniano poderá ter de ser cedido à Rússia, mediante negociações após um cessar-fogo, mas, a Constituição ucraniana impede também qualquer cedência legal de território, o que pode constituir um obstáculo firme a quaisquer acordos.
Existem ainda razões históricas para a resistência de Zelensky. Sucessivos governos ucranianos pró-ocidentais têm, desde 2014, lutado sempre contra as exigências territoriais de Moscovo, inicialmente tentadas através de grupos separatistas pró-russos locais, numa guerra de atrito a leste, sobretudo no Donbass, numa das zonas mais industrializadas e ricas do país.
Após oito anos de esforços infrutíferos dos seus representantes para seccionar as regiões, a guerra declarada em fevereiro de 2022 permitiu à Rússia ocupar atualmente um quinto do território da Ucrânia, apesar da resistência e do apoio militar ocidental a Kiev. O Kremlin tem pressionado repetidamente a Ucrânia a reconhecer a "realidade no terreno".
"Regressar às fronteiras de 1991"
"Regressar às fronteiras de 1991"
Na frente ucraniana de guerra, em Zaporizhia, um soldado da Guarda Nacional, com o nome de código Chepa, aconselhou Zelensky a só aceitar conversações após uma retirada total russa respeitando o território estabelecido na independência ucraniana de Moscovo.
"Como soldado e cidadão da Ucrânia, creio que antes de nos sentarmos à mesa das negociações, devíamos regressar às fronteiras de 1991", afirmou à agência Reuters.
"É isso. Retirada total de todas as tropas do território da Ucrânia. Então podemos falar. O que quer que ele [Putin] esteja a pensar, tomar certas regiões ou dividir territórios, ninguém lhe deu esse direito", acrescentou, apoiado em coro pela restante unidade.
Também Chepa quer negociações e tréguas, mas o soldado teme que elas nunca venham a ocorrer. "Sim, precisamos de negociações. Mas ele [Putin] tem medo de conversações". A brigada sublinhou que não viu qualquer suspensão dos ataques durante as tréguas anunciadas por Moscovo.
"Não vimos qualquer cessar-fogo, estivemos sob ataque contínuo de howitzers, artilharia, usaram de tudo. Não vivemos qualquer cessar-fogo", garantiu, ao mesmo tempo que mencionava "intensos movimentos militares russos e civis" numa aldeia próxima da linha da frente.