Earendel. Estrela mais distante de sempre detetada pelo telescópio espacial Hubble

A descoberta é considerada extraordinária por abrir uma janela para a formação das primeiras estrelas após o Big Bang, uma vez que a estrela, batizada Earendel, já existia nos primeiros milhares de milhões de anos da história do Universo.

RTP /
A área do Universo onde foi detetada Earendel NASA

Nunca o telescópio Hubble tinha visto algo tão para trás no tempo. "A estrela agora detetada está tão distante que a sua luz demorou 12,9 mil milhões de anos a chegar até nós e surge-nos como era quando o Universo tinha sete por cento da sua idade atual" refere o comunicado da NASA. Os objetos mais pequenos detetados a distâncias semelhantes tinham sido até agora conjuntos de estrelas, designados clusters, integrados em galáxias dos primeiros tempos.

Apesar da sua massa imensa e brilho intenso só foi possível detetar Earendel graças à presença de um conjunto de galáxias muito distante entre a Terra e a estrela, cuja presença distorceu o espaço formando uma curva gravitacional amplificadora natural do que estava atrás.

“Quase não acreditámos, de início, era tão mais distante do que a anterior estrela mais distante”, reagiu Brian Welch da Universidade John Hopkins de Baltimore e autor principal do artigo que descreve a descoberta, publicado na edição de 30 de março da revista Nature.

A deteção aconteceu durante a análise de dados recolhidos durante o programa RELICS, liderado pelo coautor do artigo Dan Coe, do Instituto da Ciência de Telescópios Espaciais, também de Baltimore.
Estrela da Manhã
“Normalmente a estas distâncias as galáxias parecem pequenos borrões, com a luz de milhões de estrelas a misturar-se”, referiu Welch citado pela nota de imprensa da NASA. “A galáxia onde esta estrela se encontra foi amplificada e distorcida pela lente gravitacional formando um arco longo, que batizamos Arco do Sol Nascente”, explicou.

Ao estudar a galáxia em maior detalhe, Welch determinou que uma das características observadas no arco era uma estrela. Deu-lhe o nome Earendel, que significa Estrela da Manhã em inglês antigo.

Earendel encontra-se no período designado como redshift [desvio vermelho] 6.2, tão antigo que poderá vir a provar a existência e a perceber a composição das até agora meramente teóricas estrelas gigantes primordiais. Os cientistas usam o termo redshift porque, à medida que o Universo se expande, a luz dos objetos mais distantes se alonga, ou desvia para comprimentos de onda mais vermelhos ao ser observada da Terra.

A anterior estrela mais antiga, detetada em 2018, tinha cerca de quatro mil milhões de anos, correspondente a um período referido pelos astrónomos como redshift 1.5 de 30 por cento da idade do Universo. A sua luz levou nove mil milhões de anos a chegar à Terra. Trata-se de uma gigante azul que foi denominada Icarus.

Earendel existiu há tanto tempo que pode não ter tido os mesmos compostos das estrelas que nos rodeiam atualmente”, afirmou Welch. “Estuda-la será como abrir uma janela para uma era do Universo com a qual não estamos familiarizados mas que antecedeu tudo o que conhecemos. É como estar a ler um livro mesmo muito interessante mas termos começado no segundo capítulo e agora temos a oportunidade de ver como tudo começou”.
Confluência de fatores raros
De acordo com o estudo, Earendel terá pelo menos 50 vezes a massa do nosso Sol e ser milhões de vezes mais brilhante, rivalizando com a maioria das estrelas massivas que conhecemos.

Apesar disso, seria indetetável na Terra se não fosse a existência entre ela e o nosso planeta de um enorme cluster de galáxias, o WHL0137-08, que atuou como um amplificador natural. A massa do cluster distorceu o espaço e criou uma poderosa lente amplificadora que distorceu e aumentou em muito a luz de objetos distantes atrás de si.

Noutra circunstância rara, o alinhamento do WHL0137-08 permitiu detetar a Earendel diretamente numa ou muito próxima de uma onda gravitacional que providenciou a máxima amplificação e luminosidade.
Detalhe da localização de Earendel. Foto - NASA
O fenómeno equivale aos efeitos de luz no fundo de uma piscina criados pela ondulação à superfície num dia de sol. As ondas agem como lentes e focam a luz do sol no fundo maximizando-a. Conhecido como cáustico, o efeito faz com que Earendel se destaque do brilho geral da sua galáxia. O seu brilho é amplificado no mínimo milhares de vezes.
Próximo passo: o James Webb
Earendel deverá continuar bastante ampliada durante vários anos e será por isso observada pelo novíssimo Telescópio Espacial James Webb, mal este comece a funcionar. O James Webb é altamente sensível à luz infravermelha sendo por isso necessário para estudar a estrela devido ao seu redshift causado pela expansão do Universo.

Os astrónomos esperam por exemplo vir a determinar se Earendel é ou não uma estrela binária, apesar da maioria das grandes estrelas terem pelo menos uma estrela companheira. Esse será contudo um mero detalhe.

“Com o Webb esperamos confirmar que Earendel é realmente uma estrela, assim como medir o seu brilho e temperatura”, afirmou Coe. Tais pormenores irão ajudar a determinar o tipo e estádio de vida da estrela.

“Esperamos também verificar que a galáxia do Arco do Sol Nascente não possui os elementos pesados que se formaram em gerações seguintes de estrelas. Isto iria sugerir que Earendel é uma rara estrela massiva pobre em metais”, acrescentou o investigador.

A composição de Earendel irá ser de grande interesse para os astrónomos por ela se ter formado antes do Universo se encher de elementos pesados, produzidos por sucessivas gerações de estrelas massivas.


Se os próximos estudos confirmarem que Earendel é formada por hidrogénio e hélio primordiais, será a primeira prova da existência das lendárias estrelas Population III, que se crê terem sido as primeiras a formar-se após o Big Bang.

A probabilidade é, apesar de tudo, diminuta, apesar de atraente, reconhece Welch. “Com o Webb poderemos ver estrelas ainda anteriores a Earendel, o que seria incrivelmente excitante”, afirmou. “Iremos tão atrás quanto pudermos. Amaria ver o Webb quebrar o recorde de distância de Earendel”.
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