Eleições intercalares. Trump enfrenta oposição do Congresso na reta final do mandato

por Andreia Martins - RTP
Com a reconquista da maioria democrata na Câmara dos Representantes, Donald Trump deverá contar com oposição legilsativa sem precedentes desde que iniciou o mandato Carlos Barria - Reuters

Oito anos depois, o Partido Democrático recupera a maioria perdida nas eleições intercalares de 2010 e ganha um novo fôlego que lhe poderá permitir influenciar a atuação da atual Administração. No entanto, nem tudo foram derrotas no campo republicano. Enquanto isso, os democratas movem-se com prudência no campo político norte-americano, cada vez mais dividido.

Ao início do dia, após as eleições intercalares, Donald Trump anunciava no Twitter: ”Agora podemos todos voltar ao trabalho e fazer coisas”. No entanto, os números que resultaram do escrutínio prometem dificultar a atuação do Presidente norte-americano nos próximos dois anos de mandato. Não houve uma “onda azul” avassaladora, até porque os republicanos conseguiram alargar a maioria no Senado, mas a Casa Branca terá a partir de agora uma força de bloqueio na Câmara de Representantes.


O Partido Democrático recupera nesta eleição a maioria perdida nas eleições intercalares de 2010. No 116º Congresso norte-americano, eleito esta terça-feira e que irá entrar em funções a 13 de janeiro de 2019, não haverá uma liderança absoluta por parte do Partido Republicano.

Segundo revelam os números mais recentes, a Câmara dos Representantes passa a ter maioria do Partido Democrático, com pelo menos 229 lugares, contra os 206 deputados do Grand Old Party. No Senado, o partido de Donald Trump conseguiu reforçar a maioria de 51 para 53 senadores num total de 100 lugares. Ao contrário do que aconteceu em 2016, aquando da vitória de Donald Trump, os resultados surgiram em linha com o que tinha sido avançado pelas principais sondagens nos últimos dias.

No entanto, e tendo em conta o passado recente da política norte-americana, Donald Trump não enfrenta nada de novo. Os resultados desfavoráveis do partido residente na Casa Branca em eleições intercalares registaram-se, por exemplo, nos casos de todos os ex-presidentes, desde Bill Clinton a George W. Bush e a Barack Obama.
Viragem para a política externa? 

Mas o que significam estes números do Capitólio para o dia-a-dia da política norte-americana, daqui em diante, apesar de Trump reclamar uma “vitória tremenda” do Partido? Em primeiro lugar, no Capitólio estará um Congresso menos favorável à Presidência, uma vez que deixa de estar totalmente nas mãos do Partido Republicano. Mas as opiniões dividem-se quanto ao real poder adquirido pelos democratas nestas eleições.

A CNN escreve esta quarta-feira que a “onda azul” não foi um “tsunami” e que isso poderá ser um sinal de que os Democratas ainda estão à procura da sua identidade pós-Obama, bem como de novos líderes.

Mas a conquista da Câmara dos Representantes poderá ser um travão significativo da oposição às ambições e planos legislativos de Donald Trump, uma vez que são várias as medidas que têm de ser aprovadas pelas duas câmaras do Congresso para serem implementadas, sobretudo no plano interno, de que são exemplo as reformas fiscais ou o plano de construção do muro na fronteira com o México, duas grandes bandeiras da Presidência que correm agora o risco de não ser aprovadas.

É por isso que os especialistas e analistas esperam que Donald Trump se foque na política externa, onde o Presidente goza de maior autonomia, até 2020.

“Os resultados das eleições mostram até que ponto estamos divididos. O ano de 2020 está para breve enquanto ambos os lados procuram um desfecho a seu favor. Este é um mau presságio para que se consiga fazer algo ao nível interno, apesar dos grandes desafios. É mais provável que Donald Trump se vire mais para a política externa”, considera Richard N. Haass, presidente do Council of Foreign Relations.

Impeachment?

Mas nem só no plano legislativo se poderá fazer sentir o recém-conquistado poder dos democratas. A imprensa norte-americana destaca a possibilidade de bloqueio da ação da Casa Branca com processos de investigação ou mesmo de impeachment contra o Presidente norte-americano.

Mesmo que aprovada na câmara baixa do Capitólio, a destituição de Donald Trump teria de ser aprovada também no Senado, um cenário improvável tendo em conta que os Republicanos continuam a dominar na câmara alta. Contudo, seria um elemento de desgaste e distração contra os Democratas rumo à próxima eleição presidencial.

O primeiro passo de um eventual processo de impeachment passa pela aprovação por maioria simples na Câmara dos Representantes

Os Democratas têm sido cuidadosos em alertar para esta como uma verdadeira possibilidade para o futuro, até porque qualquer processo nesse sentido tem de se basear em provas evidentes de ações por parte da Administração para subverter a Constituição tão óbvia que possa mesmo arrecadar votos republicanos. De outra forma, um processo de destituição, ainda que aprovado, poderá ter efeitos negativos para o próprio Partido Democrático.

“Na altura pensámos que seria uma boa ideia avançar com o impeachment contra Bill Clinton, mas o público zangou-se connosco e teve pena dele. Um processo destes pode acabar por não funcionar a favor deles, de todo”, alertou Mitch McConnel, líder da maioria republicana no Senado, em entrevista à agência Reuters na antevisão destas eleições.

Há ainda a possibilidade de abrir procedimentos que obriguem o Presidente a divulgar declarações fiscais antigas através de intimações (subpoenas).

“O dia de hoje é mais do que sobre Democratas ou Republicanos, é sobre a restauração dos mecanismos constitucionais de verificação e controlo da Administração Trump”, afirmou Nancy Pelosi, líder da minoria democrata na Câmara dos Representantes e a mais provável líder da recém-eleita maioria.
Cautela dos democratas

Em última análise, ao controlarem os comités da Câmara dos Representantes, os Democratas poderão lançar várias investigações que desgastem a agenda política de Donald Trump e escrutinem a sua vida política e pessoal.

“Estou convencido de que Donald Trump não faz ideia do que está para acontecer: o facto de que a Câmara dos Representantes tem uma ampla autoridade para investigar cada centímetro da sua Administração. O Presidente vai negar que as coisas vão mudar, mas a realidade é que o seu mundo virou-se ao contrário esta noite”, disse o democrata Jim Manley, em declarações à agência Reuters.

Ainda assim, o editorial desta quarta-feira do jornal The New York Times aconselha os Democratas a serem cuidadosos nas batalhas que escolhem travar daqui em diante. Mesmo quanto ao processo de destituição, a publicação norte-americana assinala que seria prudente aguardar pelos avanços na investigação liderada por Robert Mueller sobre a alegada ingerência russa nas eleições presidenciais de 2016. Nas próximas semanas, os advogados do Presidente deverão aceder ao pedido do procurador especial para uma declaração por parte de Donald Trump.

Menos otimista quanto ao poder detido pelos democratas com este resultado, o conselho editorial do Wall Street Journal considera que o alegado poder de verificação por parte do Congresso é “um mau argumento”.

“Vão fazer como que ele se comporte com o decoro de um Presidente típico? Vão retirá-lo do Twitter? Censurá-lo com resoluções do Congresso por esta ou aquela declaração e depois atormentá-lo com intimações e múltiplas investigações? (…) Ninguém vai controlar Donald Trump, a menos que ele se queira controlar, e quanto mais atacado e acusado for, menos controlado estará”, pode ler-se no artigo desta quarta-feira.
Um jogo a dois
Numa previsão do que poderão ser os próximos meses de contenda entre a Casa Branca e a Câmara dos Representantes, o Presidente norte-americano deixou a ameaça de incentivar medidas semelhantes na câmara alta:

“Se os democratas pensam que vão desperdiçar o dinheiro dos contribuintes a investigar-nos ao nível da Câmara dos Representantes, então seremos obrigados a considerar uma investigação contra eles por todas as fugas de informação classificada, mas ao nível do Senado. Este jogo pode ser jogado a dois!”, escreveu no Twitter.

Segundo o jornal The New York Times, esta foi a eleição intercalar com maior afluência desde 1970. Em contraste com os 83 milhões de votos de 2014, o escrutínio desta terça-feira contou com o voto de cerca de 114 milhões de eleitores. Em percentagem, houve 47% de afluência às urnas.

A eleição foi assumida pelo próprio Presidente como um “referendo” aos dois primeiros anos de mandato e mostrou um país com divisões ainda mais profundas.

Apesar do reequilíbrio no Congresso e a conquista inédita de lugares por mulheres e minorias (há até quem já chame a estas eleições a “onda arco-íris”), os Republicanos venceram em alguns Estados decisivos (swing-states). Se muitos quiseram mostrar o descontentamento, houve quem aprovasse a agenda de Trump, que participou nesta campanha de forma interventiva, pouco habitual para presidentes em funções, com destaque para os alertas de “invasão” por parte de migrantes sul-americanos que se dirigem para a fronteira com os Estados Unidos.

Mas mesmo sem um Congresso totalmente favorável às suas palavras e ações, a BBC nota que a derrota parcial poderá ser um ponto de vantagem para Donald Trump.

“Agora, o Presidente terá quem culpar se os resultados da economia piorarem (…). Agora, Trump terá uma explicação pronta a dar, caso não consiga fazer mais nada durante os próximos dois anos”, escreve o repórter Anthony Zurche.
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