Eleições na Bielorrússia. Entre a oposição a Lukashenko e a divergência com Moscovo

por Andreia Martins - RTP
Alexander Lukashenko está no poder há 26 anos e procura este domingo assegurar o sexto mandato como Presidente da Bielorrússia. Vasily Fedosenko - Reuters

É amplamente designado como “o último ditador da Europa”, mas a eleição deste domingo não será um passeio. Alexander Lukashenko, de 65 anos, está no poder desde 1994 e espera conseguir a reeleição para um sexto mandato nas eleições presidenciais de 9 de agosto. No entanto, a fraternidade com o maior aliado de todos esbate-se e a oposição une-se em torno de Svetlana Tikhanovskaya, uma professora de inglês de 37 anos que assumiu a candidatura do marido quando este foi detido, no final de maio.

Depois de décadas de Alexander Lukashenko no poder, a antiga república soviética, com 9,5 milhões de habitantes pode estar num momento charneira. Em discurso à nação na última terça-feira, o presidente da Bielorrússia enfatizou a importância dos laços históricos a Moscovo: “A Rússia sempre foi e continuará a ser o nosso aliado mais próximo, independentemente de quem assuma o poder na Bielorrússia ou na Rússia", frisou Lukashenko.

No entanto, a Bielorrússia parece estar cada vez mais alerta em relação ao aliado histórico. No final de julho, as autoridades bielorrussas anunciaram a detenção de 33 mercenários russos que dizem ter sido enviados por Moscovo para tentar desestabilizar o país em véspera de eleições.

Minsk garante que os mercenários detidos pertencem ao grupo Wagner, uma organização paramilitar a que a Rússia recorre para intervenções externas mais encobertas, desde a Síria à Ucrânia. Lukashenko acredita que se tratou aqui de uma manobra de apoio aos seus detratores, com quem a Rússia “conspira” para derrubá-lo.

"A tentativa de organizar um massacre no centro de Minsk é evidente”, acrescentou Lukashenko, que tem nos últimos meses acusado a Rússia de querer um país vassalo de Moscovo.

De facto, na era pós-soviética a Bielorrússia tem contado com ajudas e subsídios essenciais por parte de Moscovo, sobretudo ao nível energético. Mas, no início de 2020, a Rússia reduziu drasticamente os apoios depois do fracasso nas negociações de um contrato de fornecimento de energia.

No último grande discurso antes das presidenciais, Alexander Lukashenko lamentou que a Rússia tenha evoluído do conceito de “fraternidade” para “parceria”, já que o Kremlin procura criar uma maior integração económica como contrapartida aos apoios que concede ao país vizinho.

Neste contexto, o Presidente da Bielorrússia não descarta até que o país possa sair da esfera de influência a que sempre pertenceu. Lukashenko salienta que há cada vez mais países ocidentais a demonstrarem um “interesse crescente” pela pequena ex-república soviética.

Lukashenko acena com um possível afastamento em relação a Moscovo e salienta que a Bielorrússia é um dos poucos aliados que restam à Rússia, num contexto de isolamento após a anexação unilateral da Crimeia, em 2014, e a guerra separatista no leste da Ucrânia.

“Não vamos abandonar o nosso país. A independência é cara, mas vale o preço”, reiterou. Na última semana, o Presidente bielorrusso acusou Moscovo de enviar mais mercenários para o sul do país. Já o Exército, numa demonstração de apoio ao Presidente, levou a cabo várias manobras militares na fronteira entre os dois países.
Uma aliança histórica em risco?

Rússia e Bielorrússia parecem acusar cansaço recíproco na estreita aliança de várias décadas. Em declarações à agência France Presse, Artiom Chraïbman, do Centro Carnegie de Moscovo, considera que se trata aqui de uma “crise de confiança duradoura”, até porque as tensões entre os dois países não visam apenas questões relacionadas com a economia, com a energia ou o comércio, mas também surgem ao nível da segurança e da defesa.

O responsável prevê, por isso, que continue a haver “provocações” de ambos os lados e com cada vez maior frequência. Até ao momento, a Rússia tem mostrado moderação e rejeita qualquer tentativa de interferência eleitoral.

No entanto, se Moscovo insiste na importância e solidez dos laços bilaterais, não deixa por outro lado, de traçar uma linha vermelha muito clara e demonstrar os limites para a paciência do Kremlin.

Durante a semana, a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, enfatizou que a amizade entre os dois países não pode ser prejudicada por “interesses específicos e temporários”, considerando que este foi um “espetáculo” montado por Minsk, mas garante que a Rússia está atenta ao futuro dos 33 homens detidos. “Não vamos deixar que nada de mal lhes aconteça”, completou.

Dmitri Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia e ex-primeiro-ministro do país, acusou esta semana o Presidente da Bielorrússia de sacrificar os laços entre os dois países em nome de “truques eleitorais”. Considera que a detenção dos 33 mercenários acontece num contexto de “criação da imagem de um inimigo” para atingir fins políticos.

“Não é apenas ofensivo, é muito triste. E trará tristes consequências”, acrescentou.

Valeri Tsepkalo, rival de Lukashenko no exílio, acredita que Moscovo está a mudar a sua posição em relação ao Presidente bielorrusso. Em entrevista a um canal ucraniano, destaca que esta foi a primeira eleição presidencial em que a Rússia não adotou uma posição formal de apoio a Alexander Lukashenko, e que isso poderá significar o apoio a outros adversários considerados mais “viáveis” ou próximos de Moscovo.

No entanto, para Tsepkalo, ainda não foi desta vez que o Kremlin desistiu de tentar “domar” um Presidente imprevisível.
A candidata inesperada

Para além das fendas na aliança estrutural entre Rússia e Bielorrússia, Lukashenko enfrenta outro desafio: Svetlana Tikhanovskaya, ex-professora de inglês, uma dona de casa de 37 anos que, no final de maio, decidiu concorrer à presidência em substituição do marido, um blogger e ativista que foi detido pelas autoridades bielorrussas na antecâmara destas eleições, acusado de ser um agente ao serviço do estrangeiro.

Nesta missão quase impossível, Tikhanovskaya conta com o apoio de outras duas mulheres: Veronika Tsepkalo, que viu o marido ser impedido de concorrer às eleições, e Maria Kolesnikova, responsável de campanha de Viktor Babaryko, um ex-banqueiro que foi detido quando anunciou a sua intenção de se candidatar. 

Svetlana Tikhanouskaya (à esquerda) com Veronika Tsepkalo e Maria Kolesnikkova. Vasily Fedosenko - Reuters

No discurso de terça-feira antes da eleição, Lukashenko referiu-se à candidata e aliadas como “pobres meninas” que “não sabem o que dizem ou o que fazem”.

Certo é que Tikhanovskaya passou de uma mera desconhecida a candidata presidencial capaz de mobilizar multidões. Em caso de vitória, a candidata promete libertar os “presos políticos”, fazer uma reforma constitucional e marcar eleições livres no prazo máximo de seis meses.

Para evitar ao máximo a manipulação dos resultados, a candidata da oposição pede aos apoiantes que usem uma pulseira branca, de forma a evidenciar a proporção de votos que vai recolher aos olhos dos observadores eleitorais.

Nestas eleições, e pela primeira vez desde 2001, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) não estará presente, uma vez que nenhum convite oficial foi enviado a tempo. Mesmo os observadores nacionais estarão presentes em número reduzido, algo que as autoridades bielorrussas justificam com a pandemia do novo coronavírus.

A resposta à crise sanitária é, justamente, um dos pontos de maior contestação por parte da população e da oposição a Lukashenko, um Presidente que tem desvalorizado a gravidade da pandemia no país ao longo dos últimos meses, ainda que o próprio ter sido infetado, sem sintomas.

“O planeta inteiro está a tremer. A Bielorrússia é o único lugar de sossego, no coração da Eurásia”, disse Lukashenko, que chegou a sugerir a ingestão de vodca no tratamento da Covid-19. 
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