Os eleitores da Gronelândia vão às urnas esta terça-feira, em eleições antecipadas com a independência em pano de fundo, uma decisão que assumiu repentinamente importância estratégica devido à política externa do novo presidente norte-americano, Donald Trump.
"Nunca antes houve um holofote como este sobre a Gronelândia", disse Nauja Bianco, especialista em política dinamarquesa-gronelandesa para o Árctico, à BBC.
A quase 3.000 quilómetros de distância, a Dinamarca controla nominalmente o território há cerca de 300 anos, mas os gronelandeses elegem o seu próprio governo regional desde 1979, em plena autonomia exceto em questões de Política Externa e de Defesa.
Apesar das suas riquezes do subsolo e dos bancos de pesca, a economia gronelandesa padece de problemas de comunicação e está subdesenvolvida. Depende fortemente dos subsídios pagos pela Dinamarca, mais de 520 milhões de euros por ano, o equivalente a um quinto do seu PIB. Mas Copenhaga não tem mostrado interesse em desenvolver a ilha ou em explorar os recursos gronelandeses.Apesar de pertencer à Dinamarca, a Gronelândia não faz parte da União Europeia, da qual se retirou em 1985, três décadas antes do Brexit.
Ainda assim, o interesse dos EUA alimentou os apelos para que a Gronelândia se separasse da Dinamarca, com grande parte do debate centrado em quando – e não se – o processo de independência deveria começar.
Um interesse centenário
A posição estratégica face ao Ártico e ao controlo do Atlântico Norte e as riquezas minerais da ilha são o maior atrativo para os EUA.
Considerado a maior ilha do mundo, este território do Ártico tem menos de 57.000 habitantes, mais de 90 por cento dos quais – incluindo mais de 19 mil na capital Nuuk – são Inuit, espalhados por comunidades em 2.166 milhões de quilómetros quadrados, o equivalente a quatro vezes a área de França. Gelo e neve cobrem 85 por cento do território mas, com as alterações climáticas, esta circunstância poderá alterar-se, tornando mais plausível o nome original dinamarquês 'Terra Verde', dado por Erik o Vermelho, um líder viking que ali desembarcou em finais do século X.
A Gronelândia pertence à "zona de interesse" americana tal como definida pela Doutrina Monroe já em 1823. Quase um século depois, em 1917, Washington comprou as Ilhas Virgens a Copenhaga e reconheceu a soberania da Dinamarca sobre a Gronelândia.
Durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Dinamarca foi ocupada pela Alemanha, os Estados Unidos assumiram o controlo da Gronelândia, que devolveram no final do conflito, mantendo aí importantes bases militares.
Atualmente, uma ainda está ao serviço, em Pituffik, no noroeste da ilha. Os americanos têm também um consulado em Nuuk.
As atrações da Gronelândia
A principal fonte de rendimento da Gronelândia é a pesca, mas a região possui reservas de ouro, de rubis e de criolite. Contudo, apenas duas minas estão activas.
Os gronelandeses não vêm contudo com bons olhos a mineração de urânio, possível no sul, e a legislação local proíbe a mineração de produtos radioativos.
Desde novembro que o aeroporto de Nuuk acolhe voos de longo curso e está programado um voo direto para ligar a capital da ilha a Nova Iorque duas vezes por semana a partir do início do verão.
A Gronelândia não possui contudo rede ferroviária e a rede rodoviária, concentrada nas principais cidades, é ínfima: as viagens são, por isso, feitas por helicóptero, avião ou barco.
A quase 3.000 quilómetros de distância, a Dinamarca controla nominalmente o território há cerca de 300 anos, mas os gronelandeses elegem o seu próprio governo regional desde 1979, em plena autonomia exceto em questões de Política Externa e de Defesa.
Apesar das suas riquezes do subsolo e dos bancos de pesca, a economia gronelandesa padece de problemas de comunicação e está subdesenvolvida. Depende fortemente dos subsídios pagos pela Dinamarca, mais de 520 milhões de euros por ano, o equivalente a um quinto do seu PIB. Mas Copenhaga não tem mostrado interesse em desenvolver a ilha ou em explorar os recursos gronelandeses.Apesar de pertencer à Dinamarca, a Gronelândia não faz parte da União Europeia, da qual se retirou em 1985, três décadas antes do Brexit.
Copenhaga já decidiu conceder a independência em data a determinar pelos gronelandeses.
O debate político tem divergido precisamente na rapidez com que esta deve ser declarada. Este ano foi a primeira vez que a questão dominou a campanha, muito por culpa de Trump.
Imediata ou gradual
De acordo com sondagens recentes, quase 80 por cento dos
gronelandeses apoiam a futura criação de um Estado, mas um inquérito
indicou que metade receia que a independência venha a implicar uma
descida dos níveis de vida.
A atração de manter laços com a cultura europeia face à
norte-americana pode ser igualmente um fator na decisão dos
gronelandeses. Contudo, recentes estudos sobre a repressão da maioria Inuit, por
parte dos dinamarqueses, suscitaram apelos ao fim das "algemas
colonialistas" de Copenhaga.
Sem surpresas, todo o espetro político na Gronelância favorece a independência.
- O Inuit Ataqatigiit, o Partido do Povo, socialista, liderado pelo atual primeiro-ministro Mute B. Egede, quer uma Gronelândia económica e politicamente independente de forma gradual, opondo-se à extração de materiais radioativos devido aos riscos ambientais.
- O Siumut, ou Avante, social-democrata, liderado por Erik Jensen, pretende reduzir a dependência económica da Dinamarca nos próximos 15 anos. Jensen promete um referendo sobre a independência após as eleições, o que poderá atrair eleitores.
- O Naleraq, centro-populista, é o maior partido da oposição da Gronelândia, sendo liderado por Pele Broberg. Ganhou popularidade com a sua política pró-independência em três anos e a vontade declarada de colaborar com os EUA.
- Os Democratas, social-liberais, defendem uma independência gradual face à Dinamarca. “A economia terá de ser muito mais forte do que é hoje”, disse o candidato do partido, Justus Hansen, à Reuters.
- O Nunatta Qitornai, nascido de uma cisão do Siumut, defende a independência imediata.
Qupanuk Olsen, a influenciadora mais popular da Gronelândia, pode revelar-se um fiel da balança. Independentista, apoia a exploração dos recursos minerais da ilha como forma de sustento económico. Com mais de 500.000 seguidores no TikTok e 300.000 no Instagram, a criadora de conteúdos tem a plataforma de campanha online mais substancial da ilha do Atlântico Norte.
"Quase tudo a ver com a independência"
O Inuit Ataqatigiit e o Siumut têm dominado a cena política da Gronelândia e o parlamento gronelandês, o Inatsisartut, composto por 31 deputados. Sondagens recentes sugerem que o Inuit poderá obter cerca de 31 por cento e vencer o Siumut por cerca de nove por cento. Podem votar cerca de 44 mil eleitores, mas os resultados são difíceis de
prever devido às poucas sondagens. As urnas abrem às 11h00 e encerram às 21h00, de Portugal. Os resultados são esperados na madrugada de quarta-feira.
Sendo a independência da Gronelândia uma certeza, o interesse demonstrado por Donald Trump na anexação do território teve um enorme impacto em termos de calendário com que esta pode acontecer.
A questão passou a dominar a campanha. "É uma eleição em que deveríamos falar sobre cuidados de saúde, cuidados aos idosos e problemas sociais. Quase tudo tem a ver com independência", explicou à BBC o jornalista Masaana Egede.
Embora o direito da Gronelândia à autodeterminação esteja consagrado na lei pela Lei de Autogovernação de 2009, existem várias medidas a tomar antes de o território se poder separar da Dinamarca, incluindo a realização de um referendo.
Isto significa que, obter a independência total poderá demorar “cerca de 10 a 15 anos”, disse Kaj Kleist, um veterano político e funcionário público groenlandês que elaborou a Lei de Autogovernação.
“Há muita preparação e negociações com o governo dinamarquês antes de tornar isto uma realidade”, acrescentou à BBC.
Isto significa que, obter a independência total poderá demorar “cerca de 10 a 15 anos”, disse Kaj Kleist, um veterano político e funcionário público groenlandês que elaborou a Lei de Autogovernação.
“Há muita preparação e negociações com o governo dinamarquês antes de tornar isto uma realidade”, acrescentou à BBC.
Qualquer que seja o resultado das eleições, os especialistas não acreditam que a Gronelândia possa tornar-se independente antes do final do segundo mandato de Trump, em 2028.
Receio de Trump
Depois dos líderes da Gronelândia e da Dinamarca terem rejeitado
firmemente vender a ilha, e ao tentar influenciar a recente campanha
eleitoral, Trump propôs aos gronelandeses tornarem o seu território no
51º Estado da federação norte-americana.
Uma sondagem revelou que esta proposta não é apetecível para 85 por cento dos gronelandeses, que não desejam tornar-se parte dos Estados Unidos e sendo que quase metade vê o interesse de Trump como uma ameaça.
Um receio entre alguns gronelandeses, apontou Masaana Egede, é quanto tempo a ilha do Árctico poderá permanecer independente e se se separará da Dinamarca apenas para ter outro país "nas nossas costas e começar a assumir o controlo".
Os especialistas dizem que esta preocupação poderá orientar os votos no sentido da manutenção do status quo.
Os especialistas dizem que esta preocupação poderá orientar os votos no sentido da manutenção do status quo.
Na semana passada, ao dirigir-se ao Congresso dos EUA, o presidente norte-americano mostrou-se indefectível nos seus objetivos. "Precisamos da Gronelândia para a segurança nacional. De uma forma ou de outra, vamos conseguir", afirmou.
Palavras ressentidas negativamente em Nuuk, a capital da Gronelância. “Merecemos ser tratados com respeito e não creio que o presidente norte-americano o tenha feito ultimamente, desde que assumiu o cargo”, reagiu o primeiro-ministro Egede.
Ainda assim, o interesse dos EUA alimentou os apelos para que a Gronelândia se separasse da Dinamarca, com grande parte do debate centrado em quando – e não se – o processo de independência deveria começar.
Um interesse centenário
A posição estratégica face ao Ártico e ao controlo do Atlântico Norte e as riquezas minerais da ilha são o maior atrativo para os EUA.
Considerado a maior ilha do mundo, este território do Ártico tem menos de 57.000 habitantes, mais de 90 por cento dos quais – incluindo mais de 19 mil na capital Nuuk – são Inuit, espalhados por comunidades em 2.166 milhões de quilómetros quadrados, o equivalente a quatro vezes a área de França. Gelo e neve cobrem 85 por cento do território mas, com as alterações climáticas, esta circunstância poderá alterar-se, tornando mais plausível o nome original dinamarquês 'Terra Verde', dado por Erik o Vermelho, um líder viking que ali desembarcou em finais do século X.
O interesse americano pela ilha não nasceu com Donald Trump, mesmo se este, em 2019, no seu primeiro mandato, manifestou interesse em adquiri-la.
A Gronelândia pertence à "zona de interesse" americana tal como definida pela Doutrina Monroe já em 1823. Quase um século depois, em 1917, Washington comprou as Ilhas Virgens a Copenhaga e reconheceu a soberania da Dinamarca sobre a Gronelândia.
Durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Dinamarca foi ocupada pela Alemanha, os Estados Unidos assumiram o controlo da Gronelândia, que devolveram no final do conflito, mantendo aí importantes bases militares.
Atualmente, uma ainda está ao serviço, em Pituffik, no noroeste da ilha. Os americanos têm também um consulado em Nuuk.
As atrações da Gronelândia
A principal fonte de rendimento da Gronelândia é a pesca, mas a região possui reservas de ouro, de rubis e de criolite. Contudo, apenas duas minas estão activas.
Mais apetecíveis para Washington são os seus 36,1 milhões de toneladas de recursos de terras raras, segundo o GEUS. A Administração Trump tem procurado controlar mundialmente os minérios essenciais a diversas tecnologias e recentemente procurou pressionar a Ucrânia a ceder o controlo das suas terras raras precisamente com este objetivo.
As reservas gronelandesas de terras raras, que correspondem a recursos económica e tecnicamente recuperáveis, são da ordem de 1,5 milhões de toneladas, segundo o último relatório do American Geological Survey (USGS).
Os gronelandeses não vêm contudo com bons olhos a mineração de urânio, possível no sul, e a legislação local proíbe a mineração de produtos radioativos.
O território possui ainda reservas potenciais de petróleo e gás, cuja exploração está atualmente suspensa por questões ambientais contra uma aposta na hidroelectricidade.
Potencial no degelo
O gigantesco território está ainda na linha da frente do degelo do
Ártico, uma região que tem vindo a aquecer quatro vezes mais depressa do
que o resto do planeta desde 1979, segundo um estudo da Nature.
Vários
estudos científicos atestam uma aceleração no degelo da calota polar da
Gronelândia (a camada de gelo) nas últimas décadas.
O degelo dos glaciares deverá libertar ainda mais recursos, como farinha rochosa, rica em minerais, capaz de servir de fertilizante para solos esgotados ou áridos, em África ou na América do Sul, por exemplo.
O aumento das temperaturas e o degelo estão a abrir também novas rotas marítimas susceptíveis de encurtar o tráfego comercial mundial, reforçando a posição estratégica do território que começa a apostar no turismo para dinamizar a sua economia.
A Gronelândia não possui contudo rede ferroviária e a rede rodoviária, concentrada nas principais cidades, é ínfima: as viagens são, por isso, feitas por helicóptero, avião ou barco.