Empresários querem continuidade, trabalhadores esperam mudança política

por Texto: António Louçã. Imagem: Carlos Oliveira. Edição: Nuno Patrício, Pedro Pina
O presidente da VDA, Matthias Wissmann (esq.), com a chanceler Angela Merkel e o director-geral da Daimler, Dieter Zetsche, em 2008. Johannes Eisele, Reuters

A economia apresenta bons indicadores, mas quem trabalha vive com dificuldades crescentes. Esta dualidade reflecte-se nas atitudes políticas: empresários a preconizarem a continuidade das políticas vigentes, trabalhadores a defenderem a mudança.

Mathias Wissmann, presidente da VDA (associação da indústria automóvel), aplaude a política do Governo de Merkel e, apesar do seu curriculum democrata-cristão, inclui nesse encómio os parceiros de coligação social-democratas.
Matthias Wissmann

Foi dirigente da CDU e duas vezes ministro federal (em 1993 e 1998). Actualmente, é também membro da Comissão Trilateral.

Segundo Wissmann, Merkel e os seus parceiros têm sabido reconhecer o papel determinante da indústria automóvel para a economia alemã, e mesmo para a economia europeia.

O patrão dos patrões da indústria autonóvel sustenta que, no essencial, os governantes têm feito o que é necessário para garantir a essa indústria as melhores condições de actividade.

Axel Wunschel, director-geral da associação de industriais da construção civil em Berlim e Brandenburgo, fala de "uma tomada de consciência por parte dos políticos" sobre a necessidade de construção de infraestruturas e de habitação.

A sua satisfação abrange todos os partidos, porque considera esse processo de "tomada de consciência" como assunção transversal de evidências que a própria realidade continuará a impor, seja qual for o resultado das eleições.

Wunschel considera que ficaram para trás cerca de duas décadas de relutância perante a actividade da construção civil. Neste momento, ele encara o futuro com optimismo, porque o afluxo de 40 a 50 mil pessoas por ano à região de Berlim e Brandenburgo obrigará a construir cada vez mais.

Thomas Diestel, patrão e director de uma empresa de refrigeração e ares condicionados situada em Rostock, transmite uma atitude parecida, ao fazer votos para que não haja grandes convulsões nem mudanças de rumo. A sua preferência demarca-se dos anti-europeísmos, como o que prevaleceu no Reino Unido com o "Brexit" ou como o que vem tentando a sua sorte na Alemanha com a AfD (Alternativa para a Alemanha).

Entre os trabalhadores, a atitude face aos partidos e face às próximas eleições é diferente. Tyrone Schmadlowski, electricista, de 22 anos, manifesta a expectativa numa viragem à esquerda e numa maioria do SPD com o Partido da Esquerda. De uma coligação com esse perfil, Schmadlowski espera o restabelecimento de mecanismos de regulação duma economia em que entretanto passou a imperar a lei da selva neo-liberal.

Também Ali Redha, trabalhador e membro da Comissão de Trabalhadores da Lufthansa, faz uma referência favorável à iniciativa, já antiga, do SPD, de reunir várias comissões de trabalhadores, sublinhando por outro lado que, hoje em dia, o SPD deixou cair o processo e já só se pode contar com o Partido da Esquerda para convocar uma iniciativa deste tipo.

Mas há também trabalhadores que não perdoam às forças de esquerda alguns sinais que têm dado de mimetização com a política neo-liberal.
Sascha Kraft, trabalhador e membro da Comissão de Trabalhadores de uma subsidiária do hospital Charité, lembra que foi a vereação da Esquerda e do SPD quem, na Câmara Municipal de Berlim, decidiu a criação dessa subsidiária, para baixar os salários dos trabalhadores.

Ulrich Schneider, director-geral de uma organização laica de combate à pobreza, lembra que a prosperidade económica, por si própria, não traz qualquer benefício às pessoas e que os direitos sociais têm sido obtidos mediante um combate político.

Schneider encara com algum optimismo a campanha eleitoral iminente, por ela se anunciar sob o lema da "justiça social", com três partidos (social-democratas, verdes e esquerda) a reclamarem uma redistribuição da riqueza, nomeadamente através de uma política fiscal com impostos progressivos. A volatilidade do eleitorado, que noutros países tem beneficiado sobretudo alternativas de direita, poderá na Alemanha abrir caminho a uma alternativa destes três partidos, ainda segundo a perspectiva de Schneider.

Para quem trabalha, o quadro social criado desde 2004 com a "Agenda 2010" é um factor de insatisfação e, por vezes, de revolta latente. O desejo de mudança dos trabalhadores que entrevistámos contrasta com a preferência continuista dos empresários. Se existe, na sociedade alemã, um potencial da volatilidade eleitoral que refere Ulrich Schneider, é entre os trabalhadores.

Por outro lado, o desejo de mudança suscita neste momento expectativas sobretudo na esquerda e não na direita. A AfD (Alternativa para a Alemanha) perdeu o élan que aparentava até há alguns meses. Nas eleições alemãs de setembro é muito remota a probabilidade de uma surpresa como o "Brexit" ou como a eleição de Trump. Merkel tem poucas preocupações à sua direita e vai, confiante, disputar um novo mandato sobretudo contra o espectro da coligação entre SPD, Verdes e Esquerda.
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