Entre o êxodo e os protestos. Começou o recrutamento de reservistas na Rússia

por Andreia Martins - RTP
Em Moscovo e em São Petersburgo, a polícia russa fez cerca de mil detenções nos protestos contra a mobilização de reservistas. Reuters

A "mobilização parcial" de 300 mil reservistas, anunciada por Vladimir Putin na quarta-feira, está a ter efeitos imediatos. Em várias regiões da Rússia, milhares de homens estão a receber ordens para se juntarem às fileiras russas na guerra em curso na Ucrânia. Por todo o país, os protestos continuam e muitos são os que continuam a tentar desertar. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apela aos russos para que se revoltem contra a mobilização de reservistas.

A “mobilização parcial” dos reservistas foi anunciada na última quarta-feira e, dois dias depois, milhares de homens de várias regiões estão a receber intimações por parte das autoridades militares.

De acordo com os media locais, vários autocarros cheios de recrutas já partiram das regiões mais remotas da Rússia, desde logo da Sibéria, Vladivostok, Daguestão e Chechénia, para zonas de treino.

O decreto assinado por Vladimir Putin na quarta-feira abrange “soldados experientes” ou com alguma “especialidade” que faça falta ao exército. De acordo com o ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu, alguns profissionais das áreas tecnológicas, banqueiros e jornalistas não serão chamados a combater.

As autoridades russas garantem que as convocatórias envolvem em primeiro lugar os ex-recrutas com menos de 35 anos e a idade máxima para esta mobilização será até aos 45 anos. No entanto, vários meios de comunicação dão conta de vários casos de homens com mais de 50 anos que estão a ser chamados.

Antes de chegarem à Ucrânia, estes soldados vão passar por um período de preparação militar, indicou o deputado Andrei Kortopálov.

De acordo com o Estado-Maior do Exército russo, “cerca de 10.000 pessoas” ofereceram-se para lutar no conflito na Ucrânia só no primeiro dia de recrutamento.

“Vieram por conta própria, sem esperarem por uma convocatória”, disse o porta-voz Vladimir Tsimlianski.
Dos protestos para a guerra

Mas se Moscovo enaltece a apresentação por parte dos voluntários, há por outro lado relatos da fuga em massa de milhares de homens com idade para combater. Relatos esses que o Kremlin diz serem exagerados.

Vladimir Putin falou na recruta de 300 mil homens, mas o jornal russo Novaya Gazeta indicava esta quinta-feira que o presidente russo deu ordem para a mobilização de um milhão de soldados para o esforço de guerra na Ucrânia, algo que o Kremlin também desmente.

Nas fronteiras terrestes, longas filas de carros nas ligações com a Geórgia, Cazaquistão ou com a Finlândia, milhares de russos fogem ao recrutamento. Imediatamente após o discurso de Vladimir Putin, a procura de voos para vários destinos como Istambul, Belgrado ou Dubai cresceu exponencialmente.

Na União Europeia, os vários países procuram dar, nos próximos dias, uma resposta comum aos milhares de cidadãos que tentam por estes dias abandonar território russo.

De acordo com o jornal The Moscow Times, várias organizações não-governamentais foram inundadas com pedidos de ajuda. Sergei Krivenko, responsável pelo grupo “Cidadão, Exército, Lei”, que dá assistência legal aos soldados russos, diz que recebia cerca de 50 pedidos de ajuda diariamente.

“Nos últimos dois dias recebemos 14 mil”, adianta ao jornal.

Alexandra Garmazhapova, cofundadora da Free Buryatia Foundation, uma organização anti-guerra que apoia objetores de consciência da república siberiana de Buryatia, indicou que até 5.000 homens já foram mobilizados só naquela região.

“Esta não é uma mobilização limitada; a situação em Buryatia é de uma mobilização total”, indicou ao The Moscow Times.

Na capital russa, homens que foram detidos na sequência de protestos anti-guerra e anti-mobilização receberam ordens para se apresentarem ao serviço militar em 15 diferentes esquadras da polícia.

Em declarações aos jornalistas, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, enfatizou que o recrutamento nestes espaços não desrespeita a lei. Nos protestos que se seguiam à ordem de “mobilização parcial” de Putin, foram detidas pelo menos 1.400 manifestantes.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apelou na quinta-feira aos protestos dos russos contra a mobilização de reservistas. Numa mensagem em russo, Zelensky considerou que a mobilização russa é “uma clara admissão de que o seu exército profissional (…) não conseguiu aguentar e colapsou” na sequência dos sete meses de guerra na Ucrânia.

Com esta mobilização, o conflito que não é falado nos media russos “entra em cada casa russa”, afirmou.
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