Espanha quer tratar a doença no futuro como se fosse uma gripe

por Lusa

A Espanha está a preparar terreno para tratar a próxima vaga de contágios de covid-19 não como emergência sanitária, mas sim da mesma forma de uma doença como a gripe, com que já nos habituámos a conviver.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, indicou no início da semana que gostaria que a União Europeia estudasse mudanças na sua estratégia, agora que o surto da variante Ómicron mostra que a doença está a tornar-se menos letal.

"O que estamos a dizer é que nos próximos meses e anos, vamos ter de pensar, sem hesitação e de acordo com o que a ciência nos diz, como gerir a pandemia com parâmetros diferentes", afirmou Sánchez na segunda-feira passada.

O chefe do Governo disse que as mudanças não deveriam ter lugar antes do surto de Ómicron ter terminado, mas os responsáveis sanitários precisam de começar a adaptar o mundo pós-pandémico agora: "Estamos a fazer o nosso trabalho de casa, antecipando cenários", acrescentou.

Ainda sobre a pandemia, Sánchez considerou que nenhum país pode dar lições, mas que todos têm de aprender com os outros, e reiterou que não pretende tratar a covid-19 como uma gripe "da noite para o dia", mas que terá de ser feita de acordo com critérios científicos, "sem pressa mas sem pausas".

Com uma das maiores taxas de vacinação em todo o mundo, a Espanha pretende evoluir para uma forma de tratar a covid-19 da mesma forma como se enfrenta a gripe ou o sarampo.

Quando a pandemia de covid-19 foi declarada em março de 2020 pela primeira vez, os espanhóis foram obrigados a permanecer em casa por mais de três meses.

Durante semanas não lhes foi permitido sair nem mesmo para fazer exercício, tendo as crianças sido proibidas de ir aos parques infantis e a economia parou.

Os responsáveis pela saúde do país acham que estas medidas excecionais preveniram o colapso total do sistema de saúde e salvaram muitas vidas, diminuindo a transmissão da doença.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que ainda é demasiado cedo para considerar qualquer mudança a curto prazo na forma de luta contra a covid-19 e não tem critérios ainda definidos para declarar a doença como sendo endémica, mas os peritos da organização defendem que isso vai acontecer quando o vírus for mais previsível e não houver surtos sustentados.

Anthony Fauci, o médico principal responsável pelas doenças infeciosas nos Estados Unidos da América, disse que a covid-19 não pode ser considerada endémica enquanto não cair para "um nível que não perturbe a sociedade".

O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças aconselhou os países a transitarem para um tratamento mais rotineiro da covid-19, depois do final da fase aguda da pandemia.

Numa declaração, esta agência afirmou que mais Estados-membros da União Europeia, para além da Espanha, vão querer adotar "uma abordagem de vigilância mais sustentável e a longo prazo".

De acordo com os números oficiais de sexta-feira, mais de 90% da população espanhola com mais de 12 anos já recebeu as duas doses de vacina, e as autoridades estão concentradas em aumentar a imunidade dos adultos com a terceira dose.

A imunidade adquirida através da vacinação, juntamente com a infeção generalizada, oferece a oportunidade de concentrar esforços de prevenção, testes e recursos de rastreio da doença em grupos de risco moderado ou alto, disse à Associated Press Salvador Trenche, chefe da Sociedade Espanhola de Medicina Familiar e Comunitária, que tem liderado o movimento a pedir uma nova resposta à doença.

A covid-19 "deve ser tratada como o resto das doenças", disse Trenche à Associated Press, acrescentando que uma atenção primária normal por parte dos profissionais de saúde ajudaria a reduzir os atrasos no tratamento de problemas não relacionados com o novo coronavírus.

O público também precisa de aceitar a ideia de que algumas mortes causadas pela covid-19 "serão inevitáveis", disse Tranche, acrescentando que "o modelo precisa de mudar se se quiser alcançar resultados diferentes".

O Ministério da Saúde espanhol é da opinião de que é demasiado cedo para partilhar quaisquer planos que estejam a ser elaborados pelos seus peritos e consultores, mas confirmou que uma das propostas é seguir o modelo existente de "vigilância sentinela" atualmente utilizado na União Europeia na monitorização da gripe.

Muitos países sobrecarregados com o número sem precedentes de casos de Ómicron já estão a desistir de realizar testes de uma forma generalizada e a reduzir os tempos de quarentena, especialmente para os trabalhadores que não mostram mais do que sintomas idênticos ao de uma constipação.

Desde o início do ano, as aulas nas escolas espanholas só são canceladas se ocorrerem grandes surtos, e não apenas com os primeiros casos detetados, como acontecia antes.

Todo este debate só é possível porque a pressão hospitalar e as mortes associadas à covid-19 nos países com a população vacinada são proporcionalmente muito mais baixas do que em surtos anteriores, havendo alguns países que, assim como a Espanha, já estão a pensar nos próximos passos a dar.

Na mensagem de Ano Novo, no início de janeiro, o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, salientou que a pandemia "teimou em persistir no final do ano", mas sustentou que a subida dos contágios obrigava o país, "serena, mas teimosamente, a testar, a vacinar, a resistir" e a "aprender a conviver" com a pandemia.

Recorrendo à expressão popular "ano novo, vida nova", o chefe de Estado defendeu assim que "2022 tem mesmo de ser `ano novo, vida nova`, num mundo com menos pandemia, mais crescimento, menos pobreza, mais empenho nos desafios do clima".

No Reino Unido, o uso de máscaras em locais públicos e os certificados digitais vão deixar de ser obrigatórios a partir de 26 de janeiro, tendo o primeiro-ministro, Boris Johnson, anunciado na quarta-feira que a última vaga da doença tinha "atingido o pico a nível nacional".

A exigência de confinar as pessoas infetadas durante cinco dias completos continua em vigor, mas Johnson disse que procurará eliminá-la nas próximas semanas, se os números continuarem a melhorar.

As estatísticas oficiais apontam que 95% da população britânica desenvolveu anticorpos contra a covid-19, quer devido à infeção quer à vacinação.

"À medida que a COVID se torna endémica, teremos de substituir os requisitos legais por aconselhamento e orientação, exortando as pessoas com o vírus a terem cuidado e consideração pelos outros", disse Johnson.

Para alguns outros governos europeus, a ideia de normalizar a doença choca com os seus esforços para impulsionar a vacinação entre grupos que têm mais relutância.

Na Alemanha, onde menos de 73% da população recebeu as duas doses da vacina e as taxas de infeção estão a atingir novos recordes quase diariamente, as comparações com a Espanha ou qualquer outro país são rejeitadas.

"Ainda temos demasiadas pessoas não vacinadas, particularmente entre os nossos cidadãos mais velhos", disse o porta-voz do Ministério da Saúde, Andreas Deffner, na última segunda-feira.

A Itália está a alargar o seu mandato de vacinação a todos os cidadãos com 50 anos ou mais e a impor multas até 1.500 euros para as pessoas não vacinadas que aparecem no trabalho.

Os italianos são também obrigados a estar totalmente vacinados para terem acesso aos transportes públicos, aviões, ginásios, hotéis e feiras comerciais.

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