A ordem oficial parece ser a de apagar qualquer referência ao
protesto, raro na China comunista, e às razões que lhe estarão
subjacentes, incluindo ao envolvimento de membros do Partido Comunista Chinês em negócios alegadamente obscuros.
De acordo com os relatórios oficiais repetidos verbatim por todos os meios de comunicação, o atentado desta segunda-feira destruiu às 10h00 da manhã (02h00 GMT) "o segundo andar de um edifício", sem ser feita qualquer outra referência. As autoridades do distrito de Panyu, onde se localiza a aldeia, referiram apenas que estão a investigar a detonação e o alegado bombista, um homem de 59 anos, identificado somente como Huu XX.
A principal agência de notícia chinesa, Xinhua, referiu o sucedido que descreveu como "sabotagem". O Global Times, gerido pelo PCC, publicou um vídeo do local enquanto noticiava a ocorrência de um "ato criminoso".
As imagens e os relatos apontam para uma explosão brutal que destruiu completamente um andar e abalou o edifício até aos alicerces.
"Todos os feridos foram hospitalizados para tratamento e o caso está a ser investigado" referiu o comunicado oficial da polícia, sem fornecer quaisquer dados sobre as vítimas.
Atentado atingiu o Comité local do PCC
Fontes ligadas a Hong Kong referem contudo que
o local atingido foi a sede local do PCC e que o atentado coincidiu com a reunião habitual do comité do partido em Mingjing, incluindo os dois principais dirigentes e o supervisor da segurança pública, entre outros quadros.
As notícias oficiais omitem se os membros do comité do PCC estarão entre as vítimas mortais, assim como ignoram os eventuais motivos do atentado.
William Yang, correspondente do DW de Taipei, afirma que, de acordo com alegações inicialmente publicadas nas redes sociais da região,
na base do ataque estará uma disputa de terras e as indemnizações atribuídas aos cerca de 3.000 atuais habitantes de Minjing, que estão na iminência de serem expulsos da área.
Os aldeãos queixam-se de que um projeto de reconstrução da aldeia não passa de um esquema para os espoliar.
Cerca de mil quilómetros quadrados dos terrenos da aldeia foram cedidos
em agosto de 2020 a uma das maiores empresas de construção de Xangai, o
grupo Shenglong, para alegadamente recriar a antiga aldeia histórica e
atrair turistas à região, num projeto avaliado em oito mil milhões de
yuan ou 1.06 mil milhões de euros.
Significativamente, tal possibilidade está ausente da maioria das notícias e as que a mencionaram deixaram de estar acessíveis digitalmente na China, horas depois. No seu lugar surge a mensagem de erro
404, como analisa de forma extensa o
CMP, China Media Project, de jornalismo independente.
Aldeia histórica ou parque tecnológico?
Os trabalhos ainda não começaram mas
a localização da área, a menos de 30 quilómetros do centro da cidade Guangzhou, é referida por alguma imprensa como "excelente".
"A Organização Económica Coletiva da aldeia de Mingjing, com um total de 3.736 membros registados, localiza-se no meio da cidade de Panyu Hualong, a leste da Rede de Informação de Panyu e do Novo Parque Industrial de Energia Automóvel, a sul da aldeia de Tangshan, a leste da auto-estrada de Guang’ao, a norte da Avenida Jinshan, com uma excelente localização", referia o repórter do
Jiemian, Huang Yu, no artigo entretanto desaparecido da internet chinesa.
"
Não só está próximo da Universidade da Cidade de Guangzhou e da Cidade da Inovação de Guangzhou e outras áreas importantes, como a construção do Parque industrial irá trazer oportunidades importantes para o desenvolvimento da aldeia de Mingjing", acrescentava.
Fontes do grupo Shenglong ao Jiemian afirmaram que, desde a assinatura da parceria para os trabalhos de construção em agosto passado, a empresa concluiu a supervisão da área e está em fase de planificação.
Todo o projeto será planeado em torno do Parque industrial, aprofundando as ligações funcionais à Universidade e à Cidade da Inovação, incluindo a construção de uma área de apoio à investigação científica e apoio tecnológico, afirma o jornal.
Oficialmente, a área total da aldeia de Mingjing, 108 hectares, irá incluir uma área de 95.81 hectares para as casas dos aldeãos e outras funções, cerca de 9.5 hectares para as propriedades comuns e 3.18 hectares para terras do Estado.
O projeto foi aprovado pela Sociedade Económica Cooperativa da Aldeia de Mingjing em associação com o Grupo de Investimentos Shenglong.
Espoliados
O atentado de segunda-feira traz à luz do dia os abusos cometidos pelas autoridades
chinesas a nível local e regional sobre as comunidades rurais chinesas
na corrida para urbanizar o país.
Um estudo recente da Universidade de Hong Kong calculou que, entre 2005 e 2015, entre um e cinco milhões de trabalhadores agrícolas chineses perderam as terras, muitas vezes em violação da lei nacional para uso dos terrenos e geralmente com escassa ou nenhuma indemnização. Em 2020, o poder central em Pequim atribuiu aos tribunais maior independência para decidir em tais questões e a influência dos gestores locais, mas ambos os sistemas respondem perante o Partido Comunista Chinês e a esperança de que algo mude é diminuta.
O caso de Mingjing será apenas um entre muitos.
Em Hong Kong, o jornal Apple Daily referiu-se ao atentado, ligando-o igualmente ao projeto de desenvolvimento da área.
O Grupo Shengdong, sublinha o jornal, é uma das maiores empresas do setor imobiliário da China, com ramificações nos Estados Unidos da América e na Austrália, onde está ligada ao projeto Aqualand em Sidney. O seu CEO e fundador, Lin Yi foi incluído em 2017 na lista da Forbes dos “Ricos da China” mas saiu entretanto da lista dos multimilionários.
De acordo com o jornal, o projeto de renovação da aldeia de Mingjing – cuja história, como centenas de outras na região, remonta a centenas de anos - irá criar uma área de ostentação para novas tecnologias e inovação.
Dados como as indemnizações atribuídas aos habitantes locais e de que forma irá decorrer a alegada renovação histórica não foram tornados públicos.