Esquerda francesa à procura de um lugar na segunda volta. Quem são os candidatos?

por Christopher Marques - RTP
Bertrand Guay - Reuters

É uma esquerda em cacos aquela que se prepara para escolher um candidato ao Eliseu. Depois do impopular mandato de François Hollande, as sondagens indicam ser pouco provável que um pretendente socialista chegue sequer à segunda volta. Mesmo assim, há sete pretendentes à vaga. Manuel Valls, Arnaud Montebourg e Benoit Hamon aparecem como favoritos.

Pela segunda vez, o candidato presidencial do Partido Socialista francês e seus aliados será eleito no âmbito de uma primária aberta a todos os franceses. Em 2011, a escolha recaiu sobre François Hollande que agora, perante a forte impopularidade, anunciou a intenção de não se recandidatar.

Cabe a Manuel Valls o papel de defender os últimos cinco anos de governo socialista, do qual foi primeiro-ministro e ministro do Interior. As sondagens atribuem-lhe favoritismo na primeira volta das primárias, mas tudo pode ainda acontecer.

Afinal, em novembro, François Fillon surpreendeu e venceu largamente as primárias da direita francesa, contra o que mostraram as sondagens durante largas semanas.

Os últimos dados revelados indicam que Manuel Valls deverá vencer a primeira volta. Arnaud Montebourg e Benoît Hamon – ambos da ala esquerda do Partido Socialista francês – disputam o segundo lugar. Os restantes quatro candidatos deverão ficar abaixo dos dez por cento.



Na segunda volta, as sondagens não são tão claras. Manuel Valls deverá apurar-se e enfrentar um dos dois candidatos da ala esquerda do partido. Em qualquer dos casos, as sondagens indicam que qualquer um dos dois poderia sagrar-se vencedor.

As Primárias da Cidadania realizam-se a 22 e 29 de janeiro, sendo abertas a todos os franceses inscritos nas listas eleitorais. Para participar basta comparecer nos locais de voto, assinar uma declaração em que os votantes garantem “reconhecer-se nos valores da esquerda e da República” e pagar um euro por volta.

O processo une o Partido Socialista, o Partido Radical de Esquerda e outros aliados. De fora das primárias - e que concorrem separadamente às presidenciais - encontram-se o ex-ministro socialista Emmanuel Macron e Jean-Luc Mélenchon, líder da Frente de Esquerda.

A nacionalista Marine Le Pen e o conservador François Fillon aparecem como favoritos às presidenciais de 2017.
Manuel Valls
Chefiou o Governo francês durante quase três anos. Abandonou o cargo em dezembro para dedicar-se a uma luta maior: chegar à Presidência da República.

Manuel Valls nasceu em Barcelona, é francês desde 1982 e conta já com uma longa carreira no Partido Socialista. Presidiu à autarquia de Évry, foi deputado e candidatou-se às primárias socialistas de 2011. Conseguiu apenas 5,6 por cento dos votos e focou-se no apoio a François Hollande.

Com a chegada de Hollande ao poder, Manuel Valls foi nomeado ministro do Interior. Apesar das diferenças políticas, o seu estilo chega a ser comparado ao de Nicolas Sarkozy, que também passou pelo cargo antes de chegar ao Eliseu.

Depois da derrota nas municipais de 2014, François Hollande nomeia Manuel Valls primeiro-ministro em substituição de Jean-Marc Ayrault. A sua nomeação não é pacífica no seio dos socialistas, acusado pelas fações mais à esquerda de ser demasiado à direita.

Em agosto de 2014, Manuel Valls apresenta a demissão do seu Governo. Volta a ser nomeado primeiro-ministro mas de um Governo então expurgado de dois dos ministros mais críticos e politicamente mais à esquerda: os agora também candidatos às primárias Arnaud Montebourg e Benoît Hamon.


Gonzalo Fuentes - Reuters

Os governos de Valls ficam marcados por atentados terroristas e pela contestação à reforma laboral no seio do próprio partido.

Com receio de ver as propostas chumbadas pelos próprios socialistas, a reforma laboral acabou por ser validada sem votação no Parlamento, com Valls a recorrer a um mecanismo que a Constituição prevê mas que o próprio Hollande classificou no passado de “negação da democracia”. Agora candidato ao Eliseu, o mesmo Valls propõe acabar com este mecanismo exceto para leis orçamentais.

Manuel Valls é visto como um candidato mais social-liberal e até chegou a propor que fosse alterado o nome do Partido Socialista. Em 2014, o ex-primeiro-ministro defendeu ser tempo de acabar com uma “esquerda do passado” que permanece “assombrada por um ego marxista e pela memória dos 30 anos gloriosos”.
Arnaud Montebourg
Pela segunda vez, Arnaud Montebourg tenta chegar à Presidência da República pelo Partido Socialista. O advogado francês de 54 anos candidatou-se às primárias de 2011, tendo conseguido um surpreendente terceiro lugar.

Com a chegada de Hollande ao Eliseu, Arnaud Montebourg assume a pasta da Recuperação Produtiva, com a missão de dar uma nova vida à indústria francesa. Segue uma política de intervencionismo nas empresas e centra o discurso na defesa do “made in France”. Quando Valls chega a primeiro-ministro, Montebourg acumula ainda as pastas da Economia e do Digital.

Em 2014, juntamente com Benoît Hamon, pede a François Hollande e Manuel Valls que invertam a política seguida perante os escassos resultados obtidos: fraco crescimento económico e contínuo aumento do desemprego.


Gonzalo Fuentes - Reuters

Arnaud Montebourg pede que Paris se apresente como alternativa ao pensamento da direita alemã de Angela Merkel, deixe de privilegiar a redução do défice e aposte no crescimento económico e na procura.

A inversão não acontecerá: Montebourg sai do executivo na reformulação do verão de 2014 e é substituído pelo mais liberal e ex-banqueiro Emmanuel Macron na Economia. Acabará por dizer em 2016 que se arrepende de ter apoiado François Hollande. Apresenta-se agora para conquistar o voto dos que estão desiludidos com o ainda Presidente.

Em termos europeus, Montebourg opõe-se aos acordos TTIP e CETA, pretende impor à Comissão Europeia um “mandato de crescimento e emprego” e é favorável à criação de um Governo da Zona Euro que permita construir um “euro democrático” e acabe com o “euro oligárquico”. Benoît Hamon
Na busca pelo rumo que os socialistas franceses devem seguir, Benoît Hamon encaminha o partido para a esquerda. Desde cedo que militou para esse lado, frequentemente ao lado de Arnaud Montebourg e Vincent Peillon.

Foi eurodeputado socialista, defensor do Não no referendo à constituição europeia de 2005 e porta-voz do Partido Socialista a partir de 2008. Integra o Governo de François Hollande em 2012 como ministro adjunto para a Economia Social, integrando a equipa do atual comissário europeu Pierre Moscovici.

Com a mudança de primeiro-ministro em abril de 2014, Benoît Hamon passa a ministro da Educação, mas não por muito tempo. Sai ao fim de quatro meses, em desacordo com a política seguida pela dupla Valls e Hollande.

Juntamente com Arnaud Montebourg, Hamon pretendia que Paris se apresentasse como alternativa ao pensamento da direita alemã de Angela Merkel, deixando de privilegiar a redução do défice e apostando no crescimento económico e na procura.


Jacky Naegelen - Reuters

Anuncia no verão de 2016 a candidatura às Primárias da esquerda, e tenta agora sublinhar o que o distingue do anterior aliado Arnaud Montebourg. Hamon candidata-se como uma “alternativa de esquerda”, em defesa do “progresso social e ecológico”, por uma “República humanista”.

Não poupa críticas ao mandato de François Hollande, afirmando que a esquerda “fracassou no fundamental: a redução das desigualdades”. É o único dos candidatos às Primárias que quer encorajar a redução da carga horária semanal, cuja regra atualmente são as 35 horas.

Benoît Hamon quer ainda instaurar um Rendimento Básico Universal no valor de 600 euros e que seria entregue a todos os jovens que tenham entre 18 e 25 anos. O candidato quer ainda que a existência do Rendimento Básico Universal seja alvo de uma discussão no país.

No olhar que lança à Europa, Hamon apresenta-se contra o TTIP e o CETA e a favor de um salário mínimo europeu. O candidato promete ainda defender a “anulação da dívida acumulada desde 2008 dos Estados membros mais endividados”, insistindo na necessidade de “desapertar o nó que sufoca os países do Sul”.
Outros candidatos
Manuel Valls, Arnaud Montebourg e Benoît Hamon aparecem na linha da frente, mas não são os únicos a tentar a sorte como potencial candidato socialista ao Eliseu. Os restantes quatro candidatos aparecem abaixo dos dez por cento nas sondagens.

No aglomerado de outros candidatos, Vincent Peillon é aquele que aparece em melhor posição. A sondagem da BVA prevê que consiga sete por cento de votos. Peillon conta já com uma longa carreira no Partido Socialista, sendo eurodeputado desde 2004.

Interrompeu a carreira no Parlamento de Estrasburgo em 2012 para se juntar à equipa de François Hollande, na qual tutelou a Educação.

Saiu do Ministério em 2014 na remodelação governamental levada a cabo pelo Presidente francês depois da derrota nas eleições autárquicas, tendo sido substituído por Benoît Hamon.

Sylvia Pinel preside ao Partido Radical de Esquerda, um aliado do Partido Socialista. Participou na campanha eleitoral de Hollande em 2012 e fez parte dos Governos do Presidente socialista. Começou por ser ministra adjunta do Artesanato, Comércio e Turismo.
 

Philippe Wojazer - Reuters

A partir de abril de 2014, quando Manuel Valls passou a primeiro-ministro, liderou o Ministério da Habitação. Saiu do executivo no princípio de 2016 para dedicar-se à vice-presidência do Conselho Regional da Occitânia, uma região do sul de França. As sondagens dão-lhe três por cento de votos na primeira volta.

François de Rugy preside ao Partido Ecologista, uma pequena formação política que criou em 2015, depois de se ter separado do grupo Europe Ecologie – Les Verts. Rugy considerava que a principal formação ecologista francesa seguia demasiado à esquerda. As sondagens indicam que não deverá ultrapassar os dois por cento na primeira volta.

A confiar nos inquéritos estatísticos, Jean-Luc Bennhamias também não deverá ultrapassar os dois por cento. Bennhamias candidata-se às Primárias pela Frente Democrática, partido de centro-esquerda que o próprio criou em 2014.
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