Estado da União. Juncker afasta-se da Europa "à la carte" de Macron

por Christopher Marques - RTP
Christian Hartmann - Reuters

O debate do Estado da União quer-se de balanço, mas sobretudo de futuro. Assim foi esta quarta-feira. Jean-Claude Juncker elencou as prioridades para os próximos meses e encaminhou o projeto para fora da “Europa à la carte”. Europeísta convicto, Juncker defendeu a adoção do euro por todos os Estados-membros, a criação de um ministro europeu para as Finanças e a adesão dos países balcânicos. Sem rodeios, fechou a porta à Turquia.

Dois mil e dezasseis tinha sido um ano negro para a União Europeia. Em destaque, a reposta à crise migratória, o choque pela decisão britânica de sair da União Europeia, o crescimento dos populismos e ainda a polémica da ida de Durão Barroso para o Goldman Sachs.

Um ano depois, Jean-Claude Juncker regressou a Estrasburgo para debater o Estado da União. O regresso fez-se com outro otimismo, alicerçado pela recuperação económica do bloco europeu mas também por ter passado o choque do Brexit, apesar da futura relação entre Londres e Bruxelas se manter uma incógnita.

Perante os deputados, Juncker foi claro. Quando olha para a Europa de setembro de 2017, o chefe do executivo comunitário observa "ventos favoráveis". Se, no ano passado, era preciso tratar das feridas, hoje o caminho é outro. É preciso trabalhar para o futuro, a curto e a médio prazo.

Foi precisamente esta divisão que o ex-primeiro-ministro luxemburguês optou por fazer no seu discurso: a aposta até ao fim da legislatura europeia (2019) e a visão de Jean-Claude Juncker para aquilo que deve ser o pós-2019. É sobre este último ponto que a proposta é mais ambiciosa, capaz de gerar maior divergências entre países.
Euro para todos
Com as suas propostas, Jean-Claude Juncker indica que a Europa "à la carte" não é o caminho a seguir – divergindo daquela que tem sido a proposta do Governo francês de Emmanuel Macron.

O Presidente francês tinha proposto a criação de um Parlamento para a Zona Euro e de um orçamento específico para os países da moeda única. Para Jean-Claude Juncker, não são necessárias “estruturas paralelas”, tendo o líder europeu mesmo enfatizado que “o Parlamento da Zona Euro é o Parlamento Europeu”.

No que diz respeito ao Orçamento, o chefe do executivo comunitário defende que uma parte seja reservada à Zona Euro, mas sem tratar-se de um orçamento autónomo, ao contrário do que é proposto por Paris.

As propostas de Jean-Claude Juncker para a Zona Euro traduzem aquela que é a sua grande ambição: o não à Europa "à la carte", a consagração de uma Europa completa para todos. Esta realidade passa desde já pela adoção do Euro por todos os países.

O presidente da Comissão Europeia recordou que todos os países estão obrigados a adotar a moeda única quando cumprirem os critérios, com exceção de dois – o Reino Unido e a Dinamarca assinaram cláusulas que as excluem desta obrigatoriedade.

“Se queremos que o euro una o nosso continente em vez de o dividir, ele tem de ser mais do que a moeda de alguns. O euro tem vocação para se tornar a moeda única de toda a União Europeia”, afirmou.

No fim do discurso, Jean-Claude Juncker foi ainda mais longe. O presidente da Comissão Europeia disse esperar que, a 30 de março de 2019, a União Europeia seja um espaço onde “ser membro por inteiro da Zona Euro, da União Bancária e do Espaço Schengen se tenha tornado a regra para cada Estado-membro”.
Ministro europeu das Finanças
A estratégia económica de Jean-Claude Juncker passa ainda pela criação de um ministro europeu para a Economia e as Finanças, cargo que seria assumido por um vice-presidente da Comissão, que seria ainda presidente do Eurogrupo.

Para Filipe Vasconcelos Romão, esta é “a melhor ideia que Juncker apresentou no Estado da União”. O especialista em Assuntos Europeus acredita que esta seria uma possibilidade para “retirar o poder a um superministro de um Estado da União Europeia”, dando esse poder a alguém que esteja “equidistante” face às potências.

Filipe Vasconcelos Romão exemplifica com a resposta do Banco Central Europeu à crise, depois da entrada de Mário Draghi. “Numa dinâmica supranacional e contrária à vontade da Alemanha, conseguiu impor a questão da compra da dívida que permitiu a diminuição das taxas de juro”, explica.
"Um só comandante"
Na estratégia de cargos europeus, Jean-Claude Juncker defendeu ainda que os cargos de presidente do Conselho Europeu e de presidente da Comissão Europeia sejam unidos num só.

Atualmente, Jean-Claude Juncker preside à Comissão Europeia – que funciona como Governo da União Europeia - e Donald Tusk preside ao Conselho Europeu – que reúne os líderes dos 28 Estados-membros. Juncker considera que a fusão dos dois cargos tornaria a União Europeia mais “compreensível” e faria “o navio europeu ser pilotado por um só comandante”.

O chefe do executivo comunitário defende ainda a entrada imediata da Roménia e da Bulgária no Espaço Schengen, a zona europeia de livre-circulação e fronteiras abertas. Juncker pretende ainda que a Croácia faça parte deste espaço, quando conseguir cumprir os critérios.

Jean-Claude Juncker defendeu ainda que novos países entrem na União Europeia, abrindo a porta aos países balcânicos. Por outro lado, o líder do executivo comunitário fechou a porta à entrada da Turquia.
Depois do Brexit
Com os olhos postos no pós-2019, Jean-Claude Juncker não esqueceu a saída do Reino Unido da União Europeia. O presidente da Comissão recordou que a União terá 27 membros depois do dia 29 de março de 2019. “Será um momento muito triste e trágico. Iremos sempre lamentá-lo mas temos de respeitar a vontade do povo britânico”, assinalou.

Jean-Claude Juncker quer que os 27 se preparem para o Brexit, tendo recordado que as eleições europeias se desenrolarão em maio de 2019 – poucos meses depois da concretização da saída britânica.

Juncker pede por isso ao presidente do Conselho Europeu que seja organizada uma cimeira europeia precisamente no dia 30 de março, tendo proposto que a mesma se realize na cidade romena de Sibiu.

“Este deverá ser o momento para nos reunirmos e tomarmos as decisões necessáras para a construção de uma Europa mais unida, mais forte e mais democrática”, defendeu.

Mantendo a metáfora da navegação, Jean-Claude Juncker terminou o discurso com a recordação de que a Europa criou mecanismos como o mercado único, o espaço Schengen e a moeda única, que anteriormente pareciam meras ideias.

“Temos de começar a terminar o trabalho imediatamente. Agora que está bom tempo, e enquanto ainda fizer bom tempo. Porque, quando as nuvens regressarem – e irão regressar – será tarde demais”, afirmou.
"Liberto das amarras dos Estados"
Na análise ao discurso de Jean-Claude Juncker, Filipe Vasconcelos Romão considera que o presidente da Comissão se apresenta “liberto das amarras dos Estados” e marca a diferença face ao discurso de Emmanuel Macron.

“Macron apresentou uma tentativa de reativação do eixo franco-alemão”, enquanto “Juncker vem tentar recuperar a iniciativa por parte das instituições europeias libertas dos Estados”, explica o comentador RTP de Assuntos Europeus.

Jean-Claude Juncker afasta também a ideia de uma Europa "à la carte", no que Filipe Vasconcelos Romão considera ser uma provocação aos maiores Estados da União Europeia. Pouco depois do discurso de Juncker, a Reuters revelou, citando fontes diplomáticas, que Emmanuel Macron apresentará uma proposta de reforma da Zona Eurp no dia 26 de setembro.

“É mais uma provocação no sentido de combater a ideia hegemónica dos Estados mais fortes que pretendem um diretório e uma conceção de ‘quem não está, estivesse, nós avançamos na mesma”, afirma o comentador.

Com os olhos postos já no futuro da União Europeia, Jean-Claude Juncker elencou ainda as prioridades para os próximos 16 meses, os derradeiros da atual legislatura e do seu primeiro mandato na chefia do executivo europeu.

O presidente da Comissão Europeia destacou cinco propostas que considera serem “particularmente importantes”: o reforço do comércio com outros parceiros, o desenvolvimento da indústria europeia, o combate às alterações climáticas, a defesa perante os perigos do mundo digital e os ciberataques e a resposta aos fluxos migratórios.
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