Estados Unidos acusam Rússia de "incompetência" no controlo da Síria

Se há poucos dias Washington considerava que o futuro de Assad não integrava a lista de prioridades dos Estados Unidos no Médio Oriente, o ataque químico da semana passada na província de Idlib transformou por completo a visão oficial da Administração Trump em relação ao conflito na Síria. As recentes declarações de Rex Tillerson, secretário de Estado norte-americano, e de Nikki Haley, embaixadora dos Estados Unidos na ONU, denotam uma alteração radical do tom usado com a Rússia - principal aliada de Damasco - até há pouco tempo considerada próxima da nova Presidência. Uma mudança que deverá ficar patente esta segunda-feira na reunião do G7, em Itália.

Andreia Martins - RTP /
Carlos Barria - Reuters

Menos de três meses após a tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos, a política de aproximação da nova Administração à Rússia parece ter os dias contados. Rex Tillerson, secretário de Estado norte-americano, acusa Moscovo de “incompetência” e fracasso na prevenção de ataques com armas químicas.
 
O responsável máximo pela diplomacia norte-americana realça que o Governo de Vladimir Putin tinha garantido que todas as armas químicas do regime sírio seriam destruídas e que o fracasso na concretização deste objetivo permitiu o ataque da semana passada.  

Em entrevista à televisão norte-americana CBS, o secretário de Estado admitiu no domingo que não há quaisquer evidências que sugiram que a Rússia sabia do ataque químico de terça-feira. Mas lembrou que, “se a Rússia foi cúmplice deste ataque ou se foi simplesmente incompetente a preveni-lo, ou se foi enganada pelo regime sírio, falhou de qualquer forma um compromisso que tinha estabelecido com a comunidade internacional”.
 
“A Rússia tinha concordado em ser o garante da destruição das armas químicas sírias. O resultado do seu fracasso levou à morte de mais crianças e inocentes”, acrescentou Tillerson, que enquanto foi presidente executivo da Exxon Mobil recebeu das mãos de Vladimir Putin o prémio da “Ordem de Amizade” após a assinatura de um contrato com uma petrolífera estatal russa em 2013.

Sobre o futuro de Assad, Tillerson foi mais vago e considerou que a prioridade é conseguir “estabilizar a situação na Síria” e eliminar o autoproclamado Estado Islâmico.

Mas a embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, foi mais perentória e considerou que o afastamento do Presidente sírio passou a ser “uma prioridade”, a par com o combate ao grupo terrorista ou o afastamento da influência iraniana no regime sírio. 



“Se olharmos às suas ações, se olharmos à situação no terreno, é difícil imaginarmos um Governo pacífico e estável com Assad”, referiu a responsável em entrevista à CNN, também no domingo, reiterando que o afastamento do líder seria agora “inevitável”. 

É uma mudança radical de toda a retórica do Governo norte-americano no espaço de uma semana. Ainda no dia 30 de março a representante dos Estados Unidos na ONU considerava necessária uma redefinição das prioridades de Barack Obama, que via como essencial o afastamento de Bashar al-Assad. 

“A nossa prioridade deixou de ser retirar Assad do poder”, dizia então Nikki Halley, no mesmo dia em que Rex Tillerson havia declarado que o futuro do Presidente sírio desde 2000 seria decidido “pelo povo da Síria”. 
Semana decisiva
Se há apenas alguns anos Trump pedia ao seu antecessor que se focasse nos problemas internos e descartasse uma intervenção direta na questão síria, agora Assad é o “ditador” que os Estados Unidos culpam pelo recente ataque com armas químicas e que matou “tantos inocentes”.

Este conjunto de declarações marca também um afastamento decisivo em relação à Rússia. Nas últimas semanas, a Administração vinha a ser investigada pelas ligações de vários responsáveis ao regime de Moscovo e a suposta ingerência na campanha presidencial de 2016. Uma situação de instabilidade interna que levou à demissão de vários responsáveis do círculo próximo de Donald Trump. 

A mudança radical acontece na iminência de um encontro do G7, que decorre esta segunda-feira em Itália, onde o secretário de Estado norte-americano vai estar com outros líderes europeus e mundiais. Na terça-feira, Tillerson viaja diretamente para Moscovo para se encontrar com Sergei Lavrov, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros.



Putin é o aliado central do Governo de Bashar al-Assad e tinha garantido, após o ataque com armas químicas em Ghouta em agosto de 2013, que o arsenal químico do regime sírio seria totalmente destruído. 

O compromisso não impediu que, na semana passada, um ataque com armas químicas na localidade de Khan Sheikhoun, em Idlib, tenha feito pelo menos 89 mortos, incluindo 39 crianças, tido sido atribuído pelo Ocidente ao regime sírio.

Em resposta unilateral a este ataque, os Estados Unidos lançaram 59 mísseis Tomahawk durante a madrugada de sexta-feira no ataque a uma base aérea de Shayrat, apontada como um antigo local de armazenamento de armas químicas. Foi a primeira intervenção militar dos Estados Unidos no país em mais de seis anos de guerra civil. 

Moscovo argumenta que o regime de Assad não levou a cabo nenhum ataque químico, mas que o ataque aéreo sírio apenas bombardeou depósitos de produção de armas químicas que pertenciam aos rebeldes. Se o Governo sírio diz que o ataque de sexta-feira por parte dos Estados Unidos foi “insensato e irresponsável”, a Rússia avalia-o como um “ato de agressão contra um Estado soberano, que violou o Direito Internacional sob um pretexto exagerado”. 
Celeuma britânica
Espera-se nos próximos dias uma escalada de pressões para que Putin acabe com os apoios ao regime de Bashar al-Assad. Tillerson deverá levar do encontro do Grupo dos Sete até Moscovo uma série de medidas e exigências que os aliados dos Estados Unidos estão prontos a apresentar, nomeadamente uma nova série de sanções económicas que deverá ser proposta pelo ministro britânico dos Negócios Estrangeiros.

O aumento de tensão levou ao cancelamento de uma visita de Boris Johnson a Moscovo, prevista para esta segunda-feira. A visita foi cancelada “devido à defesa continuada do regime de Assad por parte da Rússia”, esclarecia o comunicado de Londres.  

“A minha prioridade é agora prosseguir o contacto com os Estados Unidos e outros, na aproximação da cimeira do G7 dos dias 10 e 11 de abril, tendo em vista organizar um apoio internacional coordenado a um cessar-fogo no terreno e intensificar o processo político. Falei destes projetos, em detalhe, com o secretário de Estado Tillerson. Ele vai deslocar-se a Moscovo como previsto e, após o encontro do G7, poderá fazer passar esta mensagem clara e coordenada aos russos”, explicou Boris Johnson em comunicado.
 
O jornal The Guardian conta esta segunda-feira que a polémica já chegou à Embaixada da Rússia no Reino Unido, numa série de tweets provocatórios e jocosos, que tentam diminuir a importância da atuação britânica no contexto do conflito sírio. 


“Se o ultimato do G7 à Rússia levar a uma situação de guerra, qual é a vossa confiança em Donald Trump como líder em tempo de conflito e em Boris Johnson, como seu tenente?”, questiona a Embaixada através da rede social. 

De recordar que a Rússia integrava o grupo informal G8 até 2014, mas foi excluída após a anexação da Crimeia, em março do mesmo ano, considerando o resto dos países que a ação por parte de Moscovo violava o Direito Internacional. 
Provocações dos dois lados
Durante o fim de semana, na sequência do ataque de sexta-feira, a Rússia e o Irão condenaram a operação americana contra a base aérea síria e prometeram continuar o combate contra os “terroristas”.

No sábado a região de Idlib, que abrange a localidade atingida pelo ataque químico de 4 de abril, terá sido visada num novo raid aéreo, que terá feito pelo menos 15 mortos, segundo confirmou o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, organização humanitária sediada em Londres.

Numa declaração conjunta citada pela agência Reuters através do grupo de comunicação Ilam al Harbia, os dois países consideraram que os Estados Unidos fizeram “uma transgressão de várias linhas vermelhas” na Síria que teria uma resposta militar conjunta, em caso de continuação.

“A partir de agora vamos responder pela força a qualquer agressor e a qualquer violação das linhas vermelhas, venha de quem vier, e a América sabe da nossa capacidade para responder bem", referia o comunicado conjunto dos dois aliados, após um telefonema entre o Presidente russo Vladimir Putin e o líder iraniano Hassan Rouhani.  
Também numa conversa telefónica no passado sábado entre Tillerson e Sergei Lavrov, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros considerou que “atacar um país cujo Governo está a combater o terrorismo apenas vai ajudar os terroristas e criar mais ameaças à segurança regional e global”. 

Terá sido o aviso dos aliados do regime alauita que governa há várias décadas a Síria a uma garantia deixada pelos Estados Unidos, logo após o ataque à base aérea da passada sexta-feira. Perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, numa reunião de emergência exigida pela Rússia após o lançamento de mísseis norte-americanos, a embaixadora Nikki Haley reiterou que a Administração Trump está preparada para ordenar novos ataques no sentido de derrubar o regime de Assad. “Mas esperamos que isso não seja necessário”, acrescentou.
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