Estados Unidos estudam ofensiva em duas frentes contra o Estado Islâmico

Uma coligação internacional que enfrente os radicais do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. É esta a linha estratégica dos Estados Unidos para vencer a maior ameaça terrorista conhecida até agora, de acordo com palavras dos responsáveis pela Defesa norte-americana, em conferência de imprensa no Pentágono. Nada foi dito sobre um regresso em força de tropas americanas a solo iraquiano ou outra mudança de estratégia militar. Pelo contrário, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, general Martin Dempsey, sublinhou que só com a ajuda dos 20 milhões de sunitas presentes nos territórios agora dominados pelo Estado Islâmico será possível vencer o grupo radical.

Graça Andrade Ramos, RTP /
O secretário da Defesa dos EUA Chuck Hagel e o Chefe de Estado Maior das forças Armadas norte-americanas, general Martin Dempsey, durante a conferência de imprensa no Pentágono Reuters

A conferência de imprensa do secretário da Defesa Chuck Hagel e do general Dempsey, na quinta-feira, revelou que a Administração norte-americana está a preparar uma resposta sem misericórdia, mas ao mesmo tempo prudente e ponderada, à execução na passada terça-feira do jornalista James Foley. E ao desafio nela contido. O Estado Islâmico (EI) procurou amedrontar os Estados Unidos ameaçando executar um segundo jornalista norte-americano, caso o Presidente Barack Obama não acabasse com as operações militares contra o grupo. Terá conseguido o efeito oposto.

Horas depois da difusão do vídeo da execução - que foi entretanto retirado das redes sociais Twitter e Facebook para neutralizar o efeito de terror pretendido pelos radicais - a aviação norte-americana realizou meia dúzia de ataques contra alvos do Estado Islâmico junto à barragem de Mossul, reconquistada no fim de semana por forças curdas peshmergas.

E esse deverá manter-se para já o único âmbito de envolvimento norte-americano, servindo um objetivo de curto prazo. "De forma geral, estas operações contiveram o ímpeto do ISIL (uma das sigla para o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, nome original do grupo EI) e possibilitaram às forças iraquianas e curdas recuperar terreno e tomar a iniciativa", disse Hegel.

Mas o EI deverá reagrupar-se, consciente da sua força e dos seus formidáveis recursos em homens e equipamento.

A ameaça colocada pelo Estado Islâmico exige outra resposta mais ampla que implique a sua derrota total. E para isso será necessário um maior esforço e abrir outra frente de ataque, a Síria.
Coligação
"Eles podem ser contidos mas não para sempre. Esta é uma organização com uma visão estratégica apocalíptica, de fim do mundo, e que terá de ser eventualmente vencida", afirmou o Chefe de Estado Maior norte-americano, general Martin Dempsey.

"Para responder à sua pergunta, se podem ser vencidos sem enfrentar a parte da organização baseada na Síria? A resposta é não", afirmou Dempsey sem rodeios. "A questão terá de ser enfrentada de ambos os lados daquilo que é essencialmente uma fronteira inexistente neste momento", acrescentou o general, sublinhando contudo que o esforço não será somente norte-americano.

"Esse momento irá surgir quando tivermos uma coligação na região que assuma a missão de derrotar o ISIS (outra das anteriores siglas em inglês do EI)", afirmou Dempsey, "O ISIS só será realmente derrotado quando for rejeitado pelos 20 milhões de sunitas não alinhados que atualmente residem entre Damasco e Bagdade". O Presidente norte-americano Barack Obama, ao reagir quarta-feira à divulgação do vídeo de execução de Foley, afirmou que os ataques aéreos continuariam mas que não seriam enviadas tropas terrestres. Deverá ser apenas reforçado o atual contingente de proteção à embaixada norte-americana em Bagdade e de controlo do aeroporto da capital iraquiana, com menos de 300 homens.

Os EUA não pretendem por isso investir homens na nova frente de guerra, seja ela iraquiana ou síria, apesar de conscientes do perigo representado pelo Estado Islâmico. Um grupo terrorista que, nas palavras do responsável pela Defesa dos Estados Unidos, vai "muito além" de qualquer outra ameaça conhecida até agora, suplantando até a Al Qaeda.

Hagel sublinhou as características ímpares do EI que junta "ideologia" a "proezas militares" e é "extremamente bem financiado".

"Isto vai para além do que já vimos", afirmou Hagel, concluindo que o grupo é "uma ameaça iminente a todos os interesses que temos, seja no Iraque ou em qualquer outro local".
Uma estratégia abrangente...
A Administração Obama excluiu ainda os muçulmanos xiitas, com o Irão à cabeça, na estratégia de ataque ao EI. O seu envolvimento tornaria provavelmente a situação ainda mais explosiva, devido à profunda hostilidade e rivalidade entre os principais ramos do Islão, sunitas e xiitas.

Além disso, na quinta-feira, Teerão tentou condicionar a sua participação numa força internacional, exigindo um desanuviamento na pressão sobre o seu programa nuclear. "Se aceitarmos fazer algo no Iraque a outra parte das negociações deverá fazer algo em contrapartida", declarou o responsável pela diplomacia iraniana, Mohammad Javad Zarif, à agência Irna. Condições que Washington não está disposta a admitir.

A estratégia norte-americana para com Bagdade parece clara mas a sua simplicidade mascara a sua abrangência. Exigir que sejam as tropas iraquianas a garantir a segurança do país é apenas o primeiro passo. Ajuda humanitária, proteção de instalações americanas e dos seus cidadãos no local, abrem, por outro lado, um leque variado de opções de intervenção no terreno.Os mais de 90 ataques aéreos dos EUA contra alvos do EI junto à barragem de Mossul foram justificados pelo risco de uma explosão na estrutura e o perigo que isso representava para as populações civis até Bagade.

Outra aposta é o entendimento político em Bagdade, o estabelecimento de um Governo de união nacional que integre efetivamente sunitas, xiitas e curdos, algo impossível nos anos mais recentes sob a liderança do primeiro-ministro cessante Nouri al-Maliki. O seu substituto, Haïdar al-Abadi, deverá anunciar brevemente o seu novo Governo e, eventualmente, retirar alguma base do apoio popular sunita que tem impulsionado o EI.

O apoio direto aos curdos, que têm sido a tropa de choque no terreno ao suster o avanço dos radicais, deverá ficar dependente deste entendimento em Bagdade, até porque nos últimos anos Washington tem olhado os curdos como quase terroristas, devido à sua oposição de três décadas a Bagdade e à exigência de independência do Curdistão, à qual se opõe um membro da NATO: a Turquia.
...mas de curto prazo...
Os especialistas aconselham, contudo, os norte-americanos a repensar rapidamente a sua estratégia contra o Estado Islâmico.

Para o especialista de Defesa Stephen Biddle, o sucesso dos ataques iniciais vai diminuir e as dificuldades para vencer o EI permanecem enormes. "Neste tipo de guerra, os primeiros bombardeamentos têm sempre um efeito imediato pois permitem destruir os alvos pouco ou nada protegidos", afirma. Mas os combatentes adaptam-se e dispersam os seus equipamentos militares e misturam-se com a população civil, alterando profundamente os dados.

"Isto não significa que os bombardeamentos se tornem inúteis mas tornam-se cada vez menos eficazes" explica Biddle citado pela Agência France Presse, lembrando que ataques aéreos bem mais significativos em meados dos anos 2000, com tropas no solo, não conseguiram pôr fim ao conflito no Iraque.
...e criticada internamente
Internamente, a Administração Obama terá ainda de enfrentar a pressão republicana, para quem a resposta do Presidente, apesar de justificada, é demasiado fraca e que poderá ganhar apoio popular após a execução de James Foley.

Como sublinhou o senador republicano John McCain, é tempo de enfrentar muito mais duramente "a organização terrorista mais brutal jamais vista". "Quanto mais (Obama) espera mais o EI se adapta e mais difícil será" enfrentá-lo, considerou o ex-candidato à Casa Branca, cujo curriculum inclui o comando de tropas no Vietname, onde foi igualmente feito prisoneiro e torturado.

McCainn considera igualmente vital atacar o EI na Síria, para lhe cortar linhas de abastecimento para o Iraque.
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