Forças e fraquezas do Estado Islâmico

Descrito pela Administração norte-americana como uma ameaça terrorista que vai "muito além" do que já foi visto até agora, o grupo radical Estado Islâmico apresenta-se como um adversário formidável, capaz de "proezas militares", o que implica boa organização e estratégia eficaz, estando "extremamente bem financiado". Pode, contudo, ser vencido.

Graça Andrade Ramos, RTP /
Militantes do estado Islâmico às portas de Mossul a 11 de junho de 2014 Reuters

Pouco se sabe sobre o líder do estado Islâmico, Abu Bakr al-Bagdadi, exceto que esteve prisioneiro num campo americano no Iraque e que se distingue como general e líder admirado pelos seus homens.

Uma alegada foto do esquivo líder do grupo Estado Islâmico e auto-proclamado califa Abu Bakr al-Bagdadi (Foto: Reuters)

A sua rápida ascenção à liderança do grupo anteriormente denominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) e ao correspondente prestígio na Al Qaeda antes da sua queda em desgraça junto do líder Ayman al-Zawahiri, permite depreender que é um homem militarmente ousado, com carisma e extremamente ambicioso. Tem-se ainda revelado um bom administrador dos recursos conquistados.Al Bagdadi, o auto denominado califa do Estado Islâmico, é o novo inimigo número 1 dos Estados Unidos. Mas as lideranças de países da região, sejam sunitas como a Arábia Saudita ou militares como o Egipto, também colocaram a cabeça dele a prémio.

Entrincheirado no leste da Síria, em territórios conquistados a outros grupos extremistas sunitas, num conflito que, à margem da luta contra o Governo sírio, fez mais de 6.000 mortos, o Estado Islâmico domina desde junho o acesso as riquezas do norte do Iraque, nomeadamente o petróleo e o gás mas também áreas de produção cerealífera, tendo-se apoderado das reservas de cereais do Iraque, o que lhe permite garantir o sustento das suas tropas nos próximos meses e chantangear o apoio das populações locais reticentes. "O EI tem as suas forças e as suas fraquezas" sublinhou terça-feira passda o porta-voz do Pentágono, o contra-almirante John Kirby. "Eles são poderosos, eles têm recursos. São bastante bem organizados para um grupo terrorista. Mas eles também não são gigantes, como já vimos. Através destes ataques (aéreos) foram atingidos. As suas capacidades foram atingidas. Por isso, não são invencíveis", acrescentou.

Apesar de ser, sob muitos aspetos, uma força mais formidável do que as forças de Saddam Hussein, o grupo radical Estado Islâmico pode, contudo, ser vencido, como demonstraram os recentes bombardeamentos norte-americanos que permitiram às milícias curdas, os pershmergas, recuperar o controlo da barragem de Mossul, um recurso vital para dominar as planícies na bacia do rio Tigre.

A eficácia dos bombardeamentos aéreos deverá diminuir à medida que os militantes se adaptam, escondendo alvos e misturando-se com as populações civis. A estratégia norte-americana de não envolvimento para além de apoio as tropas locais através de Bagdade, terá por isso de se adaptar a médio prazo.

Caça norte-americano F/A-18E Super Hornet aterra do porta-aviões George H W Bush no Golfo (Foto Reuters)Tropas curdas iraquianas observam os efeitos de um bombardeamento dos EUA na batalha pela barragem de Mossul (Foto: Reuters)Tropas curdas dominam um alegado militante do Estado Islâmico. Muitas vezes os suspeitos de pertencerem ao grupo radical são sumariamente executados quando são capturados pelas populações locais que se opõem ao domínio do EI (Foto: Reuters)

Homens e arsenais do EI
A maior vantagem dos radicais poderá ser precisamente a sua fluidez de movimentos e não se comportarem como um exército regular. De acordo com estimativas do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSCS), uma organização baseada em Londres com uma vasta rede local de contactos na Síria e no Iraque, o grupo radical poderá ter atualmente até 50.000 homens. A organização acrescenta que o EI está a crescer continuamente, alimentado por milhares de adesões todas as semanas. Calcula-se que, só no último mês, mais de 6.000 homens tenham aderido às suas fileiras e que pelo menos mil deles tenham origem em países europeus.

No Iraque o grosso das forças do EI, 8.000 a 10.000 homens, será composto por iraquianos sunitas, mas inclui combatentes vindos dos países do Golfo, da Chechénia, da Europa e até da China. O recrutamento tem sido feito sobretudo através de redes sociais mas, sublinham alguns analistas, há quem se junte ao grupo coagido pelo medo, pelo fascínio da propaganda "hollywodesca" de força, transmitida pelas execuções, decapitações e rápida conquista territorial, ou até pelos salários oferecidos.

Militante do EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) num posto de controlo às portas de Mossul (Foto: Reuters)Tropas curdas tentam suster o avanço do EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) em Tikrit (Foto: Reuters)

O grupo possui ainda um arsenal poderoso, em parte confiscado a outros grupos terroristas vencidos na Síria e em parte recuperado das tropas iraquianas em fuga. A maior parte deste equipamento tem origem norte-americana. O Estado islâmico pode igualmente comprar armamento, através de vastos recursos financeiros à sua disposição.
Financiamento e recursos
De acordo com especialistas, o EI tem múltiplas fontes de financiamento. Cerca de 5% dos seus fundos terá origem em donativos à causa, transferidos por famílias de países do Golfo, com o Qatar à cabeça. O auto-financiamento, através de extorsão, impostos e taxas às populações locais nos territórios que domina é de longe a a fonte de rendimentos mais segura, permitindo-lhe coletar cerca de 100 milhões de dólares anuais.

A conquista de Mossul, a segunda maior cidade iraquiana, na sua fulgurante ofensiva de junho, deu ainda ao EI acesso às reservas líquidas dos bancos locais, calculada em 400 milhões de dólares, aos quais se deverá somar o dinheiro dos cofres do Conselho Provincial de Nínive, cerca de 250.000 dólares, de acordo com o seu anterior responsável.

Casas destruídas na batalha pela barragem de Mossul entre tropas curdas com apoio dos EUA e militantes do grupo radical Estado Islâmico (Foto: Reuters)

Outros rendimentos são o contrabando de petróleo e de antiguidades e o pagamento de resgates por reféns ocidentais. Só à à família de James Foley, o jornalista americano executado terça-feira, o EI terá pedido 100 milhões de euros soube-se agora, através de um e-mail publicado pelo empregador do freelancer, o jornal de Boston Global Post.
Importância do Califado
Logo após a conquista de Mossul e de Tikrit, o líder do EI proclamou a instauração de um califado, incluindo os territórios já controlados. Cerca de 25% da Síria (45.000 km2) e 40% do Iraque (170.000 km2), num total de 215.000 Km, o equivalente ao Reino unido, de acordo com um geógrafo especialista na Síria. Fabrice Balanche sublinha que a maior parte deste territórios, sobretudo no Iraque, são desérticos, o que reduz o seu real domínio do território.

O Califado estende-se assim de Manjeb, no norte da Síria perto da fronteira turca da província de Alepo, para leste incluindo toda a província de Raqa e uma grande parte de Hassaka e de Deir al-Zor, até Boumakal, perto da fronteira com o Iraque. Daqui estende.se pelas regiões sunitas do oeste e do norte, com destaque para a cidade de Mossul. Uma área que inclui cinco poços petrolíferos.



A vantagem para al-Bagdadi em estabelecer o Califado é que, para os muçulmanos sunitas, o Califa pode chamar os fiéis à guerra santa. Os sunitas constituem entre 80% e 90% da população muçulmana mundial e estão espalhados pelo mundo inteiro. Os grupos terroristas islâmicos seguem igualmente o sunismo e podem decidir declarar a sua fidelidade ao novo Califa.
Fraquezas internas
A maior força do EI é o seu carismático líder Abu Bakr al-Bagdadi. E isso poderá ser igualmente a sua maior fraqueza. Eliminando o chefe, será pouco provável a sobrevivência em bloco do grupo radical islâmico.O apoio das populações sunitas é crucial para este primeiro período de domínio do Estado Islâmico. O grupo é ele próprio sunita, de raiz wahabbita mas ainda mais radical. O seu domínio apoia-se no terror por um lado e no provimento de apoios sociais por outro, algo que, em tempo de guerra, deverá ser escasso e frágil.

A tática da crueldade e da força poderá criar ressentimentos entre as comunidades locais e um Governo de unidade iraquiano que inclua sunitas tanto como xiitas e curdos, pode dar força aos inimigos do EI dentro dos território que controla.

Entre estes destaca-se a Al Qaeda, até agora o maior perigo terrorista a nível mundial. O Estado Islâmico formou-se à sombra dela, sob o nome Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL ou ISIS na sua designação em inglês) mas o líder da Al Qaeda repudiou-a quando entrou em choque com as ambições de al-Bagdhadi.

Abu Bakr al-Bagdadi, o líder caristmático do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, ou Estado Islâmico, auto-proclamado califa (Foto: Reuters)

Al-Zawahiri comanda a força de centenas de grupos terroristas e poderá lança-las contra o novo 'califa'. O facto de o Estado Islâmico ter derrotado vários grupos rivais pelo domínio na Síria poderá ainda ter criado ressentimentos e inimigos formidáveis. Mas poderá também atrair antigos oponentes pela sua força, prestígio e poder.
Ameaças externas
A crueldade do Estado Islâmico para com as populações muçulmanas xiitas, cristãs e yazedis, e o perigo político que representa a sua simples existência para os interesses dos poderes vigentes, Ocidentais como sunitas do Médio Oriente, poderão levar a uma união internacional sem precedentes que não terá hesitações em avançar com toda a força para esmagar a ameaça.

Voluntários da minoria Yazidi recebem treino militar junto de tropas curdas para combaterem os militantes do Estado Islâmico (ex-EIIL) (Foto: Reuters)Voluntários xiitas festejam o fim do seu treino em Bakuba, sul do Iraque, e vontade de ir combater os militantes do Estado Islâmico (ex-EIIL) (Foto: Reuters)Interior de uma igreja na localidade cristã síria de Maaloula, severamente perseguida pelos militantes radicais do al Nousra e do EIIL. Os habitantes socorridos pelas tropas leais ao Governo síriopedem a união de todos contra o radicalismo sunita (Foto:Reuters)

Outro fator a ter em contra por al-Bagdadi é a proximidade do Irão, a potência xiita local, pouco interessada em ter às suas portas um Califado sunita com pretensões expansionistas. Teerão poderá avançar com todos os seus recursos e armamento, ainda consideráveis apesar de anos de sanções internacionais, em caso de derrota de uma eventual coligação de interesses sunitas e curdos apoiados pelo Ocidente e para apoiar a maioria da população iraquiana que é xiita. A Turquia é outra potência, membro da NATO, que poderá drenar recursos militares ao EI.

Estar só contra o mundo inteiro pode servir um "ideal apocalíptico", como lhe chamou o atual Chefe de Estado Maior das Forças Armadas dos EUA, mas é uma receita quase infalível para a derrota. Para sobreviver, o EI terá de ceder e vergar ou de formar alianças rapidamente.
PUB