Califado do Iraque e do Levante contra as "porcarias" do Ocidente

Com uma proclamação áudio difundida pela Internet, os jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) proclamaram no início do Ramadão o estabelecimento de um novo califado. Designaram o seu líder, Abu Bakr al-Bagdadi, como "novo Califa", cuja primeira mensagem foi um desafio e um apelo à rejeição do Ocidente. "Muçulmanos rejeitem e democracia, a laicidade, o nacionalismo e as outras porcarias do Ocidente. Regressem à vossa religião", disse al-Bagdadi.

Graça Andrade Ramos, RTP /
Festejos em Raqqa, centro administrativo dos territórios controlados pelo grupo extremista islâmico Estado Islâmico do Iraque e do Levante após a proclamação do califado Reuters

O novo Califa afirmou que o território do Califado se estende "de Aleppo (no norte da Síria) até Diyala (leste do Iraque). Para reforçar a proclamação, o próprio EIIL passou a designar-se "Estado Islâmico".

O re-estabelecimento do Califado, uma estrutura regional e política desaparecida com o desmantelamento do Império Otomano, era um sonho antigo de Osama Bin Laden.

Um califa é sucessor do profeta Maomé como "emir dos crentes", podendo chamar todos os muçulmanos à guerra santa.

A ameaça é levada muito a sério no Ocidente, preocupado com o elevado número de jihadistas nascidos na Europa incluídos nas fileiras do EIIL e com um ressurgir da ameaça terrorista.

Milhares de iraquianos estão concentrados em campos de refugiados após fugirem do avanço do EIIL (foto Reuters)

Tropas especiais iraquianas preparam-se para integrar a ofensiva contra os extremistas do EIIL (foto Reuters)

Os xiitas, o ramo rival dos sunitas no Islão, deverão reagir com firmeza contra o novo Califado, especialmente o Irão.
De Aleppo a Diyala
O território sírio incluído no Califado, administrado a partir de Raqqa, é já dominado em grande parte por grupos extremistas islâmicos, envolvidos na guerra civil da Síria desde há três anos.

No Iraque, o movimento conta com o apoio de várias tribos, de grupos salafitas e de ex-oficias dos tempos de Sadam Hussein. O domínio do EIIL estendeu-se por isso, desde janeiro, na província de al-Anbar, no oeste.



Desde nove de junho de 2014 novas áreas foram conquistadas numa ofensiva armada que apanhou de surpresa as forças de Bagdade. Abrangeu Mossul, a segunda maior cidade iraquiana, uma grande parte da província de Ninive (norte) e setores das províncias de Diyala (leste) Salaedine e Kirkuk (oeste) no Curdistão iraquiano.Ofensiva iraquiana

Com o apoio norte-americano e russo, Bagdade lançou domingo uma ofensiva na província de Salaedine, sobretudo para retomar Tikrit, e na qual participam milhares de soldados, apoiados por tanques e aviões. Controla ainda a auto-estrada que liga ao sul do país. 
A Rússia entregou a Bagdade os primeiros cinco aparelhos de uma encomenda de vários aviões de combate Surkhoi os quais, de acordo com o ministério iraquiano da Defesa, deverão entrar em combate já nos próximos dias.
Os Estados Unidos enviaram 10 especialistas militares e drones para sobrevoarem Bagdade.
A comunidade internacional, incluindo países árabes moderados como a Jordânia, não reagiu de imediato à proclamação do Califado. Mas Damasco, Bagdade e, sobretudo, Teerão, capital do Irão xiita, deverão reagir em força, com ou sem apoio ocidental.


Apesar da proclamação, o EIIL está longe de garantir a posse dos territórios do Califado.

Enfrenta para já duas ofensivas, uma iraquiana, pelo sul e outra síria, estando a registar-se combates aguerridos junto à fronteira com o Iraque.

Perante a ofensiva iraquiana lançada este domingo, a guerra declarada deverá tornar-se um facto nos próximos dias.

Amer Kouzai, conselheiro de Maliki, afirmou à agência France Presse que atualmente existe "nitidamente mais perigo" para o Iraque do que durante a guerra entre os muçulmanos xiitas e sunitas de 2006/2007 que fez milhares de mortos.

Pelo menos um milhão de pessoas está em fuga dos territórios dominados pelo EIIL.
Nos próprios campos de refugiados e deslocados há confrontos por comida e água.

O início do Ramadão foi especialmente difícil num campo a 60 quilómetros de Irbil, capital do Curdistão iraquiano, com a polícia a ter de afastar milhares de pessoas que disputavam alimentos, apesar do mês ser dedicado ao jejum durante as horas de luz. 

Soldados iraquianos em combates de artilharia com extremistas sunitas do EIIL (foto Reuters)

Um avião russo Sukhoi SU-25 entregue por soldados russos na base iraquiana de al-Muthanna, em Bagdade dia 28 de junho 2014 (foto Reuters)
Ameaça de Jihad
A comunidade internacional acusa nomeadamente o primeiro ministro iraquiano Nouri al-Maliki, um xiita, de ser em parte responsável pela crise ao ter-se recusado a incluir os partidos sunitas no Governo iraquiano. Depois de recusar a ideia de um Governo de unidade nacional, Maliki terá cedido finalmente à ideia. O Parlamento iraquiano reúne-se terça-feira para iniciar o processo. Mas poderá ser demasiado tarde.De início o EIIL chamava-se Estado Islâmico no Iraque e era um ramo da al Qaida no Iraque. Após o seu envolvimento na guerra síria a partir de 2013 e perante a recusa de fusão do ramo sírio da al-Qaida, o grupo contestou abertamente a autoridade do líder da al-Qaida, Ayman al-Zawahiri. Estabeleceu a sua base principal na cidade de Raqqa, na Síria.

"O Estado Islâmico está já perfeitamente operacional no Iraque e na Síria. Está ainda presente - mas de forma escondida - no sul da Turquia, parece ter estabelecido uma presença no Líbano e tem apoiantes na Jordânia, em Gaza, no Sinai, na Indonésia, na Arábia Saudita e noutros lados" afirma o analista Charles Listar citado pela agência France Presse.

"Pode bem ser o nascimento de uma nova era do jihadismo transnacional" afirma Listar, acrescentando que o papel da al Qaida como líder da causa jihadista mundial poderá ser assumido pelo novo Califado.

Al-Bagdadi, afirma Lister, poderá a partir de agora ordenar operações para além das fonteiras sírias e iraquianas, "talvez na Jordânia ou na Arábia Saudita". "E podemos esperar um aumento da violência no Iraque já a partir de hoje".
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