Estados Unidos. Tribunal liberta afegão detido há 14 anos em Guantánamo

por RTP
Alguns homens cuja saída já foi autorizada pela Comissão de Revisão de Guantánamo continuam detidos muito tempo depois na prisão militar. Reuters

Um afegão detido na prisão militar de Guantánamo há 14 anos foi libertado após um tribunal dos Estados Unidos ter reconhecido, na semana passada, que não havia base legal para a detenção. É uma decisão inédita mas já esperada, depois de na semana passada a Comissão de Revisão de Guantánamo ter decidido também pela sua libertação.

Na petição de habeas corpus, o juiz rejeitou as alegações para prolongar a detenção de Asadullah Gul em Guantánamo. “O juiz decidiu que a detenção é ilegal. E como acontece com qualquer outra ordem de judicial contra o governo dos Estados Unidos há a obrigação constitucional de dar efeito a essa ordem. Assim, deve significar a libertação imediata” de Gul, declarou a sua advogada à televisão Al Jazeera, Tara Plochocki.

O habeas corpus é um instrumento legal que permite que quem acredita ter sido ilegalmente detido possa pedir a libertação.

Esta é a primeira vez em 10 anos que um detido de Guantanamo conseguiu ver aceite o pedido de habeas corpus, disse a advogada .

Fomos o primeiro caso a apelar ao que o estatuto realmente significa e como o governo o está a interpretar”, explicou a advogada, argumentando que os EUA estavam “a prolongar a sua autoridade de detenção por todos os meios necessários”.

A deliberação do juiz segue-se à decisão de um conselho de revisão militar dos EUA, que a 7 de outubro, decidiu que era seguro libertar Gul. Esta é a primeira vez em 10 anos que um detido de Guantanamo conseguiu ter aceite o pedido de habeas corpus.

Terrorista perigoso ou refugiado azarado?

Asadullah Haroon Gul foi capturado em junho de 2007 na cidade de Jalalabad pelas forças afegãs e entregue aos militares americanos. Tinha 40 anos e era o comandante de uma milícia islâmica e considerado inicialmente um "terrorista perigoso", para os americanos. Por isso, foi levado para Guantánamo, onde esteve preso durante 14 anos sem acusação e com acesso negado a advogado durante os primeiros nove anos da detenção.

A defesa de Gul sublinhava que este nunca integrou o movimento talibã, al-Qaeda ou grupo afiliado e que também não pegou em armas contra os Estados Unidos. Em documentos judiciais, é referido de Gul estava em viagem de negócios no Afeganistão, vindo do campo de refugiados no Paquistão, onde vivia com sua família, quando foi capturado.

Foi membro do grupo Hezb-e-Islami, ou Partido Islâmico do Afeganistão, que chegou a um acordo de paz com o anterior governo afegão, apoiado pelo Ocidente, em 2016.

Neste mesmo ano, os seus advogados pediram a libertação num tribunal federal de Washington alegando que a detenção era ilegal.

Comissão de Revisão de Guantánamo

A Comissão de Revisão de Guantánamo tinha rejeitado o pedido de libertar Gul no ano passado, mas este ano aceitou-o devido ao "papel de não liderança numa organização extremista e à falta de base ideológica clara para as ações anteriores". A Comissão também fundamenta a decisão com "os arrependimentos expressos pelas ações passadas".

“A recomendação do conselho é bem-vinda, mas devemos lembrar que Asadullah passou mais de 14 anos da sua vida na prisão sem acusação ou julgamento”, reagiu na altura o advogado da organização de direitos humanos, Reprieve.

“Asadullah perdeu toda a infância da filha. Deve reunir-se com a família o mais rápido possível, mas não há como restituir o que lhe foi tirado”, refere ainda o comunicado que cita Mark Maher.

Antigo guarda-costas de bin Laden também libertado

A mesma comissão decidiu a libertação do iemenita Sanad al-Kazemi, 51, antigo guarda-costas do líder da Al Qaeda, Osama bin Laden.
 
Formada por altos funcionários da administração dos Estados Unidos, a Comissão de Revisão recomendou que al-Kazemi fosse transferido para o Sultanato de Omã, onde estabeleceu um programa de reintegração de ex-detidos de Guantánamo.

Al-Kazemi foi preso no Dubai em novembro de 2002 e entregue às autoridades americanas no ano seguinte. Foi interrogado pela CIA no Afeganistão e transferido para Guantánamo em 2004, mas nunca foi levado a julgamento.

Durante vários anos, al-Kazemi era considerado demasiado perigoso para ser libertado. No entanto, o Conselho de Revisão destacou o seu "papel de não liderança dentro de uma organização extremista” o tempo limitado em que foi associado da al-Qaeda.

Estas libertações elevam para 12 número de detidos em Guantánamo considerados passíveis de libertação, uma medida que depende da intenção do país de origem ou de um terceiro país em recebê-los. No entanto, alguns dos homens cuja saída foi  autorizada ainda estão presos.

Dos outros 27 detidos, 10, incluindo o suspeito autor dos ataques de 11 de setembro, Khalid Sheikh Mohammed, aguardam julgamento por uma comissão militar, que emitiu apenas duas condenações em duas décadas.

O presidente Joe Biden prometeu fechar Guantánamo, onde estiveram detidas mais de 740 pessoas entre 2002 e 2017, sem acusações formais.

pub