Estranha forma de vida - Opinião de Germano Almeida

por Germano Almeida, analista de Política Internacional
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A “morte da Europa” revelou-se notícia manifestamente exagerada. Macron e Merkel saem destas eleições como os dois pivôs das grandes decisões – e isso era considerado praticamente impossível há poucos meses. Crescem ameaças e fantasmas, mas reforça-se, sobretudo, uma capacidade de sobrevivência que torna o projeto europeu um caso sério de resiliência.

“É o futuro que te agarra ao chão”  (Pedro Abrunhosa)

E eis que a Europa soube agarrar-se ao essencial, recusando para o seu futuro imediato a armadilha da proposta populista e autoritária. Não tem sido boa aposta colocar as fichas na “morte da Europa”.

Essa notícia fatalista já foi dada tantas vezes nos últimos anos – mas sempre o projeto europeu resistiu.

Diferente e com novas ameaças, é certo: mas exibindo uma capacidade de sobrevivência invejável, resistindo a ataques cibernéticos e intromissões de potências externas, “fake news” e discursos demagógicos e divisivos.

Sim, o projeto europeu está em “crise” e em “risco”. Mas uma análise global dos resultados eleitorais nos 28 Estados Membros apontam para um Parlamento Europeu com ampla maioria “europeísta” – apesar do crescimento de populismos e autoritarismos com matrizes similares (anti-imigração, egoísmos nacionais…), mas algumas diferenças de relevo entre os países, que tornam mais difícil à extrema-direita formar um grupo político sólido e coeso na nova composição parlamentar em Bruxelas e Estrasburgo.

O PPE (centro-direita), mesmo perdendo quatro dezenas de deputados, continua a ser a maior família política.

Tem a questão Orban para resolver (seria sinal poderoso expulsar o líder autoritário húngaro do seu seio, mas isso significará perda de mandatos ainda maior para o PPE) e pela primeira vez já não consegue formar com os sociais-democratas/socialistas (centro-esquerda) maioria absoluta – o que implicará o fim dos “grandes acordos” em relação à rotatividade na presidência.

Os socialistas perderam 45 lugares – mas venceram em Portugal, Espanha e Suécia .

Juntos, populares e sociais-democratas fazem agora 326. Os Verdes, que subiram 20 lugares, têm cerca de 70 e serão, por certo, elemento fundamental na nova equação maioritária. O segundo lugar na Alemanha e o terceiro em França (com 13,5%, cinco pontos percentuais acima da direita clássica do Les Républicains) colocam os “ecologistas”, em definitivo, no “mainstream” político europeu.
“Climate is coming”
“Climate is coming” podia ser um lema saído destas europeias.

Já não dá para ignorar a agenda ambiental e isso, por si só, é um mérito dos eleitorados europeus, num sinal de maturidade cívica que pode servir de exemplo para outros meridianos.

Mais eurodeputados ainda têm os Liberais, reforçados com a injeção Macron, que escolheu essa família política para alojar os representantes eleitos pela sua coligação LaREM+Modem.

O que aconteceu em França denota uma das principais contradições da noite eleitoral europeia de domingo: a extrema-direita venceu, e isso é preocupante, mas a verdade é que até desceu, ficando com meros 0,9% de vantagem sobre o partido da maioria presidencial de Macron.

Se os últimos meses nos tinham mostrado sinais de descontrolo social em França, com a violência crescente dos “coletes amarelos”, a verdade é que a situação política não mudou os seus traços essenciais, em relação ao momento que permitiu a Macron bater com enorme clareza Marine Le Pen na segunda volta das presidenciais francesas de 2017.
Macron e Merkel com as cartas na mão
Macron e Merkel acabam por continuar a ter as cartas na mão para as grandes decisões – sobretudo agora que Theresa May está demissionária e o Reino Unido conferiu vitória clara ao Partido do Brexit nas europeias, ainda que a soma dos votos dos partidos pró-Remain tenha sido superior aos votos pelo “Leave”.

Com ingleses de saída do espaço europeu até 31 de outubro, a Alemanha e a França ganham ainda mais preponderância como pilares da construção europeia.

A Alemanha quer Manfred Weber para presidente da Comissão, a França não parece disposta a aceitar.

A dinamarquesa Margrethe Vestager, a comissária para a Concorrência que obrigou a Google a pagar multa milionária, e o socialista holandês Frans Timmermans são outros nomes na calha – mas, nas voltas que a negociação possa dar há quem acredite que o nome que poderá gerar consenso é… a própria Angela Merkel.

A Europa precisa de pujança política e liderança pelo exemplo, capaz de minorar as novas ameaças e solidificar valores comuns.

O que fazer com tamanha abstenção?
No caso português, e apesar da boa prática de continuar a afastar os extremismos, ficou o sinal vermelho da abstenção próxima dos 70%.

Há duas ideias em torno desse tema que merecem reflexão.

A primeira é que não é pedagógico nem intelectualmente muito sério estar a apresentar justificações técnicas para uma percentagem tão assustadoramente elevada; a segunda é que o problema da abstenção não se resolve numa campanha de duas semanas ou em medidas avulsas.

Combate-se a longo prazo, criando um envolvimento sério e comprometido com os eleitores, baseado no exemplo e na boa comunicação.

Não é um caminho fácil. Mas talvez seja o único que valha a pena trilhar.
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