Estudo identifica pessoas protegidas sem contacto prévio com SARS-CoV-2

por Inês Moreira Santos - RTP
Phil Noble - Reuters

Há vários vírus - e alguns outros coronavírus - que provocam constipações e gripes comuns e que, segundo um estudo recente, podem ter protegido algumas pessoas contra a Covid-19. A investigação revela que pelo menos 20 por cento da população pode ter uma resposta imunitária semelhante à que teve noutras gripes, quando entra em contacto com o SARS-CoV-2.

O mundo conhece este novo coronavírus desde dezembro de 2019, mas ainda há muitas dúvidas e questões por responder. Inicialmente, a comunidade científica considerava que seria necessário conseguir uma "imunidade de grupo" para controlar os surtos, mas rapidamente essa teoria começou a perder força, perante as diferentes respostas imunitárias dos doentes.

Um estudo recente, publicado na semana passada pela revista Science, indica que 20 por cento a 50 por cento da população que nunca foi infetada pelo SARS-CoV-2 tem algum tipo de proteção celular contra a infeção, provavelmente potenciada pelo contacto prévio com um dos outros quatro tipos de coronavírus que causam gripes e constipações.

Isto é, o sistema imunológico de algumas pessoas parece "reconhecer" o novo coronavírus, mesmo sem nunca ter estado em contacto com este, respondendo como se fosse um outro agente patogénico que tivesse anteriormente infetado o organismo e diminuindo, assim, o impacto e a disseminação da Covid-19.

Segundo a investigação do Instituto La Jolla de Imunologia dos Estados Unidos, as chamadas células T , que podem detetar coronavírus da gripe comum, podem reconhecer os locais específicos do vírus, como a proteína spike - usada pelo coronavírus para se ligar e invadir as células humanas saudáveis.

"As células T CD4 reativas ao SARS-CoV-2 foram observadas em indivíduos não expostos, sugerindo memória pré-existente das células T reativas cruzadas em 20 a 50 por cento das pessoas", lê-se no artigo científico.

Os investigadores estimam que essa "memória" imunitária esteja associada a pessoas que já tiveram uma gripe comum. De facto, as evidências científicas indicam que as células T se lembram de infeções anteriores, depois das pessoa terem determinada doença.

É de salientar que as células T são partes essenciais do sistema imunitário do corpo humano, uma vez que potenciam uma resposta imunitária quando o organismo entra de novo em contacto com um agente patogénico.

Nas amostras analisadas para este estudo, observou-se que havia células T "treinadas" para combater vírus que provocam as gripes comus e que também reconheceram o novo coronavírus sem nunca terem sido expostas diretamente a este último.

"Demonstramos uma gama de células T CD4 de memória pré-existentes que apresentam reatividade cruzada com afinidade comparável ao SARS-CoV-2 e aos coronavírus da gripe comum HCoV-OC43, HCoV-229E, HCoV-NL63 ou HCoV-HKU1. Assim, a memória das células T relativamente aos coronavírus que causam a gripe comum pode estar subjacente a pelo menos parte da extensa heterogeneidade observada na doença Covid-19", referem os autores do estudo.

Mas esta investigação descobriu ainda que 40 a 60 por cento das pessoas que nunca foram expostas ao Sars-CoV-2 tinham células T que reagiram ao novo coronavírus. O sistema imunitário dessas pessoas reconheceu fragmentos do vírus que nunca tinha visto antes, o que pode explicar o porquê de, quando em contacto com o novo coronavírus, algumas pessoas desenvolverem apenas sintomas leves e outras serem assintomáticas.

Segundo os investigadores, se esta evidência for comprovada pode ser benéfica para alguns doentes com covid-19, uma vez que o corpo pode rapidamente responder à infeção, como se tivesse uma espécie de imunidade adquirida.

No entanto, e apesar dos resultados promissores, os autores deste estudo afirmam que ainda são necessárias mais estudos e colheita de dados para se chegar a um resultado mais conclusivo. A investigação foi baseada na análise de amostras de sangue colhidas em indivíduos saudáveis, antes da pandemia, e os autores afirmam que estas conclusões são "especulativas".
Tópicos
pub