EUA abandonam tratado de desarmamento nuclear com Rússia do tempo da Guerra Fria

por RTP
Kevin Lamarque - Reuters

Os Estados Unidos abandonam formalmente o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF), assinado por Reagan e Gorbatchev. O abandono do tratado faz crescer os receios de uma nova corrida ao armamento. António Guterres diz que o mundo "vai perder travão à guerra nuclear".

Esta sexta-feira, o pacto de não proliferação de mísseis nucleares de médio alcance, assinado pelos dois países e que sustentou a segurança mundial durante 30 anos, chega ao fim.

Os Estados Unidos confirmaram esta sexta-feira a saída oficial do tratado com a Rússia, numa decisão já esperada, acusando a Rússia de ser "a única responsável" pelo seu "fracasso".

Em fevereiro, a Administração Trump anunciou que abandonaria o INF em seis meses, acusando a Rússia de violar os termos do tratado com o alegado desenvolvimento de um sistema de mísseis 9M729, com alcance de 500 quilómetros.

"A saída dos Estados Unidos, em conformidade com o artigo XV do tratado, entra em vigor hoje porque a Rússia não voltou a respeitar de forma total e verificável" o tratado, disse o chefe da diplomacia norte-americana, Mike Pompeo, em comunicado.

O secretário de Estado dos EUA acrescentou ainda que as autoridades russas não agarraram a sua "última oportunidade" de salvar o acordo nos últimos meses.

"Moscovo sistematicamente rejeitou por seis anos os esforços dos EUA para que a Rússia o respeitasse novamente", acusou Pompeo.

Trump também se pronunciou, em fevereiro. "A Rússia não respeitou o tratado. Por isso, vamos pôr-lhe fim e desenvolver as armas. Não sei por que motivo o Presidente Obama não o renegociou ou não se retirou [do tratado]. Não vamos deixá-los violar o acordo nuclear e fabricar armas, enquanto nós não somos autorizados. Nós permanecemos e temos honrado o acordo. Mas a Rússia, infelizmente, não o respeitou", disse então.

Inicialmente, a Rússia negou a existência dos mísseis, mas agora admite que o seu alcance é inferior a 500 quilómetros.

Assim, os EUA suspenderam o tratado no dia 1 de fevereiro deste ano, sendo seguidos pela Rússia, que o suspendeu no dia seguinte. A retirada entra em vigor esta sexta-feira, a 2 de agosto.
NATO: Rússia "é a única responsável"

Moscovo culpou Washington pelo fim do tratado. "A 2 de agosto de 2019, por iniciativa norte-americana, termina a validade do tratado assinado no dia 8 de dezembro de 1987 em Washington pela União Soviética e pelos Estados Unidos sobre o fim dos mísseis de médio alcance", menciona um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.

Andrea Neves - correspondente da Antena 1 em Bruxelas

A Rússia revelou ainda ter proposto uma moratória sobre o fim do tratado: "Nós propusemos aos Estados Unidos e a outros membros da Aliança Atlântica [NATO] considerarem a possibilidade do anúncio de uma moratória sobre as armas de médio alcance", afirmou Sergei Riabkov, o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros.

Contudo, a NATO afirmou que a Rússia "é a única responsável pelo desaparecimento do tratado", por não ter destruído o novo sistema de mísseis.

"A Rússia continua a violar o tratado INF, apesar de anos de envolvimento dos Estados Unidos e dos aliados, incluindo a oportunidade final dada para, em seis meses, cumprirem as suas obrigações", disse a organização num comunicado de imprensa divulgado em Bruxelas.

Consequentemente, a Aliança Atlântica assegura que responderá "de forma ponderada e responsável aos riscos significativos representados pelo míssil russo 9M729 para a segurança aliada".
Anos de reclamações
As queixas dos Estados Unidos não são recentes.

Em 2002, o então Presidente norte-americano, George W. Bush, retirou os EUA do Tratado de Mísseis Antibalísticos, e em 2007, o Presidente russo, Vladimir Putin, declarou que o INF já não servia os interesses do país.

Mais tarde, em 2014, Barack Obama acusou Moscovo de violar o tratado, na sequência de testes com um míssil de cruzeiro. No entanto, o sucessor de Bush terá sido dissuadido pelos líderes europeus de retirar os EUA do pacto. Em causa estavam receios de uma nova corrida ao armamento.

Em outubro do ano passado, os EUA acusaram, mais uma vez, a Rússia de violar o tratado. A NATO subscreveu as acusações e instou Moscovo a "regressar com urgência a um cumprimento total e verificável".
O que é o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF)?

O pacto foi assinado durante a Guerra Fria, em 1987, pelo Presidente Ronald Reagan e o último líder soviético, Mikhail Gorbatchev.

O tratado previa a eliminação dos mísseis balísticos e de cruzeiro de médio e longo alcance – entre os 500 e os 5500 quilómetros –, com exceção dos mísseis lançados a partir do mar.

Tornou-se o único acordo de desarmamento a eliminar uma categoria inteira de armas nucleares.

De acordo com o tratado, os dois países podiam ainda inspecionar as instalações um do outro.

Em 1991, cerca de 2700 mísseis tinham sido destruídos.
ONU preocupada com incremento da ameaça dos mísseis
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, assinalou a importância do pacto, dizendo que "é um marco que ajudou a estabilizar a Europa e a acabar com a Guerra Fria".

Guterres mostrou a sua preocupação com o fim do acordo, alertando que "vai incrementar e não reduzir" a ameaça dos mísseis balísticos.

Guterres pediu ainda aos dois países para "evitarem os desenvolvimentos destabilizadores" e "encontrarem um caminho comum para um novo pacto sobre o controlo de armamento".

Por outro lado, o secretário-geral mencionou ainda que o Tratado New Start, o acordo assinado em 2010 para reduzir o armamento nuclear, termina em 2021, e acredita que este deve ser prolongado.

Outros especialistas receiam ainda que o colapso do acordo histórico possa levar a uma nova corrida ao armamento entre os EUA, a Rússia e também a China.

"Agora que o tratado terminou, vamos ver o desenvolvimento de novas armas", disse Pavel Felgenhauer, um analista militar, à Agência France Presse.

"A Rússia já está pronta", assegura o analista.
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