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EUA. Estudo revela extensão imensa das fugas para a atmosfera do gás metano na indústria

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um poço de petróleo horizontal da Parsley Energy na Bacia do Permiano perto de Midland Reuters

Uma parceria entre universidades norte-americanas e a NASA ajudou a identificar mais de 530 grandes emissores de metano em explorações de gás e petróleo nos EUA ao longo de uma única faixa de cerca de 400 quilómetros na fronteira entre o México e o Estado do Texas, conhecida como a Bacia do Permiano.

O estudo resultante da parceria, intitulado Carbon Mapper, quantifica o potencial catastrófico para o clima destas emissões livres, já que o metano é um dos principais gases que contribuem para o efeito de estufa e em consequência para as alterações climáticas.
As emissões de metano são invisíveis a olho nu mas, as imagens aéreas captadas pela parceria Carbon Matter, que junta pesquisadores universitários e o Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, não deixam margem para dúvidas.


Só a Estação Compressora Mako, perto de Lenorah, no Texas ocidental foi identificada no estudo a libertar para a atmosfera por hora 870 quilos de gás metano, entre outros, com um impacto para o clima equivalente a sete camiões cisterna cheios de gasolina a arder, todos os dias.

À primeira vista, os tanques da Estação Compressora de Mako são em tudo semelhantes a outros das dezenas de milhares de explorações de gás e de petróleo espalhadas pela Bacia do Permiano, uma planície extramente seca de 400 quilómetros de largura que há mil milhões de anos era o fundo de um mar pouco profundo e que atualmente é um dos maiores campos de extração de gás e de petróleo do mundo.

Para verificar o que realmente se passa, dadas as dificuldades de medição do metano, o Carbon Mapper usou o NASA AVIRIS, um espectómetro de infravermelhos, aéreo, que mede os comprimentos de onda na luz para detetar e quantificar as características únicas do metano na atmosfera.

O instrumento mede tanto a massa de metano na atmosfera como o comprimento da pluma, tendo em conta a velocidade do vento para estimar a média dos níveis de emissões hora a hora ao longo de múltiplos sobrevoos.



O resultado foi um mapa em que, tal como no caso da Mako, centenas de explorações foram observadas na Bacia a emitir livremente gás metano vezes sem conta, ano após ano, em fugas ou derrames contínuos em torrente, que não são reparados ou o são deficientemente, seja em tanques ou condutas.

“Observamos os mesmos locais ativos, de ano a ano. Não é apenas de mês a mês ou consoante as estações”, afirmou à Associated Press Riley Duren, investigador da Universidade do Arizona que lidera o Carbon Mapper.

O próprio método de exploração utilizado, o fracking, liberta tão grandes quantidades de gás metano que se torna ainda impossível recolher e encaminha-lo todo, com a sua consequente libertação para a atmosfera.

Numa altura de crises energética e climática simultâneas o aproveitamento da totalidade do gás afigura-se uma pioridade mundial.
Apelos e recomendações
O metano é um potente gás com efeito de estufa, 80 vezes mais potente, ao longo de um período de 20 anos, do que o dióxido de carbono (CO2), oriundo de escapes de veículos ou de chaminés de centrais produtoras de energia.

Circunstância que o torna o segundo gás com efeito de estufa mais importante. É ainda um poluente precursor do ozono troposférico (O3), que contribui para cerca de um quarto do aquecimento global atualmente registado.

Atualmente há três vezes mais metano na atmosfera do que nos tempos pré-industriais. O ano de 2021 registou o maior aumento de sempre.

O problema das emissões livres identificado no Carbon Mapper na Bacia do Permiano não é novo nem recente mas expõe a necessidade de análises mais profundas que sustentem regulamentos para conter as emissões em muito maior percentagem do que até agora.

Em outubro de 2021, uma resolução do Parlamento Europeu a apelar a “um quadro legislativo abrangente e vinculativo para as emissões de metano” na União Europeia, referia que “as emissões resultantes de fugas de equipamentos, infraestruturas e instalações fechadas e abandonadas, bem como as emissões de ventilação e a combustão incompleta de metano, representam a maior parte das emissões de metano no sector da energia”.

Mais de metade das emissões globais de metano são atribuídas a atividades humanas e uma das proeminentes, a par da agricultura, é a área da exploração dos combustíveis fósseis, responsável por 35 por cento das contribuições, com a extração, o processamento e a distribuição de petróleo e gás a representar 23 por cento das emissões.

O Programa das Nações Unidas para o Ambiente, PNUA, considera que uma redução das emissões de metano de origem humana de até 45 por cento, possível até ao final da década, evitaria praticamente 0,3 °C de aquecimento global até aos anos 2040, e complementaria todos os esforços de atenuação das alterações climáticas a longo prazo. Na sua Avaliação Global de 2021 sobre o metano, o PNUA implica reduções profundas das emissões de metano de forma a cumprir as metas do aquecimento global a 1,5ºC.

O relatório Net Zero by 2050: A Roadmap for the Global Energy Sector [Emissões líquidas nulas até 2050: um roteiro para o sector energético mundial] da Agência Internacional da Energia refere por seu lado que as emissões de metano dos combustíveis fósseis devem ser reduzidas em 75 por cento entre 2020 e 2030, no âmbito do cenário de emissões líquidas nulas.

O Methane Tracker, instrumento para rastrear as emissões de metano, da Agência Internacional da Energia, estimou ainda que cerca de 40 por cento das emissões de metano relacionadas com a energia poderiam ser reduzidas sem quaisquer custos líquidos, essencialmente reparando as fugas de metano e eliminando a prática da ventilação no sector dos combustíveis fósseis.
Tentativas de regulação
Na União Europeia, o metano é responsável por 10 por cento das emissões totais de gases de estufa do bloco, mas não existe uma política que estabeleça especificamente medidas para reduzir as emissões de metano de uma forma intersectorial nem qualquer política que vise especificamente a redução das emissões de metano no bloco europeu.

O Parlamento Europeu sublinhou na sua resolução de outubro de 2021 a responsabilidade da União Europeia, já que “mais de 80 por cento do gás fóssil, 90 por cento do petróleo e 40 por cento do carvão consumidos na Europa são importados e que a maioria das emissões de metano resultantes do consumo de combustíveis fósseis na UE ocorrem fora da UE, fazendo da UE um dos principais responsáveis pelas emissões de metano a nível mundial”.

No caso norte-americano, as circunstâncias de fuga de metano e a ventilação não são ilegais nem sequer reguladas pela legislação actual, apesar de o presidente Joe Biden ter tentado recuperar medidas do Plano de Ação Climática proposto por Barack Obama em 2016 e anulado por Donald Trump.

Nos primeiros dias da sua Administração, Biden instruiu a Agência Ambiental dos Estados Unidos, EPA, para estabelecer novas regras para reduzir as emissões de metano da indústria de gás e petróleo e o Congresso recuperou algumas das restrições da era Obama relativas ao metano produzido pela indústria extrativa.

As leis propostas para responder às emissões das centenas de milhares de locais de exploração ainda estão a ser revistas. A responsabilidade de contenção das emissões recai quase exclusivamente sobre as companhias.

A EPA exige por exemplo às empresas que relatem ao Programa de Relação de Gases de Efeito de Estufa as suas emissões superiores ou equivalentes a 25 mil toneladas de dióxido de carbono por ano.

Tenta ainda estabelecer um mapa das emissões de metano de forma a emitir regulamentos e impor tetos nas emissões mas, de acordo com uma reportagem da Associated Press, os valores reportados pelas empresas ficam habitualmente muito aquém das emissões reais.
Responsabilizados
A parceria identificou os locais das fugas apenas através das respetivas coordenadas GPS.

A reportagem da AP pegou nas coordenadas de 533 locais super-emissores e cruzou-as com as licenças de exploração, licenças da qualidade do ar, mapas de condutas, registos de terras e outros documentos públicos para identificar as corporações mais provavelmente responsáveis. A AP concluiu que somente 10 empresas são donas de pelo menos 164 destes  super-emissores. A West Texas Gas, através por exemplo da sua subsidiária Mako acima mencionada, possui 11. Mais de 140 das instalações super emissoras de metano iam provavelmente exceder os limites a reportar.

O caso da Mako, por exemplo, significaria que ao longo de um ano, as emissões horárias de 870 quilos de metano iriam superar em 7.6 o teto exigido pelo regulador para ser informado.

A AP usou também a sua própria câmara de infravermelhos FLIR a par dos dados fornecidos pelo Carbon Mapper e gravou grandes plumas de gás, incluindo metano a escapar-se de compressores de condutas, baterias de tanques, tochas ou flares de gás e outras infraestruturas.

Uma dessas chamas foi captada numa Estação Compressora da WTG que o Carbon Mapper estimou estar a emitir 410 quilos de metano por hora.

Outro complexo, da Targa Resources, que armazena, processa e distribui gás natural é um de 30 locais que emitem em conjunto três mil quilos de metano por hora. O equipamento de outra empresa de condutas, a Navitas Midstream estaria a emitir no total 3.525 quilos de metano por hora.

A maioria das empresas contactadas pela AP garantiu estar a fazer o que pode para minimizar as emissões de metano e a procurar ser "o melhor aluno" da classe.

“O metano é um super poluente”, afirmou à AP Kassie Siegel, diretora do Instituto de Lei do Clima no Centro para a Diversidade Biológoca, um grupo de defesa do ambiente. “Se o dióxido de carbono é a grelha de combustíveis fósseis no nosso planeta, o metano é um maçarico”.
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