EUA revelam suspeitas de que África do Sul forneceu armas à Rússia

Washington está convicta de que um navio russo foi carregado com armas e munições quando acostou numa base naval na África do Sul, em dezembro de 2022, apesar das alegações de neutralidade face à guerra na Ucrânia.

Graça Andrade Ramos - RTP /
Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, afirma aos deputados na Cidade do Cabo que as suspeitas sobre o navio Lady R estão a ser investigadas Reuters

A revelação foi feita a jornalistas esta quinta-feira, em Pretória, pelo embaixador norte-americano para a África do Sul, Reuben Brigety. "Estamos confiantes de que [o navio] carregou armas, munições... no regresso à Rússia", afirmou, apostando "a própria vida" na veracidade da informação.

Perante as acusações e interrogado pelo líder da oposição durante uma sessão parlamentar, o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, garantiu que o seu governo está atento ao assunto respeitante ao navio.

"A questão está a ser estudada e a seu tempo falaremos dela", afirmou Ramaphosa aos deputados.

O seu porta-voz, Vincent Magwenya, afirmou por seu lado que "nenhuma prova foi entregue até hoje para sustentar as alegações de armas enviadas pela África do Sul à Rússia", acrescentando que a acusação será investigada.

Em comunicado, a presidência sul-africana considerou depois "decepcionantes" as acusações do embaixador americano.

"As palavras do embaixador minam o espírito de cooperação e parceria entre os dois países" e "nenhuma prova foi dada para suster estas acusações", refere o texto publicado esta tarde, considerando ainda "decepcionante" que o diplomata tenha "adotado uma atitude política contra-produtiva".

O executivo sul-africano concedeu que as suspeitas foram abordadas "recentemente" a nível bilateral, tendo ficado acordado, segundo Pretoria, que iria realizar-se uma investigação independente "confiada a um juiz aposentado", incluindo os elementos de informação americanos.
O caso Lady R
Reuban Brigety afirmou aos jornalistas que "entre aquilo que notámos está o navio de carga russo Lady R que atracou em Simon's Town entre 6 e 8 de dezembro".

"Estamos persuadidos que as armas foram carregadas neste navio e apostaria a minha vida na precisão desta informação", frisou.

"Armar os russos é extremamente grave" e "fundamentalmente inaceitável", acrescentou Brigety em conferência de imprensa, reconhecendo ainda que a Administração dos Estados Unidos desconfia da apregoada neutralidade sul-africana quanto à guerra lançada por Moscovo na Ucrânia.

O diplomata considerou ainda "inexplicável" o que chamou "desvio da sua política de não-alinhamento por parte da África do Sul". O Departamento de Estado norte-americano recusou-se até agora a comentar a questão.

A acostagem do cargueiro russo na maior base naval sul-africana no início de dezembro, suscitou uma polémica acesa no país, antes do Natal.
Críticas da oposição
O principal partido da oposição sul-africana, a Aliança Democrática, indignou-se com a autorização dada a um navio visado por sanções ocidentais para atracar, questionando também porque o fez num porto militar em vez de comercial e "porque houve tanto segredo" em torno do cargueiro.

Quinta-feira, o mesmo partido qualificou como "traição" o fornecimento de armas à Rússia, caso este tenha ocorrido. Acusou ainda o partido no poder, o ANC, de ignorar os valores e interesses do país "em favor de um belicista e de um déspota mundial".

"Isto terá consequências significativas. Isto significa que os nossos principais parceiros comerciais e de investimento já não podem confiar em nós", apontou Kobus Marais, responsável da Aliança Democrática para a área da Defesa, instado pela Agência France Press a comentar o assunto.

A África do Sul tem laços estreitos com a Rússia desde os tempos do apartheid. O Kremlin apoiou a luta do ANC e de Nelson Mandela contra o regime racista então em vigor no país.
Neutralidade relativa
Pretória recusou condenar a invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022, justificando com a preferência pela neutralidade e pelo diálogo para por fim ao conflito.

Em fevereiro, o país acolheu exercícios navais com a Rússia e com a China
, nas vésperas do primeiro aniversário da invasão russa da Ucrânia, o que reavivou a polémica e alimentou as preocupações ocidentais.

O executivo de Ramaphosa explicou os exercícios militares conjuntos, invocando o "objetivo de partilhar competências e conhecimentos operacionais". Os exercícios, acrescentou, foram conduzidos pela Rússia.

Em agosto Pretória deverá organizar uma cimeira dos BRICS, que agrupa, além da África do Sul, o Brasil, a China, a Índia e a Rússia.


Um mandato internacional de captura emitido pelo Tribunal Internacional de Haia contra o Presidente russo deverá impedir Vladimir Putin de comparecer na cimeira.
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