EUA vão fornecer bombas de fragmentação à Ucrânia

O envio de armas faz parte de mais um pacote de ajuda militar à Ucrânia. Jake Sullivan, Conselheiro de Segurança dos EUA, reconhece que a utilização deste tipo de munições cria riscos acrescidos para a população civil, mas que a Rússia também tem recorrido a este tipo de armamento desde o início do conflito.

Andreia Martins - RTP /
Um militar ucraniano com uma bomba de fragmentação desativada, em outubro de 2022. Clodagh Kilcoyne - Reuters

O presidente norte-americano, Joe Biden, aprovou esta quinta-feira o envio de armas de fragmentação à Ucrânia após uma recomendação "unânime" por parte da sua equipa de segurança nacional, adiantou Jake Sullivan em conferência de imprensa. 

O conselheiro de segurança referiu que a decisão de enviar este tipo de armamento "foi difícil" e que, em Washington, se procurou adiar tal decisão o máximo possível. Nos últimos dias, o presidente tomou a decisão com base em consultas com "aliados, parceiros e membros do Congresso". 

Kiev "forneceu garantias por escrito" de que irá minimizar o risco deste tipo de munições para a população civil.

"O ponto essencial é o seguinte: reconhecemos que as armas de fragmentação criam um risco de danos civis devido às munições não detonadas. É por isso que adiámos esta decisão o máximo que conseguimos. Mas também há um risco de enormes danos civis caso as tropas e tanques russos passem por cima das posições ucranianas, caso conquistem mais território ucraniano e subjuguem mais civis ucranianos", assinalou Sullivan.

Vincou ainda que a Rússia tem recorrido a bombas de fragmentação desde o início da invasão e que a Ucrânia irá recorrer às mesmas para defender o seu território.

"Temos de nos perguntar - o uso de armas de fragmentação pela Ucrânia no mesmo terreno representa realmente um acréscimo de danos civis, uma vez que essa área já teria de ser desminada de qualquer das formas?", questionou Jake Sullivan.

Este envio de armas de fragmentação faz parte do novo pacote de ajuda militar à Ucrânia no valor de 800 milhões de dólares (735 milhões de euros).
O que são armas de fragmentação?

A decisão da Administração Biden já obteve várias reações ainda antes de ter sido oficializada, até porque estas são armas amplamente proibidas e que frequentemente provocam a morte ou infligem graves lesões a civis.

As bombas de fragmentação caracterizam-se por se multiplicarem em várias pequenas munições (bomblets), o que faz com que se propaguem a uma área muito mais vasta que outros projeteis convencionais.

Para além disso, estas munições nem sempre se ativam após serem disparadas, à imagem do que acontece com as minas terrestres. Representam um dano acrescido para civis, sobretudo crianças, que possam detoná-las involuntariamente muito depois do conflito.

De acordo com o Comité Internacional da Cruz Vermelha, entre 10 a 40 por cento das bombas de fragmentação utilizadas ficam por detonar. A Convenção sobre Munições de Dispersão assinala que, mais de 50 anos após as guerras norte-americanas no Laos e no Vietname, continua a haver várias bombas de fragmentação ainda por detonar.

Para a Amnistia Internacional, o plano norte-americano para enviar estas munições de fragmentação à Ucrânia vem prejudicar os esforços a nível internacional para garantir a proteção da população civil.

“A Amnistia Internacional há muito que enfatiza que as munições de fragmentação são armas intrinsecamente indiscriminadas que já causaram danos incalculáveis a civis um pouco por todo o mundo – em alguns casos, décadas após o fim dos conflitos”, sublinhou Patrick Wilcken, investigador da organização para a defesa de Direitos Humanos.

De acordo com a Amnistia Internacional, as armas que os Estados Unidos vão enviar para a Ucrânia são de fragmentação de munição convencional aprimorada de dupla finalidade (Dual-Purpose Improved Conventional Munition - DPICM), que têm taxas de insucesso acima de 6 por cento, ou seja, a taxa de submunições que ficam por detonar.

A lei norte-americana proíbe a exportação destas armas com taxas de insucesso acima de 1 por cento. No entanto, Joe Biden consegue contornar esta regra, uma vez que o novo pacote de ajuda militar é enviado ao abrigo da Presidential Drawdown Authority, que autoriza o presidente a ordenar a transferência de material ou serviços dos EUA sem uma aprovação por parte do Congresso em situação de emergência.

Na quinta-feira, o porta-voz do Pentágono, o brigadeiro-general Pat Ryder, salientou que as DPICM têm uma taxa de insucesso inferior às versões anteriores de armas de fragmentação. As munições que os Estados Unidos estão a considerar enviar não deverão incluir bombas de fragmentação com taxa de insucesso acima de 2,35%, garantiu o porta-voz do Pentágono.
Dissonância entre aliados
Sem criticarem diretamente a decisão norte-americana de que já se aventava há alguns dias, França e Alemanha não quiseram criticar ou opor-se ao envio de bombas de fragmentação, mas garantiram que não seguiriam o exemplo de Washington.

Ambos os países são signatários da Convenção sobre Munições de Dispersão, um tratado internacional que proíbe o uso, armazenamento ou a transferência de tais armas. Estados Unidos, Rússia e Ucrânia não assinaram este tratado. Mais de 120 países fazem parte da Convenção sobre Munições de Dispersão.

“A Alemanha assinou a convenção. Para nós isso não é uma opção”, afirmou o ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, em declarações aos jornalistas a partir de Berna, na Suíça.

Também a França se demarcou de um eventual envio de armas de fragmentação. Uma porta-voz do Ministério francês dos Negócios Estrangeiros vincou que o país se comprometeu a “não produzir ou usar armas de fragmentação e a desencorajar ao seu uso”.

Sublinhou, no entanto, que nem Washington nem Kiev estão vinculadas a este acordo. “Compreendemos a decisão a que os Estados Unidos chegaram para ajudar a Ucrânia a defender-se contra a agressão ilegal da Rússia”, considerou.

Por sua vez, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, afirmou esta sexta-feira que a Aliança Atlântica não tem uma posição formal sobre o uso de bombas de fragmentação em cenários de conflito.

“Cabe aos aliados decidir individualmente sobre o envio de armas e material militar para a Ucrânia. Portanto cabe aos governos decidir, não à NATO como aliança”
, vincou Jens Stoltenberg em resposta aos jornalistas a partir da sede da NATO, em Bruxelas.

Ainda que haja uma aparente falta de sintonia entre aliados quanto a este aspeto quando faltam poucos dias para a cimeira de Vilnius, o secretário-geral da NATO procurou justificar o uso deste tipo de armas por parte das tropas ucranianas.

“A Rússia usa armas de fragmentação na sua brutal guerra de agressão, para invadir outro país, enquanto a Ucrânia usa-as para se defender a si própria”, resumiu Jens Stoltenberg.
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