Europa fissurada reúne-se para distribuir refugiados que quatro Estados rejeitam

por Christopher Marques - RTP
Kai Pfaffenbach - Reuters

Os chefes de Governo dos 28 reúnem-se esta quarta-feira para fechar o acordo que prevê a repartição, a dois tempos, de 120 mil refugiados. Uma cimeira que se promete tensa, depois de um acordo “complexo”, “insuficiente” e de “circunstância” ter sido aprovado com votos contra de quatro países. Entretanto, a Europa sabe que mais de meio milhão de refugiados passaram pelas suas fronteiras desde janeiro e as chegadas prosseguem a cada dia.

Depois dos ministros, lugar aos chefes de Governo. Chamados por Berlim, os líderes dos 28 Estados-membros regressam esta quarta-feira a Bruxelas para fechar o acordo que os ministros do Interior negociaram na terça-feira. Um documento que mereceu o voto contra de quatro Estados-membros e uma abstenção.

República Checa, Hungria, Eslováquia e Roménia votaram contra e a Finlândia absteve-se. Apesar do voto contra, o documento foi aprovado por “larga maioria” e todos os países terão de receber refugiados. Alguns Estados-membros criticam o que apontam ser uma ingerência europeia nos seus assuntos internos.

“Enquanto for primeiro-ministro, as quotas obrigatórias não serão aplicadas em território eslovaco”, reagiu de seguida o primeiro-ministro da Eslováquia. De acordo com a Comissão Europeia, Bratislava terá de receber 802 refugiados durante a primeira fase.

O voto por maioria foi a alternativa a uma nova cimeira sem consenso, sem uma solução para a crise dos refugiados. Um voto pouco comum em Bruxelas e que evidencia a fissura europeia, mas que se mostrou necessário perante as circunstâncias.

“É a segunda vez na história da UE que algo que diz respeito à soberania de um Estado é votado por maioria qualificada e não por unanimidade. Se pensarmos que a outra questão estava relacionada com patentes e não com seres humanos, está tudo praticamente dito”, resumia António Esteves Martins esta manhã.


“Nunca se tinha chegado ao ponto em que seres humanos estão a ser repartidos desta forma porque um Estado ou outro tem interesses políticos e económicos", observa o jornalista.

O correspondente da RTP em Bruxelas avança mesmo que já há quem exija a suspensão temporária dos direitos dos Estados-membros em caso de não cumprimento dos princípios da União Europeia.“Enquanto for primeiro-ministro, as quotas obrigatórias não serão aplicadas em território eslovaco”


O recurso ao voto por maioria é uma "decisão corajosa", classifica a especialista em assuntos europeus Mónica Ferro.

Um voto que mostra que o "método europeu funciona", aponta o comissário português Carlos Moedas.

Se o método realmente funciona, com o tempo se perceberá e o respeito do acordado esta terça-feira. Uma primeira ideia ficará já patente esta tarde, com a postura que os países que votaram contra o acordo apresentarem em Bruxelas.
Distribuição a dois tempos

Esta quarta-feira, a complexidade do processo está patente na maioria da imprensa europeia.

O processo deverá ser realizado em dois tempos. Numa primeira fase serão repartidos 66 mil refugiados que se encontram atualmente na Grécia e em Itália. Os restantes 54 mil refugiados aguardarão mais algum tempo na Hungria.Os primeiros 66 mil refugiados serão distribuídos de acordo com quotas e também a Hungria terá de receber a sua parte.

Os primeiros 66 mil refugiados serão distribuídos de acordo com quotas e também a Hungria terá de receber a sua parte. Uma situação que se apresenta até paradoxal.

Budapeste, que quer que os refugiados saiam do seu território, terá de receber mais alguns, antes de conseguir que a redistribuição dos outros seja realizada.

Em causa, refere o comunicado da Comissão Europeia, a recusa húngara em fazer parte do mecanismo de emergência agora desenvolvido.

A confirmarem-se os dados divulgados na terça-feira pela Comissão Europeia, a Hungria deverá receber 1294 refugiados que se encontram em território italiano e grego.

Só depois de relocalizados os primeiros 66 mil, os Estados-membros tratarão dos 54 mil refugiados atualmente em território húngaro.
Polónia junta-se a Berlim e Paris
Isto, uma vez mais, se tudo correr como delineado na terça-feira. Afinal, a Europa não conseguiu chegar a consenso por unanimidade e teve de recorrer ao voto para chegar a acordo. Acordo esse que quatro países contestam.

O processo fragiliza e formaliza as cisões no coração europeu e, admite a chefe da diplomacia europeia, afeta a credibilidade e influência de Bruxelas no mundo.

Mas numa Europa dividida e fragilizada, nem tudo se apresentam como más notícias para o bloco que defende a distribuição por quotas dos refugiados. A Polónia, que até agora se tem apresentado contra, acabou por votar favoravelmente o acordo, aliando-se a Paris e Berlim.O processo fragiliza e formaliza as cisões no coração europeu e, admite a chefe da diplomacia europeia, afeta a credibilidade e influência de Bruxelas no mundo.

Acordada ficou também a constituição dos chamados “hot spots” fora do espaço Schengen. Estes serão centros de identificação e registo de todos os que procuram o estatuto de refugiado.

Por resolver fica, para além dos 54 mil refugiados que permanecerão em território húngaro até estar completa a distribuição dos primeiros 66 mil, o que acontecerá a muitos outros que estarão já na Europa.

A agência Frontex, que controla as fronteiras externas da União, estima que mais de 500 mil pessoas entraram em território europeu desde janeiro. A OCDE aponta que a União Europeia poderá confrontar-se com um milhão de pedidos de asilo em 2015.

Com este novo acordo, Bruxelas eleva para 160 mil o número de refugiados relocados, depois de ter aprovado 40 mil a 14 de setembro. Um número elevado mas, mesmo assim, pequeno face à dimensão que esta crise promete tomar.

Portugal, revelou a ministra da Administração Interna, poderá receber cinco mil refugiados. Na distribuição dos primeiros 66 mil que estão em território italiano e grego, os dados da Comissão Europeia apontam que Lisboa acolherá 1.642.
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