Europeus vão iniciar processo de sanções da ONU contra o Irão

O Reino Unido, a França e a Alemanha deverão anunciar esta quinta-feira que irão reimpor sanções abrangentes ao Irão por não readmitir inspetores da ONU em todas as suas instalações nucleares.

Cristina Sambado - RTP /
Fotografia de satélite tirada a 22 de junho de 2025 mostra os danos após os ataques dos EUA à instalação de enriquecimento nuclear de Isfahan, no centro do Irão Maxar Technologies via AFP

A decisão, em análise há meses, provocará provavelmente a pior crise nas relações do Irão com o Ocidente desde os ataques de Israel às instalações nucleares do país, em junho. Teerão já está a preparar contramedidas.

A reposição prevista das sanções, contidas em seis resoluções suspensas da ONU, terá início a 18 de outubro, quando expira o acordo nuclear original assinado em 2015. A medida das três potências europeias (Londres, Paris e Berlim) – conhecidas como E3 – não pode ser vetada pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, como a Rússia e a China.

O E3 exige que o Irão readmita integralmente os inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), o organismo de supervisão nuclear da ONU. A Europa quer também detalhes sobre o que aconteceu ao stock estimado em 400 quilos de urânio altamente enriquecido do Irão após os ataques de Israel em junho.

França, Reino Unido e Alemanha esperam ainda que a esperada notificação formal à ONU de que estão a desencadear a revogação das sanções provoque concessões iranianas e mais diplomacia.

Assim que os diplomatas do E3 iniciarem o processo esta quinta-feira, terão pouco mais de 30 dias para avançar ou adiar a revogação, provavelmente por seis meses. Poderão também ocorrer negociações na ONU sobre os termos futuros para o levantamento das sanções após a sua reposição.

O Ministério iraniano dos Negócios Estrangeiros avisou que responderia se a Europa avançasse com a revogação. A Rússia propôs na ONU que a revogação das sanções seja adiada por seis meses, até 18 de abril, para dar mais tempo à diplomacia, mas não tem os votos necessários no Conselho de Segurança da ONU.

As sanções que a Europa está a reimpor foram levantadas quando o Irão assinou o acordo nuclear original em 2015. A medida tem consequências económicas e políticas. A economia iraniana está a sofrer com a escassez de água e energia, e uma nova série de sanções apoiadas pela autoridade da ONU só vão isolar ainda mais o Irão. O impacto será provavelmente maior nas vendas de armas, mas também trará restrições ao transporte marítimo iraniano. Uma vez reimpostas, as sanções só poderão ser suspensas se todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU concordarem.

As potências europeias reconhecem que é difícil para o Irão retomar a diplomacia logo após os ataques israelitas e americanos, mas a data de expiração do acordo nuclear em outubro significa que a restante influência da Europa sobre o Irão também se esgotará em poucas semanas.

O vice-ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Kazem Gharibabadi, afirmou à televisão estatal na noite de quarta-feira que, se a reversão fosse acionada, a interação com a Agência Internacional de Energia Atómica seria "completamente afetada e interrompida".

"Dissemos ao E3 que, se isso acontecer, a Europa, de facto, retirar-se-á da arena diplomática e do diálogo com o Irão", disse, acrescentando que o Irão só manteria discussões no âmbito do Conselho de Segurança da ONUProtesto em Teerão contra inspetores da AIEAA confirmação do regresso parcial dos inspetores da AIEA na quarta-feira foi recebida com protestos pelas autoridades de Teerão, que alegam que as rigorosas pré-condições estabelecidas por eles foram violadas.

Os inspetores da AIEA abandonaram o Irão no início da campanha de bombardeamentos israelo-americanos contra as instalações nucleares, em junho. A readmissão dos inspetores é fortemente contestada pelos iranianos que consideram a AIEA cúmplice dos ataques israelitas e pouco mais do que espiões que provavelmente entregarão informações diretamente para uso israelita.

Teerão também se queixou de que a AIEA nunca condenou os ataques israelitas. Após os ataques que mataram mais de mil iranianos, incluindo os seus principais líderes militares e científicos, o parlamento iraniano aprovou uma lei que estabelece pré-condições rigorosas para o regresso da AIEA.

Teerão poderia responder saindo do Tratado de Não Proliferação Nuclear, mas o International Crisis Group afirmou que o Irão poderia optar por rescindir um acordo de 1974 com a AIEA que define os parâmetros para o acesso e a supervisão de material nuclear pela agência.

O Irão tem vindo a enriquecer urânio até aos 60 por cento de pureza físsil, um pequeno passo em relação aos cerca de 90 por cento de grau militar, e já possuía material enriquecido a este nível.

No entanto, o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, revelou que o Irão permitiu a reentrada dos inspetores esta semana, mas não estavam autorizados a visitar as principais instalações nucleares bombardeadas em Fordow, Natanz e Isfahan.

Em vez disso, estavam autorizados a acompanhar o processo de reabastecimento na instalação de Bushehr, uma exigência do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), do qual o Irão é signatário. As autoridades iranianas alegaram ainda que apenas os inspetores russos da AIEA teriam permissão para visitar Bushehr.

“O nosso trabalho começou, mas ainda não chegámos ao ponto que eu tinha em mente. As negociações precisam de continuar para chegar a melhores conclusões. Esta questão precisa de ser resolvida o mais rapidamente possível, uma vez que as inspeções não se podem limitar a instalações não visadas. Não existem inspeções seletivas”, afirmou Grossi.

O vice-ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Kazem Gharibabadi, descreveu a inspeção de Bushehr como um caso especial para evitar que esta seja encerrada – algo que o Irão quer evitar.

A temeridade sobre a natureza do programa nuclear iraniano dura há mais de duas décadas. As negociações indiretas entre a administração Trump e o Irão fracassaram este ano devido à recusa dos EUA em permitir que Teerão continue a enriquecer urânio internamente.
Operação de limpeza em Mojdeh
O Irão lançou uma rápida operação de limpeza num local relacionado com a energia nuclear em Mojdeh, a norte de Teerão, atingido por ataques aéreos israelitas, que provavelmente removerá provas de qualquer trabalho de desenvolvimento de armas nucleares, disse um grupo de investigação na quarta-feira.

As imagens de satélite "mostram um esforço significativo do Irão para demolir rapidamente edifícios danificados ou destruídos, provavelmente para sanear quaisquer atividades incriminatórias de investigação e desenvolvimento de armas nucleares", afirmou o Instituto de Ciência e Segurança Internacional.


O instituto é um grupo de investigação independente que se concentra em impedir a propagação de armas nucleares e é liderado por David Albright, antigo inspetor nuclear da ONU.A embaixada do Irão nas Nações Unidas não respondeu imediatamente a um pedido de comentário. Teerão nega estar à procura de armas nucleares e tem afirmado repetidamente que o seu programa tem fins pacíficos.

O relatório sobre Mojdeh surge numa altura em que o organismo de vigilância nuclear da ONU mantém negociações em Teerão sobre o retomar das inspeções, interrompidas pela guerra de 13 a 24 de junho entre Israel e o Irão e pelos ataques dos EUA às três principais instalações nucleares do país a 22 de junho.

Israel bombardeou por duas vezes a zona de Mojdeh, também conhecido como Lavisan II, adjacente à Universidade Malek Ashtar, no dia 18 de junho, segundo o relatório do Instituto de Ciência e Segurança Internacional, durante a operação que atingiu centenas de alvos em todo o Irão.

Foi referido que a AIEA tinha estabelecido uma ligação direta entre Mojdeh e o Plano AMAD, um programa de desenvolvimento de armas nucleares que a agência e os serviços de informação americanos concluíram separadamente como tendo terminado em 2003.

O primeiro ataque israelita a Mojdeh atingiu vários edifícios, segundo o relatório. Um estava associado ao Instituto de Física Aplicada e outro tinha uma ligação suspeita ao Grupo Shahid Karimi, que os EUA sancionaram por trabalhar em projetos relacionados com mísseis e explosivos.

O segundo ataque israelita destruiu o edifício do Instituto de Física Aplicada, danificou um edifício de segurança e destruiu uma oficina, de acordo com uma imagem de satélite da Maxar Technologies de 20 de junho, segundo o relatório.

Uma imagem de 3 de julho mostrava o início da limpeza e remoção dos destroços, segundo o relatório. Imagens de 19 de agosto mostraram que o edifício e a oficina de Física Aplicada foram demolidos e os destroços completamente removidos, assim como o edifício suspeito de acolher o grupo Shahid Karimi. 
"O rápido trabalho do Irão para demolir e limpar rapidamente os escombros destes edifícios importantes parece ser um esforço para higienizar o local e limitar a disponibilidade de qualquer possível inspeção futura para obter" provas de trabalho relacionado com armas nucleares, referiu o relatório.

c/ Agências
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