Golpe de Estado no Gabão. Militares anunciam dissolução das instituições democráticas

por Cristina Sambado - RTP
Ali Bongo Ondimba, o presidente do Gabão, depois de votar nas eleições no passado sábado STR- EPA

Um grupo de militares do Gabão anunciou esta quarta-feira na televisão o cancelamento das eleições presidenciais que reelegeram, no sábado, Ali Bongo Ondimba e a dissolução de todas as instituições democráticas.

O anúncio foi feito num comunicado de imprensa lido no Gabon 24, um canal de televisão detido pela Presidência do país, por cerca de uma dúzia de soldados gaboneses.

Depois de constatar "uma governação irresponsável e imprevisível que resulta numa deterioração contínua da coesão social que corre o risco de levar o país ao caos (...) decidiu-se defender a paz, pondo fim ao regime em vigor", declarou um dos soldados.

O mesmo militar, alegando falar em nome de um "Comité de Transição e Restauração Institucional (CTRI)", disse que todas as fronteiras do Gabão estavam "encerradas até nova ordem".

"Nós, as forças de defesa e de segurança, reunidas no seio do CTRI em nome do povo gabonês e garante da proteção das instituições, decidimos defender a paz pondo fim ao regime no poder", anunciou ainda um coronel do exército regular. Entre os militares encontravam-se membros da Guarda Republicana (GR), a unidade de elite da Presidência, conhecida pelas suas boinas verdes, bem como soldados do exército regular e agentes de polícia. Dos quatro oficiais na primeira fila, dois eram coronéis da GR e dois coronéis do exército regular.

Segundo jornalistas da agência de notícias France-Presse, durante a transmissão televisiva ouviram-se tiros de metralhadoras automáticas em Libreville.

Horas antes, a meio da noite, às 03h30 (mesma hora em Lisboa), o Centro Eleitoral do Gabão (CGE, na sigla em francês) tinha divulgado na televisão estatal, sem qualquer anúncio prévio, os resultados oficiais das eleições presidenciais.
Terceiro mandato de Ali Bongo Ondimba
A comissão eleitoral revelou que o Presidente Ali Bongo Ondimba, no poder há 14 anos, tinha conquistado um terceiro mandato nas eleições de sábado com 64,27 por cento dos votos expressos, derrotando o principal rival, Albert Ondo Ossa, que obteve 30,77 por cento dos votos. Os outros 12 candidatos obtiveram meia dúzia de votos.

O anúncio foi feito numa altura em que o Gabão estava sob recolher obrigatório e com o acesso à Internet suspenso em todo o país, medidas impostas pelo Governo no sábado, dia das eleições. A Internet foi entretanto restabelecida esta quarta-feira, três dias depois de ser suspensa.
O exército e a polícia tinham montado bloqueios de estradas em toda a capital, durante a madrugada, para impor o recolher obrigatório pela terceira noite consecutiva.

O Governo invocou o risco de violência, na sequência de declarações de Ondo Ossa, que exigia ser apontado vencedor.

No sábado, duas horas antes do fecho das urnas, Ondo Ossa denunciou a "fraude orquestrada pelo campo de Bongo". Logo na altura reclamou vitória.

Já na segunda-feira, numa conferência de imprensa em Libreville, Mike Jocktane, diretor de campanha de Ondo Ossa, instou Bongo Ondimba a "organizar a transferência de poder sem derramamento de sangue" com base numa contagem efetuada pelos seus próprios escrutinadores, mas sem apresentar quaisquer documentos comprovativos.

Ondo Ossa, de 69 anos, foi escolhido apenas oito dias antes das eleições pelos principais partidos da oposição gabonesa, entre eles a Alternância 2023, após uma luta acesa entre seis candidatos. O professor de economia da Universidade de Libreville, antigo ministro de Omar Bongo, só teve seis dias para fazer campanha.
Dinastia “Bongo”
Bongo, de 64 anos, foi eleito em 2009 após a morte do seu pai, Omar Bongo Ondimba, que governou este pequeno Estado da África Central, rico em petróleo, durante mais de 41 anos. A oposição tem denunciado regularmente a perpetuação de uma "dinastia Bongo" que já dura mais de 55 anos.

Ali Bongo procurava este sábado obter um terceiro mandato (reduzido de sete para cinco anos) em eleições que incluíam três escrutínios - presidencial, legislativo e municipal - todos realizados numa única volta.
O país teve apenas três presidentes desde que se tornou independente de França em 1960.


Omar Bongo, respeitado pela sua mediação em várias crises africanas, foi também um pilar da Françafrique, um sistema de cooptação política, redes e campos de caça comerciais estabelecido entre Paris e as antigas colónias no continente.

O seu filho Ali distanciou-se ostensivamente da antiga potência colonial assim que foi eleito.

Nove outros dos filhos de Omar Bongo estão a ser investigados no âmbito do inquérito sobre "ganhos ilícitos" conduzido pela justiça francesa desde 2010 - ativos imobiliários construídos em França com dinheiros públicos desviados do Gabão.

Uma das filhas, Pascaline, teve um caso com a lenda do reggae Bob Marley, que convidou para atuar no Gabão por ocasião do aniversário do pai. Foi o primeiro concerto do cantor jamaicano em África, em janeiro de 1980.
Um em cada três habitantes vive no limiar da pobreza
O Gabão é um dos países mais ricos de África em termos de PIB per capita (8.820 dólares em 2022) graças ao petróleo, à madeira e ao manganês, em particular, e a uma população reduzida (2,3 milhões de habitantes).

É um dos principais produtores de ouro negro da África Subsariana. Em 2020, este recurso representava 38,5 por cento do seu PIB e 70,5 por cento das suas exportações, segundo a AFP que cita dados do Banco Mundial.

Mas a economia, que o Governo não conseguiu diversificar suficientemente, continua demasiado dependente dos hidrocarbonetos e um em cada três habitantes vivia abaixo do limiar de pobreza no final de 2022.

O país de 268 mil quilómetros quadrados, 88 por cento dos quais cobertos por floresta
, é descrito pelo Banco Mundial como "um absorvedor líquido de carbono e um líder em iniciativas de emissões líquidas nulas", graças, em particular, aos esforços desenvolvidos para reduzir as emissões e preservar a sua vasta floresta tropical.

O Gabão possui também um ecossistema rico.
Os seus parques nacionais albergam espécies endémicas e mamíferos emblemáticos, como o elefante da floresta, o gorila, o chimpanzé, o leopardo e várias espécies de pangolins.

O país tem uma das taxas de urbanização mais elevadas do continente africano, com mais de quatro em cada cinco gaboneses a viverem em cidades. Libreville e Port-Gentil, a capital económica, representam por si só quase 60 por cento da população.

A iboga, arbusto endémico da floresta equatorial da África Central, uma planta com efeitos psicotrópicos, é utilizada no Gabão, sob a forma de pó da casca da raiz, nas cerimónias de bwiti, um rito tradicional de iniciação.

Nos últimos cinquenta anos, a planta foi retirada da sua utilização puramente tradicional devido às virtudes medicinais da ibogaína, um dos seus princípios ativos.

No entanto, a ibogaína é considerada um estupefaciente nos Estados Unidos e em vários países europeus, como a França.


A maior parte da ibogaína, usada nas clínicas que surgiram em todo o mundo (Costa Rica, México, Nova Zelândia, Países Baixos, entre outros) para desmamar toxicodependentes ou ajudar vítimas de stress pós-traumático, provém de exportações ilegais.

Receando que a colheita ilegal venha a esgotar o recurso, o governo do Gabão criou um novo quadro para o comércio.

c/Agências
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