Governo da Irlanda pede tempo para salvar o Tratado de Lisboa

O Governo irlandês sustenta ser “demasiado cedo” para solucionar a crise gerada pela vitória do não no único referendo sobre o Tratado de Lisboa entre os 27. A posição de Dublin foi deixada pelo primeiro-ministro irlandês no arranque do Conselho Europeu em Bruxelas.

Carlos Santos Neves, RTP /
O primeiro-ministro irlandês, Brian Cowen, esteve reunido com o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso Olivier Hoslet, EPA

Pouco antes do início dos trabalhos da Cimeira de chefes de Estado e de governo da União Europeia, o primeiro-ministro irlandês reiterava as declarações feitas na passada sexta-feira, dia em que foi conhecido o chumbo do Tratado de Lisboa pelo eleitorado da República da Irlanda: “É demasiado cedo para apresentar possíveis soluções”.

“Os irlandeses pronunciaram-se há apenas sete dias”, sublinhou Brian Cowen. “Essa decisão deve ser respeitada”, vincou.

As palavras do chefe do Governo irlandês, deixadas logo após um encontro com o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, parecem desenhadas para salvaguardar o espaço de manobra do seu país; descartam de um só golpe qualquer tentativa de pressão por parte dos parceiros europeus e o ónus de apresentar, a curto prazo, uma estratégia de saída para a ameaça de novo impasse institucional na União Europeia a 27.

Cowen afirmou ter afinado pelo mesmo diapasão de Durão Barroso quanto à necessidade de a “Irlanda ter tempo para analisar o voto da semana passada e explorar opções”.

“Aceito plenamente o facto de que vamos ter de trabalhar intensamente no decurso dos próximos meses para identificar soluções possíveis”, acrescentou o primeiro-ministro irlandês.

Dificilmente os dirigentes políticos da União Europeia estarão em condições de resgatar o Tratado de Lisboa ao impasse antes do Conselho Europeu de Outubro. Isso mesmo foi admitido pelo chefe do Executivo comunitário no encontro com o primeiro-ministro irlandês: “Estamos de acordo quanto ao facto de que a próxima reunião do Conselho, em Outubro, será a ocasião apropriada para prosseguir as discussões sobre este assunto”.

Para já, Dublin deixa claro que nem mesmo em Outubro deverá estar em condições de "colocar soluções sobre a mesa".

"Apresentaremos um relatório de etapa na Cimeira de Outubro, mas não pensamos que haja soluções sobre a mesa em Outubro", declarou o ministro irlandês dos Negócios Estrangeiros, Michael Martin.

"Precisamos de tempo e de distanciamento para analisar os resultados e os sentimentos para com a União Europeia que estão subjacentes" ao sentido de voto do eleitorado irlandês, vincou o governante.

Solução rápida

A expensas dos apelos de Dublin, cresce o número de Estados-membros da União Europeia que, diplomaticamente, começam a pressionar o Governo de Cowen no sentido da apresentação de possíveis respostas para a crise num horizonte próximo.

Uma das vozes mais audíveis nesse sentido é a da chanceler alemã, Angela Merkel, para quem “a Europa não se pode permitir uma nova fase de reflexão”.

Imagem da chanceler alemã, Angela Merkel

“O Conselho Europeu deve tomar uma decisão de princípio o mais rapidamente possível, até porque precisamos de saber como organizar as eleições europeias em Junho de 2009”, declarou Merkel esta quinta-feira, poucas horas antes do início da Cimeira em Bruxelas.

Por sua vez, o primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, acentua a pressão em torno de Dublin.

“Não é possível que a Irlanda, como todo o respeito democrático, possa parar um projecto tão necessário”, disse Zapatero em declarações à rádio pública espanhola.

Os líderes europeus parecem, por outro lado, falar a uma só voz no que diz respeito à necessidade de prosseguir desde já o processo de ratificação do Tratado de Lisboa pelos Estados-membros que ainda não o fizeram.

Mas há também aqueles que se mostram mais cautelosos, recusando apressar o Governo irlandês, ou ultrapassar etapas de reflexão. Um dos dirigentes que se pronuncia nessa linha é o primeiro-ministro sueco Fredrik Reinfeldt, que rejeita a ideia de impor qualquer calendário à Irlanda.

“Continuemos com o processo de ratificação e não façamos pressão para que haja uma data limite, esperando por respostas no Outono”, afirmou Reinfeldt.

Esta perspectiva encontra um defensor no chefe do Governo luxemburguês, Jean-Claude Juncker: “Não creio que tenhamos uma decisão definitiva nesta Cimeira. Penso que devemos tê-la em Outubro”.

A solução mais aventada em Bruxelas passa pela realização de novo referendo na Irlanda, mediante a aprovação de algumas cláusulas de excepção para aquele país.

O Tratado de Lisboa, assinado a 13 de Dezembro na capital portuguesa, já foi ratificado pelos parlamentos de 19 países-membros, incluindo a Grã-Bretanha, onde a ratificação – que recebeu “luz verde” da Câmara dos Lordes na noite de quarta-feira - foi oficializada no primeiro dia da Cimeira de Bruxelas com a assinatura da rainha Isabel II.

Apenas a República da Irlanda estava obrigada, por imperativos constitucionais, a referendar o Tratado reformador das instituições da União Europeia, delineado para ultrapassar o impasse agravado em 2005 com a rejeição do Tratado Constitucional nos referendos de França e Holanda.

Para o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, David Miliband, “justifica-se que todos os 27 países terminem o processo de ratificação”, sem o qual o Tratado de Lisboa “não poderá entrar em vigor”.

A sublinhar o simbolismo da ratificação de Londres, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, já veio congratular o primeiro-ministro britânico pela “coragem política”.

“Queremos evitar uma crise na Europa, queremos reunir a Europa e queremos sobretudo ouvir o que dizem os europeus, que nos pedem que tomemos medidas concretas, imediatas, para os proteger e melhorar a sua vida quotidiana”, declarou Sarkozy.

Divergências no dossier dos combustíveis

A agenda do Conselho Europeu de Bruxelas, que decorre até sexta-feira, é também dominada pelos efeitos da escalada dos preços do petróleo e dos bens de primeira necessidade.

“A nossa primeira preocupação neste momento é a situação económica na Europa, os preços do petróleo e dos alimentos, e é isso que vamos discutir”, afirmou o presidente da Comissão Europeia pouco antes do início da Cimeira.

Os líderes da União Europeia falam em uníssono quando manifestam a sua preocupação diante da escalada de preços do ouro negro. Mas a unanimidade desaparece no que diz respeito às possíveis soluções para o problema. O Presidente francês, que assume em Julho a Presidência do Conselho Europeu, encabeça o grupo daqueles que preconizam uma resposta no domínio fiscal, com a definição de um tecto para os impostos sobre os produtos petrolíferos. A maior parte dos 27, porém, rejeita essa possibilidade.

O primeiro-ministro sueco considera que não seria “correcto”, numa altura em que “muitos países europeus apresentam défices, utilizar as suas margens de manobra orçamentais para reduzir os efeitos da alta dos preços do petróleo”. E a chanceler alemã afirma mesmo que “devem ser evitadas” quaisquer medidas de âmbito fiscal para fazer face ao choque petrolífero.

Outra das ideias em cima da mesa da Cimeira é a de uma taxa sobre os lucros das petrolíferas, implementada na quarta-feira pelo Governo italiano. Há também a proposta de uma taxa sobre os movimentos especulativos, preconizada pelo Governo austríaco.

No projecto de declarações finais do Conselho Europeu, os líderes dos 27 encorajam a adopção de medidas, a nível nacional e de curto prazo, para acudir aos sectores mais afectados pela escalada do petróleo.

Os dirigentes europeus deverão também afirmar a vontade de “reforçar a transparência dos mercados petrolíferos, incluindo os stocks de petróleo”, e “de melhorar o diálogo com os países produtores”.
PUB