"Relações históricas" são a base da III Cimeira Luso-Moçambicana

por RTP
A visita oficial estende-se até sexta-feira, incluindo uma deslocação ao Porto de Maputo e encontros com empresários e a comunidade portuguesa Grant Neuenburg - Reuters

O primeiro-ministro português, António Costa, participa quinta-feira em Maputo na III Cimeira Luso-Moçambicana, durante uma visita oficial de dois dias. O objetivo é "aprofundar as relações históricas" entre os dois países.

A visita oficial estende-se até sexta-feira, incluindo uma deslocação ao Porto de Maputo e encontros com empresários e a comunidade portuguesa.

António Costa vai a Moçambique acompanhado por três ministros - Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, Administração Interna, Eduardo Cabrita, e Mar, Ana Paula Vitorino - e pelos secretários de Estado da Defesa Nacional, Marcos Perestrello, e da Segurança Social, Cláudia Joaquim.Esta reunião bilateral será a primeira sob a liderança, do lado português, de António Costa - que faz também a sua primeira deslocação oficial a Moçambique como chefe do Governo -, e do lado moçambicano do Presidente da República, Filipe Nyusi.

Fonte diplomática afirmou à Lusa que esta deslocação é também "um sinal da valorização pelo atual Governo dos países de língua oficial portuguesa", depois de várias deslocações do primeiro-ministro a Cabo Verde - foi o destino da primeira visita oficial de António Costa - e cerca de duas semanas antes da cimeira da CPLP, em Cabo Verde, onde além do chefe do Governo estará também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

A última cimeira bilateral com Moçambique realizou-se em novembro de 2014, em Maputo, e, do lado português, considera-se que esta terceira reunião será "um bom momento para retomar os contactos ao mais alto nível" entre os dois países, depois de o Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, ter estado em Portugal em 2016, na tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa, que retribuiu a visita em maio do mesmo ano.

"É um sinal de confiança, de amizade, de compromisso para com Moçambique", realça a mesma fonte.Também em fase de agendamento estão as deslocações de António Costa a Angola e a São Tomé e Príncipe.

Por outro lado, esta deslocação de uma comitiva do Governo português a Moçambique é também encarada por Lisboa como forma de aprofundar a cooperação entre os dois países também a nível económico.

"Os dois países viveram dificuldades económicas, pretendemos fomentar mais as trocas económicas e o investimento", apontou a mesma fonte, realçando que o ministro dos Negócios Estrangeiros tem, neste Governo, a pasta da internacionalização da economia.

Se Portugal esteve sob assistência financeira da troika entre 2011 e 2014, a economia moçambicana está ainda a tentar recuperar de um declínio acentuado em 2016, quando foi descoberto o chamado caso das dívidas ocultas, relacionadas com avales assegurados pelo anterior Governo moçambicano, entre 2013 e 2014, a empréstimos de mais de dois mil milhões de euros a favor de três empresas públicas, uma ligada à pesca e a duas à segurança marítima.

A deslocação de António Costa a Moçambique surge numa altura em que a província de Cabo Delgado, no norte do país, tem sido palco de vários ataques a aldeias que causaram dezenas de mortes, alegadamente relacionados com grupos fundamentalistas islâmicos.
Programa Estratégico de Cooperação
A mesma fonte diplomática salienta que Portugal está comprometido com o apoio ao crescimento da economia moçambicana e aponta como exemplo o mais recente Programa Estratégico de Cooperação entre os dois países, assinado em novembro de 2017 e que vai até 2021, com um envelope financeiro de 202 milhões de euros.Segundo a embaixada portuguesa em Moçambique, vivem atualmente no país cerca de 23 mil portugueses, boa parte dos quais representa uma presença antiga, embora na última década tenha sido reforçada.

"O primeiro ano de balanço desse programa é bastante positivo", destaca, apontando que são privilegiadas áreas como a educação, formação, cultura, ciência, justiça, segurança e defesa, saúde e assuntos sociais, a par da energia, ambiente e apoio às finanças públicas.

O número de empresas nacionais exportadoras para Moçambique situou-se nas 1849 em 2017, sendo as dez principais (por ordem alfabética) a Efacec, a Laboris Farmacêutica, a Leya, a Nutritir - Distribuição Alimentar, a Perino, a Porto Editora, a Siemens, a Sumol-Compal, a Tensai Indústria e a THZ - Comércio para Hotelaria.

Em Moçambique, as empresas nacionais têm tido presença mais destacada em áreas de atividade como as obras públicas, a banca ou a energia.

Na área da formação, nos últimos cinco anos, perto de 245 estudantes moçambicanos usufruíram de bolsas de estudo financiadas por Portugal. Destes, 167 estudaram no ensino superior português.

Também a nível empresarial se destaca o papel de Portugal na formação: nos últimos cinco anos as empresas portuguesas formaram mais de 55 mil trabalhadores moçambicanos, concederam 116 bolsas e proporcionaram 354 estágios profissionais.

Na área da responsabilidade social, as empresas portuguesas estabelecidas em Moçambique gastaram cerca de cinco milhões de euros em projetos sociais.
III Cimeira Luso-Moçambicana
A primeira cimeira entre Portugal e Moçambique realizou-se em 29 de novembro de 2011, em Lisboa, com uma delegação chefiada pelo então presidente moçambicano, Armando Guebuza, e, do lado português, por Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro português entre 2011 e 2015.

Esta cimeira acabou por ficar marcada pela falta de acordo entre os dois países para a venda dos 15 por cento que Portugal ainda detinha na Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) "por questões técnicas e financeiras", negócio que apenas viria a ser firmado em abril de 2012, durante uma visita de Passos Coelho a Moçambique, colocando um ponto final na presença do Estado português numa das maiores barragens de África, construída em 1969.

Essa venda significou um encaixe para o Estado português de 97 milhões de dólares (74 milhões de euros), que foram comprados em partes iguais por uma empresa moçambicana e pela portuguesa REN.

Nessa primeira cimeira, realizada numa altura em que Portugal estava sob assistência financeira externa, o Governo português comprometeu-se a manter a contribuição no programa de apoio direto ao Orçamento do Estado de Moçambique com valores de 1,5 milhões de euros, tendo sido ainda assinados um acordo no domínio do acesso aos arquivos histórico-diplomáticos e um memorando de entendimento sobre questões de género.

Pedro Martins, Orfeu de Sá Lisboa, Jacinto Bai Bai - RTP

A II cimeira entre os dois Estados, que ficou inicialmente marcada para o ano seguinte, apenas viria a realizar-se em 26 de março de 2014, em Maputo, culminando com a assinatura de duas dezenas de acordos de cooperação nas áreas das Pescas e Aquacultura, Agricultura, Defesa, Saúde, Educação, Transportes Marítimos, Portos, Águas e Saneamento, entre outras.

Passos Coelho esteve então em Maputo acompanhado de cinco ministros: Negócios Estrangeiros, Rui Machete, Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, Economia, António Pires de Lima, Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, e Agricultura, Assunção Cristas, bem como dos secretários de Estado das Finanças, Manuel Rodrigues, e dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Luís Campos Ferreira.

A delegação moçambicana era constituída pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Balói, das Finanças, Manuel Chang, dos Assuntos Sociais na Presidência, Feliciano Gundana, das Pescas, Victor Borges, da Energia, Salvador Namburete, e das Obras Públicas e Habitação, Cadmiel Muthemba.

Nessa ocasião, Rui Machete estimou que os acordos assinados entre os dois países representaram um apoio de cerca de 134 milhões de euros de Portugal a Moçambique, dos quais 400 mil euros de apoio direto ao Orçamento do Estado moçambicano.

A restante verba repartiu-se entre 27 milhões de euros, relativos ao remanescente de uma linha de crédito de 300 milhões de euros, assinada ainda pelo anterior governo socialista; 94 milhões relativos ao Investimoz, Fundo Português de Apoio ao Investimento em Moçambique; e cerca de 10 milhões de euros do Fecop, um fundo empresarial da cooperação portuguesa.

A declaração final da II Cimeira destacou o aumento das trocas comerciais entre os dois países desde a primeira reunião de alto nível: um crescimento em apenas três anos de 60 por cento das exportações moçambicanas para Portugal e de 43 por cento das exportações portuguesas para Moçambique.

Os dois países acordaram então realizar a III Cimeira Bilateral em Portugal, em 2015, mas esta acontecerá apenas três anos depois do previsto e em Moçambique.
Exportações caem, importações sobem
As exportações portuguesas para Moçambique estão a diminuir desde 2015, tendo registado uma nova quebra de 6,4 por cento nos primeiros quatro meses deste ano em relação ao mesmo período de 2017, ao contrário das importações, que subiram 54,7 por cento.

De acordo com os dados obtidos pela Lusa junto da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) a propósito da III Cimeira Luso-moçambicana, que decorre quinta-feira em Maputo, as empresas portuguesas exportaram para Moçambique entre janeiro e abril deste ano 54,5 milhões de euros em produtos, contra 58,3 milhões de euros no período homólogo.

Os dados provenientes do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que, entre 2013 e 2017, as exportações portuguesas para Moçambique caíram em média 11,7 por cento, tendo atingindo um máximo em 2015 - 355 milhões de euros - e quebras em 2016, quando caíram para 214,7 milhões de euros, e novamente em 2017 (180,5 milhões de euros).O número de empresas nacionais exportadoras para Moçambique tem vindo também a diminuir, situando-se nas 1849 em 2017, quando chegaram a ser 3028 em 2013.

As importações portuguesas de Moçambique, pelo contrário, subiram nos primeiros quatro meses do ano 54,7 por cento, embora com valores absolutos bem mais baixos do que as exportações: aumentaram de 5 para 7,7 milhões de euros, comparando o período entre janeiro e abril de 2017 e 2018.

No período a que se referem as estatísticas do INE, entre 2013 e 2017, as importações portuguesas caíram 6,4 por cento, com um pico em 2013 de 62,7 milhões de euros, que desceu para 34,9 milhões de euros no ano seguinte, mas subiu para 41,4 milhões de euros no ano passado.

No sentido inverso, Moçambique situou-se em 2017 como o 34.º maior cliente de Portugal e o 68.º fornecedor de bens, tendo vindo também a diminuir o seu peso no total das importações e exportações nacionais.Em 2017, Portugal era o 20.º maior cliente de Moçambique - em 2013 era o sexto - e o 7.º maior fornecedor, quando em 2015 chegou a ser o quarto.

Máquinas e aparelhos (34 por cento), metais comuns (10,9 por cento), químicos (9,1 por cento) e pastas celulósicas e papel (8,9 por cento) foram em 2017 os principais produtos exportados para Moçambique, enquanto os produtos agrícolas (81,9 por cento) representaram a esmagadora fatia das importações.

A balança comercial de bens e serviços com Moçambique é tradicionalmente favorável a Portugal, registando em 2017 um saldo de 245 milhões de euros, contra 340 milhões de euros em 2016 e 511 milhões de euros em 2015, segundo dados do Banco de Portugal fornecidos pelo AICEP.

De acordo com informação da embaixada de Portugal em Moçambique, Portugal tem-se posicionado de forma constante entre os cinco principais investidores estrangeiros em Moçambique, estimando-se que o investimento direto português no país dê origem a 52 postos de trabalho por cada milhão de dólares investido, o que representa quase o dobro do número médio de empregos gerados pela média do Investimento Direto Estrangeiro em Moçambique.

Na base de dados da AICEP Maputo, estão inscritas aproximadamente 500 empresas de capitais portugueses, na sua maioria de pequena e média dimensão.

No setor do turismo, dados do Banco de Portugal indicam que as receitas de turismo de Moçambique em Portugal aumentaram no ano passado, tendo-se situado nos 61,1 milhões de euros em 2017, uma variação positiva de 4,3 por cento em relação ao ano anterior.

c/ Lusa
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