O presidente Donald Trump adiou um pacote de milhões em ajuda à Ucrânia uma semana antes de manter uma conversa telefónica com o presidente ucraniano em que pressionou Volodymyr Zelensky a investigar o filho do ex-vice-presidente Joe Biden, seu adversário potencial na corrida de 2020 para a Casa Branca. Trump não nega a conversa e garante nada ter feito de errado.
A ajuda de 400 milhões está entretanto embrulhada em alegados receios de Trump da “corrupção” na Ucrânia, prazos orçamentais e possível chantagem para ganhos na corrida de 2020.
De acordo com o Washington Post, o mesmo jornal que há quase cinco décadas escavou o caso que levaria à queda do presidente Richard Nixon, a ordem para reter os 400 milhões de dólares foi entretanto confirmada por três altos funcionários da Administração.Hunter Biden foi membro do conselho de administração da Burisma, maior empresa privada de gás na Ucrânia. A empresa esteve sob investigação, mas nada se provou nunca acerca do filho de Joe Biden.
Os funcionários do gabinete de Gestão e Orçamento transmitiram a ordem do presidente ao Departamento de Estado e ao Pentágono em meados de julho, por volta do dia 17, com o argumento de que o presidente estava preocupado com os níveis de corrupção na Ucrânia. Posteriormente, já a 11 de Setembro, a ajuda seria libertada, desta vez sob o argumento de que era necessário aplicar as verbas do orçamento por questões legais, uma vez que o ano fiscal estava a findar-se.
O presidente não nega que Hunter Biden, filho do ex-vice-presidente Joe Biden e seu potencial adversário na corrida de 2020, tenha sido um assunto na conversa que manteve com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, mas reitera que “não há nada de errado nisso”.
“Um telefonema perfeito”
A questão remete, contudo, para duas vias que poderão tornar-se num problema para Donald Trump: por um lado, adiar o empréstimo militar poderá ser visto como uma forma de chantagem sobre Zelensky para obrigar as autoridades ucranianas a abrir um processo visando a família Biden; por outro, e no mesmo sentido, o presidente Trump estaria aqui a usar uma diplomacia externa dúbia para criar um caso a um potencial rival na sua recandidatura à Casa Branca.
Por outro lado, as suspeitas do “prolongamento” da rede de trabalho das equipas de Trump também não pisariam aqui território virgem depois das visitas de delegações russas à Trump Tower, em Nova Iorque, durante o mesmo período de campanha, envolvendo o seu filho mais velho, Donald Trump Jr., em conversações com elementos relacionados ao mais alto nível da hierarquia do Kremlin.
Apesar de Trump ter voltado a negar qualquer irregularidade no contacto com o presidente ucraniano – “um telefonema perfeito” – a questão remete para um padrão que, não incomodando a organização do presidente, poderá voltar a colocá-lo no epicentro de várias questões sensíveis pra a alma política e a segurança norte-americana.
À luz destes novos desenvolvimentos, muitos democratas que até agora se revelavam discretos quanto a um processo de destituição do presidente Trump começam a alterar o seu posicionamento.
Apesar da existência de vozes mais críticas dentro do Partido Democrata, a ideia que vinha vingando, passados que estão mais de dois anos do mandato de Donald Trump, era que o partido devia investir na luta no campo político, uma ideia que ficou reforçada depois da publicação do relatório do procurador especial Robert Mueller, em que não são explícitas as responsabilidades de Trump no eventual conluio com elementos do Kremlin durante a campanha presidencial de 2016.
Uma dessas vozes inquietas é agora a da speaker Nacy Pelosi. Endurecendo a linguagem durante o fim de semana, a presidente da Câmara dos Representantes instou já à divulgação do relatório em que um garganta-funda (denunciante, whistleblower) denunciou a alegada má conduta do presidente Trump. A Administração “está a pôr em risco a segurança nacional e a cndicionar qualquer futuro denunciante que se depare com um procedimento incorreto”, assinala Pelosi.