"Incrivelmente preocupante". Detetada primeira fuga de metano no fundo marinho da Antártida

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Lucas Jackson - Reuters

Cientistas detetaram a primeira fuga de metano no fundo oceânico da Antártida. Estima-se que várias quantidades deste gás com grande impacto nas alterações climáticas estejam armazenadas no fundo do mar e a sua libertação para a atmosfera poderá conduzir a uma situação “incrivelmente preocupante”.

A fuga ativa foi detetada pela primeira vez em 2011, mas os cientistas precisaram de regressar ao local em 2016 e desenvolver um estudo detalhado antes de ser iniciado o trabalho de laboratório.

Os especialistas descobriram agora que os micróbios que se encontram no fundo oceânico e que normalmente consomem o metano antes de este ser libertado para a atmosfera apareceram apenas passados cinco anos e em pequeno número, permitindo que o gás escapasse.

"O atraso [no consumo de metano] é a descoberta mais importante", disse Andrew Thurber, da Oregon State University, nos EUA, que liderou a pesquisa. “Não são boas notícias. Foram necessários mais de cinco anos para que os micróbios começassem a aparecer e mesmo assim ainda havia metano a escapar rapidamente do fundo do mar”, explicou Thurber a The Guardian.

Durante esse período de formação de micróbios, os cientistas dizem que foi observada uma “libertação contínua de metano para fora do sedimento”.

Há muito que os cientistas alertam para o perigo do metano capturado pelos oceanos ou armazenado no permafrost, o solo encontrado em zonas polares. Uma vez libertado para a atmosfera, este gás poderá desencadear um processo irreversível. Este é um dos tipping points (ponto de não retorno), que ocorrem quando um impacto específico no aquecimento global atinge um ponto crítico e ultrapassa a capacidade humana de tentativa de controlo. Em termos médios, o metano tem um impacto 25 vezes superior ao dióxido de carbono nas alterações climáticas. Estima-se que a Antártida contenha até um quarto do metano marinho da Terra.

“Existe uma grande quantidade de metano dentro do permafrost, o que significa que pode induzir um efeito de que mesmo que deixássemos de emitir gases de efeito de estufa, o sistema natural, através do permafrost, pode começar a libertar metano e continuar a acelerar o próprio aquecimento global”, explicou à RTP Carlos Antunes, professor de Engenharia Geoespacial da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL).
“Incrivelmente preocupante”
"O ciclo do metano é absolutamente algo com o qual nós, como sociedade, precisamos de nos preocupar", disse Thurber. "Acho incrivelmente preocupante", acrescentou o líder da pesquisa.

A pesquisa, publicada na revista Proceedings of Royal Society B, relata a descoberta de uma infiltração de metano a dez metros de profundidade de um local conhecido por Cinder Cones, em McMurdo Sound.

Na maioria dos oceanos, os micróbios consomem entre 70 a 90 por cento do metano libertado a partir do leito marinho. Mas o lento crescimento de micróbios em Cinder Cones e a sua pouca profundidade significa que o metano está, certamente, a ser libertado para a atmosfera.

Thurber explica que os primeiros micróbios a crescer no local foram de uma variedade inesperada. “Provavelmente estamos agora num processo de sucessão, que pode levar entre cinco a dez anos até que uma comunidade se torne totalmente adaptada e comece a consumir metano”, acrescenta o principal autor da pesquisa.

A forma como esta fuga foi formada ainda é desconhecida. “É um mistério para o qual ainda não temos resposta", diz Thurber. “Está do lado de um vulcão ativo, mas parece que não se originou daí”, explica.

O especialista diz, no entanto, que a boa notícia é que esta nova fuga de metano constitui um laboratório natural para futuras pesquisas. Tal como explica Jemma Wadham, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, “a Antártida e a sua camada de gelo são enormes buracos negros na nossa compreensão do ciclo de metano da Terra – são lugares difíceis de se trabalhar”.

"Acreditamos que é provável que haja metano significativo sob a camada de gelo", disse Wadham. "A grande questão é: qual é a proporção do atraso [de formação dos micróbios que consomem metano] em comparação com a velocidade com que as novas fugas de metano podem formar-se no rescaldo do degelo?", questionou.
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