Inteligência Artificial ajuda a criar antibiótico capaz de enfrentar super-bactéria

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Dado Ruvic - Reuters

As bactérias super-resistentes a antibióticos são um dos maiores desafios dos meios hospitalares, onde esta ameaça paira sobre os doentes mais debilitados. Agora, com a ajuda da Inteligência Artificial, investigadores do Canadá e dos Estados Unidos poderão estar a caminho de criar uma potente droga contra a Acinetobacter baumannii, a número um na lista das super-bactérias.

O alvo era a Acinetobacter baumannii, que a Organização Mundial da Saúde aponta como uma das três bactérias resistentes a antibióticos mais perigosas do mundo. Os registos mostram que a A. baumannii prolifera em meio hospitalar de forma quase impune, aprendendo a sobreviver e a recompor o seu ADN para driblar toda a espécie de medicação, podendo causar pneumonia, meningite ou infeção de feridas, com o processo a levar muitas das vezes à morte. Dizem os registos que mais de um milhão de pessoas morre anualmente nestas circunstâncias.

Respondendo ao desafio, equipas de investigação da Universidade McMaster, no Canadá, e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (o famoso MIT, na sigla original), nos Estados Unidos, usaram a Inteligência Artificial (IA) na busca de um novo antibiótico que pudesse ser usado no combate a esta bactéria mortal que vem com um currículo de ameaça letal para os doentes mais vulneráveis em meio hospitalar.

O resultado foi o abaucin, um potente antibiótico ainda em ensaios experimentais, mas que oferece já fortes perspetivas de sucesso. Para a descoberta, os cientistas contaram com uma ajuda fundamental, a IA, capaz de reduzir em milhares de horas a pesquisa humana.

De acordo com os investigadores – o estudo foi publicado esta quinta-feira na revista Nature Chemical Biology –, foi usado um algoritmo de IA para prever novas classes estruturais de moléculas antibacterianas num processo que permitiu ultrapassar as limitações dos métodos de rastreio convencionais.

Como em qualquer investigação, o processo científico é por norma dispendioso e demorado, mas a abordagem algorítmica permite atalhar a questão do tempo, com os as ferramentas da IA a vasculharem centenas de milhões de moléculas potencialmente antibacterianas para reduzir essa lista a uma mão cheia que foi objeto de testes laboratoriais.

O processo obrigou inicialmente a treinar a IA nesta busca.
Os investigadores começaram por selecionar centenas de compostos cuja estrutura química era conhecida, testando-as na A. baumannii para perceber quais tinham o potencial para amenizar os seus efeitos ou mesmo matá-la, informação que foi posteriormente fornecida à IA para que o programa pudesse identificar e aprender que características químicas dessas drogas poderiam revelar-se eficazes no ataque à super-bactéria.

Numa fase posterior, a IA foi lançada numa pesquisa de 6.680 compostos cuja eficácia era desconhecida. Em hora e meia forneceu aos investigadores uma lista reduzida de moléculas prometedoras, tendo as equipas testado 240 em laboratório para encontrar nove antibióticos potenciais: um deles foi o abaucin.

Visto como incrivelmente potente, o abaucin provou os seus dotes em laboratório, mostrando-se capaz de tratar feridas infetadas em ratinhos e até de matar amostras de A. baumannii retiradas de pacientes humanos.

Curiosamente, o abaucin funciona como uma némesis pessoal da A. Baumannii, já que se mostrou completamente ineficaz no combate a outras bactérias.

Em declarações registadas pela BBC, Jonathan Stokes, um dos investigadores da Universidade de McMaster, sublinhou que, aqui chegados, “é agora que começa o trabalho” e o próximo passo é aperfeiçoar a droga no laboratório para seguir depois para os ensaios clínicos.

O novo antibiótico, sublinhou Stokes, não deverá estar disponível para prescrição antes de 2030. Abre-se, entretanto, no imediato, um mundo novo para a investigação médica e farmacêutica, face à capacidade demonstrada pela IA de monitorizar dezenas de milhões de moléculas numa tarefa que os investigadores assumem ser impossível de fazer manualmente, segundo os métodos tradicionais.

“A IA aumenta a taxa e, num mundo perfeito, diminui os custos [de investigação], com o que podemos descobrir essas novas classes de antibióticos de que precisamos desesperadamente”, considerou Stokes.
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